Criados à mão e com fantoches. ICNF liberta 17 aves da espécie ameaçada tartaranhão-caçador
Esta é uma espécie que vive em África, mas que gosta de reproduzir-se nas searas do Alentejo. O tartaranhão-caçador está a desaparecer da Península Ibérica.
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O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) anunciou na sexta-feira a libertação, no Alentejo, de 17 aves juvenis da espécie ameaçada tartaranhão-caçador que nasceram em cativeiro, depois de recolhidos os ovos para a sua proteção.
Por serem aves de rapina em extinção, foram alimentados à mão, com recurso a fantoches de aves e ao som da gravação de aves reais. O tartaranhão-caçador é uma espécie de ave de rapina que vive em África, mas que gosta de reproduzir-se nas searas do Alentejo. Estão a desaparecer da Península Ibérica.
Em declarações à TSF, o biólogo do ICNF Carlos Carrapato conta que houve uma mudança nos cereais que se cultivam hoje no Alentejo e, por causa disso, as ceifeiras acabam, por vezes, por destruir os ninhos.
"Os cortes das searas eram feitos quando as espigas douravam nos finais de junho e agora muitas das vezes os cortes são feitos em abril, quando as aves estão a iniciar as posturas. Os agricultores, como a cultura está muito alta, não conseguem ver, portanto, não é propositado, acontecem acidentes, muitas das vezes o que acontece é que a ceifeira passa por cima dos ovos. Estas aves fazem ninhos no solo e a ceifeira, ao passar, deixa o ninho a descoberto. Deixam de ter sombra e é um ponto de atração para predadores generalistas que acabam por destruir os ovos ou comer as crias, então os agricultores telefonam-nos e nós acudimos", explica.
Segundo o biólogo, o ICNF está a fazer "pequenos milagres" ao tentar salvar estas aves.
"Nós vamos buscar estes ovos e depois são incubados em cativeiro. Depois é todo um processo de criar estas aves à mão com fantoches para que eles nunca se habituem ao ser humano e possam ser devolvidos à natureza. Gravámos os sons dos adultos para que as crias ouvissem logo de início o som dos adultos, são alimentados com um pequeno fantoche para que percebam que a comida vem de algo parecido àquilo que vai ser um indivíduo adulto. No final de 30/40 dias são devolvidos a uma gaiola. É uma solta progressiva, até estarem com a plumagem totalmente desenvolvida", escreve.
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No ano passado, o ICNF "soltou 25" aves e este ano "mais 17". "Estamos a salvar estes animais que, de outra forma, estariam mortos, porque a ceifeira - não propositadamente - passou-lhe por cima e destruiu-lhe o ninho, seriam abandonados. Portanto, são verdadeiros milagres estes animais que nós estamos a tentar devolver à natureza agora", sublinha Carlos Carrapato.
Em comunicado, o ICNF manifesta a expectativa de que a ação desenvolvida, em parceria com a Liga para a Proteção da Natureza, contribua para a manutenção da espécie no Alentejo, região onde esta ave de rapina migratória costuma nidificar.
Das 21 crias nascidas este ano em cativeiro, ao abrigo de um programa de salvamento de ovos e crias direcionado para o tartaranhão-caçador, sobreviveram e foram libertados 17 juvenis.
As aves foram anilhadas para efeitos de identificação e têm emissores que permitem seguir a sua rota migratória até África, onde invernam, esperando o ICNF que possam ser vistas dentro de três anos nas planícies alentejanas, "garantido a presença da espécie no território de origem".
O ICNF salienta que este ano foi disponibilizado pela primeira vez um apoio específico, no âmbito do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum, "para proteção da espécie nas searas de cereais praganosos e noutras culturas para a produção de forragem".
A ajuda financeira aos agricultores, que implica não cortar nem pastorear uma área de um hectare de seara em torno de cada ninho referenciado, cuja colheita se realize antes de 30 de julho, permitiu salvaguardar no campo 33 ninhos de tartaranhão-caçador.
Em Portugal, esta espécie de ave caçadora, que pode ser observada nos meses quentes, está em "declínio acentuado" devido à "afetação direta do habitat e do aumento de impactos negativos sobre os locais de nidificação" em resultado da alteração das culturas e das práticas agrícolas e pecuárias nos últimos 10 anos.