Na altura, a emissão contou com quatro horas de depoimentos de vários políticos para exigir a legalização das novas rádios
Corpo do artigo
Há precisamente 40 anos, a 17 de junho de 1984, a um domingo, a cooperativa da Rádio TSF fazia a sua primeira emissão pirata. Uma emissão de quatro horas com uma mensagem bem clara: defender a legalização das novas rádios.
À TSF, David Borges, fundador da rádio, lembra os riscos que havia naquela altura ao colocar uma emissão radiofónica no ar.
"Estamos a falar de 1984, o panorama da rádio era muito limitado. Havia apenas a RDP, a Rádio Renascença e grandes dificuldades a uma legislação que abrisse espaço hertziano a novas rádios. Não havia de facto grandes ilusões relativamente a isso e tínhamos de forçar, de alguma maneira, que avançasse esse processo. Daí a ideia de realizar uma emissão que foi muito publicitada nos jornais com referência à frequência em que essa emissão poderia ser acompanhada e realizou-se debaixo de muitos receios de que os serviços rádio elétricos interferissem ou conseguissem evitar essa emissão", explicou David Borges.
O antigo diretor da TSF sublinha três nomes que planearam a operação ao detalhe.
"Nós fizemos a gravação de duas bobines, independentes uma da outra, tecnicamente com o apoio de um engenheiro holandês, que trabalhou muito de perto com João Canedo. E é preciso dizer que houve ali um trio muito forte no planeamento desta emissão. João Canedo, que era um importantíssimo técnico e um sonoplasta de primeira qualidade, o Emídio Rangel e o Mário Pereira. Essas duas bobines foram colocadas no ar, uma a partir do terraço de um edifício no Lumiar, outra no alto de um edifício de São João da Caparica para apanhar toda a zona de Cascais, Estoril por ali, com a indicação de que as bobines deveriam ir simultaneamente para o ar às 9h00 da manhã e foram. De imediato os serviços radioelétricos puseram em ação, conseguiram localizar a emissão do Lumiar, mas não conseguiram entrar no prédio porque não havia mandado judicial para isso e foram impedidos de o fazer, mas interferiram muito na emissão, com ruídos muito fortes, tornando quase impercetível a emissão, mas nunca conseguiram localizar a emissão de São João da Caparica e, portanto, a emissão a partir daí foi feita de uma forma absolutamente limpa", recordou um dos fundadores da TSF.
David Borges recorda que a primeira emissão teve um grande impacto mediático.
"Teve grande impacto mediático e foi importante para abrir horizontes relativamente à criação de novas rádios, porque foram quatro horas de emissão escutando-se personalidades de todas as áreas da vida portuguesa, incluindo Presidente e primeiro-ministro, teve um impacto muito forte. Mas para sublinhar a forma como os serviços radioelétricos se empenhavam em bloquear, reduzir ou interferir na mecânica de criação de novas rádios, já com a TSF no ar e legalmente estabelecida foi-nos atribuída uma determinada potência que não dava se calhar até ao fim da rua, nós alargávamos essa potência e imediatamente os serviços radioelétricos caíam em cima dos emissores, forçando a redução da potência. Quando eles saíam dos emissores, nós aumentávamos outra vez a potência. Esse jogo do rato e do gato manteve-se muito tempo até as coisas estabilizarem", afirmou.
Já Cândido Mota lembra o impacto que aquelas quatro horas representaram para a rádio em Portugal. E muito porque não existiam patrões.
"Sabiam que estavam a fazer uma coisa deles. É diferente de estar a trabalhar para uma organização com a qual muitas vezes não estamos de acordo ou temos de fazer um esforço para utilizar deontologia e brio profissional para conseguir trabalhar para determinadas pessoas ou organizações com as quais não nos identificamos totalmente e ali não. Era um grupo de profissionais que estavam a fazer aquilo de que gostavam, queriam fazer e faziam muito bem. Era deles", sublinhou à TSF Cândido Mota.
No ano de 1984, a cooperativa TSF morava na cave do número 32 da rua da Ilha do Pico, em Lisboa.
