Consumidores queixam-se de aparelhos auditivos que não conseguem usar nem devolver
Há cada vez mais queixas na DECO devido a aparelhos auditivos. Os otorrinos falam de uma invasão de anúncios e pede mais proteção aos consumidores.
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A venda de aparelhos auditivos através de anúncios, por telefone ou em casa motivou um número crescente de queixas à associação de defesa do consumidor Deco, na maioria relacionadas com dificuldades na adaptação e na devolução dos dispositivos.
Muitas das situações que os consumidores reclamam prendem-se com a adaptação ao dispositivo e isso acontece porque "a venda foi feita à distância" e não foram realizados exames para se encontrar um aparelho adequado ao problema de saúde, disse à agência Lusa a jurista Ingride Pereira, do gabinete de apoio ao consumidor da Deco.
Há também reclamações relacionadas com os contratos de crédito e a dificuldade de o consumidor devolver o aparelho como relatam alguns casos divulgados pela Deco à Lusa.
A jurista da Deco disse que muitos consumidores só percebem que assinaram um contrato de crédito quando chegam à Deco e apresentam a documentação. "O consumidor identifica o problema que tem e os vendedores tentam encontrar um produto que irá resolver o seu problema, mas muitas vezes não o resolve e traz mais dores de cabeça ao consumidor por ter assinado e acreditado naquelas informações", sublinhou.
Os consumidores devem ter algum cuidado na compra destes aparelhos através das vendas à distância, porque se trata de um "problema de saúde, de audição, em que têm de ser feitos exames
Por isso, defendeu Ingride Pereira, "os consumidores devem ter algum cuidado" na compra destes aparelhos através das vendas à distância, porque se trata de um "problema de saúde, de audição, em que têm de ser feitos exames".
Além disso, têm um "um custo elevado" e se o consumidor os quiser experimentar não se deve esquecer que tem um prazo de 14 dias para refletir" e que deve tomar uma decisão antes desse prazo.
No atendimento diário, Ingride Pereira tem-se apercebido de que há "muito mais consumidores" a procurar a associação por causa destes aparelhos auditivos publicitados em anúncios e vendidos pelo telefone e ao domicílio.
O vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cabeça e Pescoço, Pedro Escada, também alertou para os riscos da compra destes aparelhos sem a realização de exames numa casa especializada. Pedro Escada explicou que quando um doente faz os exames de audição com os aparelhos postos dentro de uma cabine sem ruídos, sem interferências, muitas vezes fica muito satisfeito e compra a prótese.
Mas o que, muitas vezes, acontece é que devido a limitações relacionadas com a doença do ouvido, os sons amplificados pelos aparelhos tornam-se "muito intensos e muito incomodativos" para o doente, que percebe que "a prótese que dava muito resultado no laboratório" não dá na vida real.
O doente percebe que "ainda está pior", com dores de cabeça, e deixa de usar a prótese, procurando ajuda ao médico, disse o otorrinolaringologista. Nessa altura, "o doente volta à casa de próteses", mas se esta for "uma daquelas más, tentam ajustar o aparelho e convencer o doente que é mesmo assim" e passa o tempo legal para devolver o dispositivo. Numa casa "boa", o doente devolve o aparelho e apenas tem de pagar o molde do dispositivo e a consulta, disse Pedro Escada.
"Invasão" de anúncios de aparelhos auditivos preocupa médicos que alertam para riscos
Os anúncios de aparelhos auditivos destinados principalmente aos idosos invadem todos os dias a casa dos portugueses, mas os otorrinos alertam que é preciso saber distinguir o trigo do joio e defendem uma maior regulação deste mercado.
Os anúncios de venda destes dispositivos deviam ser "proibidos ou pelo menos acautelados para proteger principalmente os idosos que são "pessoas vulneráveis"
Em declarações à agência Lusa, o vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cabeça e Pescoço, Pedro Escada, defendeu que os anúncios de venda destes dispositivos deviam ser "proibidos ou pelo menos acautelados" para proteger principalmente os idosos que são "pessoas vulneráveis".
"Em determinados canais da televisão, sobretudo durante a manhã, por cada conversa que o entrevistador faz a convidados, no meio há não sei quantos anúncios de próteses auditivas e amplificadores e esses programas são vistos por pessoas de idade", disse o otorrinolaringologista.
O especialista salientou que "a maior parte das pessoas que têm perda de audição" são idosos e que "o aparelho não lhes vai restituir uma audição igual e normal". Na "melhor das hipóteses" causará alguns incómodos relacionados com a doença auditiva", disse, defendendo que tem de haver "mecanismos ativos da sociedade e dos médicos" para defender estas pessoas.
Para Pedro Escada, também devia ser investigado como é que algumas casas de próteses têm acesso a dados pessoais de doentes e de idosos para os abordar e vender aparelhos auditivos. "Isso é ilegal desde que apareceu o regulamento de proteção de dados, mas continuam a fazer isso com a maior das descontrações, de uma maneira escandalosa e que, sobretudo, prejudica os doentes", advertiu.
Portugal é o paraíso para as casas de próteses auditivas. Qualquer pessoa pode ter uma
Por outro lado, também é "muito importante" haver uma maior regulação deste mercado. "O mercado das próteses auditivas é pouco regulado", disse, adiantando que há suspeitas de que muitas destas casas que estão em Portugal tenham sido "corridas de outros países da Europa", onde a legislação era restrita. "Portugal é o paraíso para as casas de próteses auditivas. Qualquer pessoa pode ter uma", lamentou.
Pedro Escada destacou ainda a importância do médico neste processo, que acaba por ser "o maior provedor do doente". Ao contrário do que muitos pensam, o médico não prescreve uma prótese auditiva ao doente, diz-lhe apenas que esta o poderá ajudar e encaminha-o para uma casa em quem confia, onde há um audiologista especializado em adaptação de próteses.
"As casas de próteses dependem em grande parte da referenciação dos médicos, pelo menos, as melhores. Depois há aquelas casas de próteses que andam a pôr papéis nos correios, telefonam às pessoas, que estão nas farmácias de tudo o que é terra de província e onde fazem exames sem uma cabine" e para quem "o médico não interessa nada".
No seu entender, o "problema maior" de comprar estes aparelhos não são as infeções, mas a pessoa não ficar satisfeita: "Uma casa de aparelhos auditivos devia ter como objetivo final" o doente ficar "mais funcional, conseguir comunicar melhor, mas em muitas dessas casas de próteses o objetivo é só vender, independentemente do resultado".