"Criação artística." Força Aérea comprou 200 relógios por ajuste direto e gastou 54 mil euros
A encomenda foi feita no verão de 2019 à empresa Torres Joalheiros. Foi pedido um modelo designado Porthole, de edição exclusiva. A Força Aérea alega, como justificação para dispensar o concurso público, que se trata da aquisição de uma obra de arte.
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A Força Aérea portuguesa gastou 54 mil euros na compra de 200 relógios para assinalar os 60 anos da base aérea de Monte Real (Base Aérea 5), em Leiria. A compra foi feita sem concurso público, por ajuste direto. A Força Aérea alega, como justificação para dispensar o concurso público, que a transação se trata da aquisição de uma obra de arte.
O jornal Público avança esta quinta-feira que a Força Aérea assegurou que todo o dinheiro será reposto, já que os relógios serão revendidos aos militares que manifestem interesse, pela quantia de 280 euros/cada, e garantiu ainda haver "registo de que todos os relógios criados para o efeito foram sempre todos vendidos".
A encomenda foi feita no verão de 2019 à empresa Torres Joalheiros. Foi pedido um modelo designado Porthole, de edição exclusiva e com movimento mecânico automático da marca Nautica. Esta peça é descrita pelo Público como um relógio com numeração, bracelete em silicone e envolvido por um estojo especial de comemoração da efeméride.
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Uma disposição do Código dos Contratos Públicos para que o Estado possa comprar peças de arte foi utilizada como justificação para a escolha da Torres Joalheiros. É assim conseguido o ajuste direto, apesar de o recurso a esta exceção já ter sido anteriormente penalizado pelo Tribunal de Contas, mesmo em situações de aquisição de obras de arte.
Situado entre os 20 mil euros e os 75 mil o encargo com estes objetos, cabia à Força Aérea consultar no mínimo três empresas diferentes, a menos que invocasse, como invocou, esta disposição do Código dos Contratos Públicos. O departamento de relações públicas das Forças Armadas, segundo cita a mesma publicação, argumenta que os relógios têm "características artísticas únicas" devido ao seu grau de "personalização".
A Torres Joalheiros estimou que o preço de mercado de cada um dos relógios se situa nos 590 euros, mais do dobro dos 269 euros que cobrou à Força Aérea.
Transparência e Integridade critica decisão da Força Aérea
A Associação Transparência e Integridade considera que a Força Aérea fez uma interpretação criativa da lei. Ouvido pela TSF, o presidente da associação, João Paulo Batalha, assevera que este não é um caso único nas Forças Armadas. "A Transparência e Integridade fez uma avaliação da gestão do setor da Defesa já em 2015 e identificámos muitos problemas que o próprio Tribunal de Contas tem vindo reiteradamente a colocar", aponta João Paulo Batalha, que fala ainda de "relações perigosas" e "promiscuidade com fornecedores" relativas a "opacidade na forma como se fazem os contratos públicos, falta de prestação de contas, abuso de ajustes diretos e incapacidade dos auditores internos e externos que se aplicam no setor da Defesa".
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João Paulo Batalha acredita que esta aquisição em particular não deveria ter sido feita por ajuste direto: "Não podia, porque mesmo tratando-se de facto de uma peça artística, seria obrigado a consultar outras entidades, mas fundamentalmente porque não estamos de facto a falar da compra de uma obra de arte."
"O Código dos Contratos Públicos permite ajustes diretos na compra de obras de arte, exatamente pelo valor artístico e porque interessará ter um autor específico, mas não é disso que estamos a falar aqui. Estamos a falar de adquirir uma determinada marca e modelo de relógio ao qual depois se adiciona uma inscrição comemorativa. Isso qualquer joalheiro pode fazer."
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Para João Paulo Batalha, "a justificação de mérito artístico simplesmente não tem acolhimento".
* Atualizado às 09h55