É o caso de uma encomenda postal de especiarias, com o endereço do destinatário, que foi fotografada por serviços camarários, no chão, ao lado do respetivo contentor amarelo: a acusação de crime ambiental chegou a julgamento no Tribunal de Cascais e a sentença é lida dia 19 de janeiro.
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Aconteceu na freguesia da Parede, no concelho de Cascais, corria o ano de 2020. Alega a arguida, Teresa Ferreira, que em vez de deitar "a caixinha" de papelão no contentor do lixo indiferenciado, "que ficava mesmo à frente de casa", optou "como sempre, por andar mais uns 500 metros para separar o lixo" e jura que deixou a dita "caixinha" no contentor amarelo.
Mas a "caixinha" estava já no chão quando foi fotografada por uma agente da Polícia Municipal de Cascais, com orientações para agir assim da empresa municipal responsável pelos resíduos, a Cascais Ambiente.
Entre uma coisa e outra, as versões divergem um pouco. Mas acabou tudo numa sala de audiências do Tribunal de Cascais, na manhã de nevoeiro do dia 10 de janeiro de 2024. Já lá iremos...
Em resposta escrita à TSF, a câmara municipal de Cascais salienta que, em plena pandemia, "aumentaram exponencialmente as compras online e entregas ao domicílio e a autarquia teve de reforçar medidas que permitissem salvaguardar a salubridade do espaço público". Vai daí, a tal "caixinha" seguiu os trâmites legais.
A multa "poderia chegar aos 2000 euros", mas a autarquia afirma que "o processo de contraordenação culminou em não aplicação de coima e apenas na aplicação da medida de admoestação, acrescida de custas no valor de €102".
Indignada com a situação, a arguida Teresa Ferreira admite que começou por recusar-se a pagar por achar que não tinha feito aquilo de que era acusada, "mas acabou por fazê-lo quando foi intimada a responder na justiça."
O município, presidido por Carlos Carreiras, responde que não houve pagamento das custas e a munícipe apresentou impugnação judicial, pelo que o caso acabou mesmo em tribunal.
Teresa Ferreira pediu uma advogada oficiosa. É Suzete Marques. "Até me sinto mal, isto é uma bagatela jurídica, nunca tive um caso assim" - entra desta forma na história - "quando o pagamento foi feito o processo já tinha avançado. Isto é uma máquina que é impossível parar."
O que se seguiu foi um julgamento como manda a lei: uma juíza, um procurador do Ministério Público, um oficial de justiça, uma arguída, uma advogada de defesa e até uma testemunha que veio de longe.
Cristina Fonseca vive no Algarve, mas dividia casa com Teresa Ferreira "na altura dos factos".
"Vim de Aljezur, fui aconselhada a pedir ao tribunal o pagamento de alguns custos da deslocação, como o combustível e as portagens", conta.
A testemunha foi convocada pela acusação, mas os funcionários da câmara municipal de Cascais não compareceram. De resto, o julgamento até atrasou devido à espera, mas ninguém atendeu sequer o telefone, apesar de várias chamadas feitas na sala de audiência pelo funcionário judicial.
Por agora, o caso fica á espera de sentença. O procurador do Ministério Público pediu absolvição da arguida, tal como reivindicou a defesa, mas Teresa Ferreira tem de voltar dia 19 ao Tribunal de Cascais para saber se termina aqui, ou não, o estranho caso da "caixinha de papelão".
"É como ter um cirurgião a tratar uma unha"
Ouvida pela TSF, a diretora-executiva do Observatório Permanente da Justiça admite "que não é único. De vez em quando, estes pequenos casos ganham visibilidade mediática".
Defende que há mecanismos alternativos, mas que também vale a pena "olhar para isto" e fazer alterações legislativas.
Conceição Gomes considera que se trata de "um desperdício de recursos". Quem comparece numa sala de audiências, "um juiz, um procurador, um advogado, são pessoas muito especializadas. Demora muitos anos a formar um advogado. Não podemos ter este tipo de recursos a tratar de um caso destes".
E vai à medicina buscar algo equiparado: "Ninguém compreenderia que um cirurgião ortopédico fosse chamado a tratar uma unha."
O próximo capítulo está quase aí.