Nas comemorações dos 100 anos de Carlos Paredes a TSF foi até à oficina de um luthier
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Na oficina do luthier Manuel Amorim há moldes de guitarras expostos, vernizes e colas nas prateleiras. Na mesa de trabalho, Apolinário Correia lima um molde de guitarra portuguesa que construiu. Fá-lo com todo o rigor e paciência. Depois de reformado, e porque gosta de trabalhar a madeira, decidiu tornar-se aprendiz desta arte. Primeiro, frequentou um curso de construção de guitarra clássica e agora este de guitarra portuguesa.
"Esta é a forma que vai dar a beleza ao corpo da guitarra porque, além do som, convém que a guitarra seja uma coisa bonita”, explica, a sorrir. "É um prazer e mal parecia ser português e não fazer uma guitarra portuguesa."
O luthier Manuel Amorim tem a sua oficina em Loulé, num sítio que não está exposto aos olhares. Conta que construir um único exemplar pode demorar um mês e meio. É como fazer uma obra de arte. É preciso escolher as melhores madeiras, talhá-las e colá-las ao milímetro, perceber quais as cordas mais indicadas para o instrumento e para o músico que a vai abraçar. ”Escolho sempre as madeiras mais nobres”, assegura.
“Costumo dizer que construir uma guitarra portuguesa é como dar a volta ao mundo: nós vamos à Índia buscar materiais, vamos ao Brasil buscar madeiras, a África, podemos ir à América Central, ao Canadá (…) e isso é que faz uma guitarra portuguesa.”
O mestre gosta de transmitir conhecimentos. Está a começar, por estes dias, outro curso destinado a quem queira aprender a construir uma guitarra portuguesa. Avisa que nem todos o conseguem: é preciso ter aptidões naturais, gostar de trabalhar a madeira e ter paciência.
Uma guitarra portuguesa construída artesanalmente é única, considera o mestre. Tem um som totalmente diferente de outra feita de modo industrial. As que constrói têm certificado de garantia e “são uma herança para a vida”. Quem a dedilha, claro, também faz toda a diferença. ”Se pedirmos a um alemão para tocar guitarra portuguesa, ele vai tocar, mas vai ter muita dificuldade em adquirir a técnica da mão direita”, garante. Isto porque o atacar as cordas, a alma que se coloca a tocar o instrumento é um sentimento muito português.
Albino Gonçalves, guitarrista que acompanha fadistas e dá concertos a solo, deslocou-se à loja. A guitarra portuguesa que está a sair das mãos de Manuel Amorim vai ser sua. O músico quis ter um instrumento com um som único. “Eu quero ter três guitarras”, explica. “Há dias em que eu agarro numa guitarra e soa-me bem, noutro dia já não me soa e é a outra que me soa bem”, adianta. “Manias de músicos”, diz a rir.
Para este guitarrista, Carlos Paredes será sempre a referência na guitarra portuguesa. Compôs e não se exime a tocar mesmo ali uma música original que tem, segundo ele, inspiração na música de Paredes. O som ecoa pela oficina.
“Costumo dizer que uma guitarra é como um filho”, diz Manuel Amorim. “Nós andamos com ele, acarinhamos, ouvimos e depois ele vai embora e nós ficamos tristes.”
Durante esta sexta-feira e sábado, incluídas no primeiro Festival de Guitarra Portuguesa, irão realizar-se oficinas de construção de guitarra portuguesa. Os Teatros Capitólio e Variedades e o Cinema São Jorge vão ser o palco deste festival inserido nas comemorações dos 100 anos de Carlos Paredes. Vários concertos, conversas e documentários fazem também parte do programa.