Costa distingue Caetano Veloso por "libertar" o fado e ajudar gerações a ouvir "o português em canção"
O chefe do Executivo português defende que o artista brasileiro ajudou Portugal a reconciliar-se com a sua "própria poesia" e com o "fado", permitindo assim que a nação lusa redescobrisse os "próprios heróis e heroínas".
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O Governo português distinguiu esta terça-feira o músico brasileiro Caetano Veloso com uma Medalha de Mérito Cultural. O primeiro-ministro, António Costa, que discursou na cerimónia, agradeceu ao artista por ter "libertado o fado" e por ter ajudado a população a perceber "que a palavra cantada não tinha de ser só em inglês, defendendo que a sua obra é "motivo de orgulho para todos aqueles que falam português".
"O Governo presta-lhe esta pública homenagem em reconhecimento da extraordinária contribuição que tem dado para a criação em língua portuguesa e para a promoção do diálogo cultural entre Portugal e o Brasil, para a divulgação por tudo o mundo do pensamento e da cultura em língua portuguesa", afirma o governante.
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Foi no Palácio de São Bento, em Lisboa, que o chefe do Executivo português afirmou que o canto de Caetano Veloso "foi, é e continuará a ser um poderoso veículo de divulgação da língua portuguesa" enquanto "voz universal".
António Costa revela, ainda, que na Cimeira da CPLP a proposta para um "programa de intercâmbio de estudantes universitários entre todos os Estados da CPLP" surgiu após o Presidente brasileiro, Lula da Silva, ter citado a canção "Língua" de Caetano Veloso.
"Pertence a 'Língua' o verso 'A língua é minha pátria, E eu não tenho pátria, tenho mátria, E quero frátria". Foi em alusão a esse verso de Caetano Veloso, que no passado mês de agosto, propusemos um programa de intercâmbio de estudantes universitários entre todos os Estados da CPLP, e que deverá receber precisamente este nome: Frátria", anunciou.
Defendendo que pela boca do artista brasileiro, "o português nunca foi menos do que uma grande língua do mundo e foi sempre uma nova língua no mundo de todos nós", Costa afirma que o músico esteve "sempre ciente do património e da tradição em que se insere, mostrando que isso não era incompatível com o oposto a uma incessante renovação e invenção".
O chefe do Executivo português agradece ainda a Caetano Veloso por ter ajudado a sua geração "a ouvir o português em canção, a perceber que a palavra cantada não tinha de ser só em inglês".
"Caetano reconciliou-nos com a nossa própria poesia, com o nosso fado e a redescobrir os nossos próprios heróis e as nossas próprias heroínas", considera.
Foi com esta premissa que o governante recordou o encontro de Amália Rodrigues e Caetano Veloso, em 1985, no Coliseu dos Recreios, uma sala que o artista "esgota sempre".
"Na noite da despedida, Caetano Veloso cantou um fado: Estranha Forma de Vida, sem saber que na sala estava presente Amália Rodrigues. Amália subiu ao palco do Coliseu, um palco que não pisava há mais de dez anos, o que gerou uma ovação estrondosa, e os dois estreitaram-se num logo abraço. Essa aclamação que hoje nos pode parecer banal, perante o génio redescoberto de Amália Rodrigues, não o era assim em 1985", explica.
O primeiro-ministro lamenta que o fado tenha caído em "desuso" perante a sua "apropriação" pelo Governo ditatorial de António Salazar.
"Neste gesto, ao libertar o fado, ao libertar Amália, Caetano tinha - e sabia que tinha os seus riscos. Mas a frente da plateia não seria a mesma apegada ao fado e Caetano fez uma sala inteira emocionar-se e render-se a Amália Rodrigues", defende.
Recorrendo às palavras do historiador de fado e musicólogo português Rui Vieira Nery, António Costa destaca que este foi "um momento decisivo que contribuiu para o encontro, renascimento e reabilitação do fado e da própria Amália Rodrigues aos olhos do público português".
"Além de Amália, Caetano tem colaborado incessantemente com artistas portugueses de novas gerações, continuando a cruzar o atlântico, combinando géneros musicais, sotaques e palavras da nossa língua comum, roçando sempre a sua língua na língua de Camões", diz.