Crise política cria incertezas "que era bom não ter", mas "infelizmente também damos alguns tiros nos pés"
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António Miguel Ferreira licenciou-se em 1996 em Engenharia Informática no Instituto Nacional de Ciências Aplicadas de Lyon, considerada a escola francesa de referência no domínio das engenharias.
É autor de vários livros sobre temas relacionados com a internet e a cloud em Portugal, no Brasil e nos Estados Unidos. Também fundador de vários projetos, incluindo a Esotérica, em 1994, o primeiro operador privado de internet em Portugal, entre outros, e também com experiência associativa como membro do Conselho Fiscal da APRITEL, a Associação de Operadores de Telecomunicações, entre outras organizações.
Atualmente, é CEO da Claranet Portugal e desempenha funções como managing director da Península Ibérica e América Latina. É ainda membro da comissão executiva deste grupo fornecedor de serviços de cloud, security, data e AI. Seja bem-vindo à Vida do Dinheiro.
Quando olha para a maturidade digital das empresas portuguesas, a que conclusões chega?
A realidade também não é muito distinta de outros países e essa conclusão depende também da dimensão das empresas. Diria que houve um certo improviso na altura da pandemia, no sentido de temos de ser todos digitais, o mais digital possível, senão deixamos de funcionar. Quase todas as empresas tiveram estes desafios.
Foi também um acelerador, não é?
Foi um acelerador e sem dúvida que foi bom para o setor das tecnologias de informação, porque as empresas tiveram de adotar mais ferramentas ou mais rapidamente do que estavam a adotar. Agora é tempo, e até porque a economia estará num momento de menor crescimento, já depois da recuperação da economia, é tempo de pensar de uma forma um bocadinho mais estratégica essa digitalização. E diria que isto vai dar várias velocidades e depende muito também das empresas e da competitividade do setor. Estamos num país que é composto maioritariamente por PME. As PME ainda têm um caminho muito grande para fazer do ponto de vista da digitalização, exceto aquelas que têm o seu negócio já muito internacional.
Como é que o investimento das PME na transformação digital tem sido suficiente ou não para acompanhar as crescentes necessidades do mercado? Qual é a sua opinião?
Acho que em Portugal, em geral, estamos a conseguir certamente vender mais para fora, exportar mais, mas ainda com pouca preponderância no que diz respeito ao digital. Portanto, serviços baseados no digital. Ainda não conseguimos encontrar o nosso filão. Temos alguns exemplos de algumas empresas que são conhecidas, alguns unicórnios, outros potenciais unicórnios, sobretudo na área de tecnologia, mas as outras grandes empresas exportadoras não são empresas que têm o digital no seu core. E, portanto, acho que ainda temos um caminho a fazer, porque numa economia global, mas numa velocidade menor face às crescentes pressões para nacionalizar o lucro, localizar as produções a nível internacional, o que é certo é que é uma economia global. E a única forma das empresas portuguesas se afirmarem numa economia global é serem digitais.
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Acha que o PRR, nesse sentido, pode dar resposta às necessidades das empresas? Ou veio dar essa resposta?
Acho que o PRR pode ajudar. O PRR também é sabido que é, em grande parte, destinado ao setor público. O setor privado também, mas o setor público vai ter uma grande parte, já não me lembro dos números exatamente, uma grande parte desse investimento. E depois o próprio setor público impulsiona o setor privado por via das consultas que faz. Acho que o PRR pode ajudar e é imprescindível termos este tipo de financiamento exterior, porque a nossa capacidade de endividamento é relativamente limitada, das empresas e do Estado. O que é importante é não transformarmos essas verbas em formas de pagarmos aquilo que já são as nossas despesas correntes, que é um dos problemas do setor público. E o setor privado também tem essa tentação. Portanto, já fazíamos um conjunto de coisas e vamos usar aqui novos programas de investimento para pagar as mesmas coisas que já fazíamos. E não é para isto que o PRR se destina, é para fazer coisas novas.
Mas há inovação, temos inovação, temos falta de investidores, é isso?
Sim, é sempre uma pescadinha de rabo na boca. Há poucos investidores, porque se estamos a falar apenas do mercado nacional, é um mercado limitado. Há muitos mercados muito mais interessantes que o português. Portanto, as empresas portuguesas têm de saber posicionar-se para fora. E, aí sim, há investidores. E, portanto, temos de ser mais ambiciosos. Até fez uma referência aí ao meu percurso académico, mas quando fui estudar para fora não tinha qualquer relação com nenhum país estrangeiro e decidi tirar o meu curso superior em França, neste caso. E isso deu-me uma perspetiva de ver de fora para dentro aquilo que é Portugal. E, de facto, somos muito pequenos. Há 500 anos sabíamos como nos tornar grandes e acho que ainda temos de fazer um caminho nesse sentido.
Na última década, a Claranet adquiriu sete empresas. Vão voltar às compras no próximo ano? Quais são os projetos que têm?
Não temos planos para fazer novas aquisições no próximo ano. Gostaria muito de dar novas notícias ou novidades, mas não vou dá-las nesse sentido. Porque, de facto, comprámos sete empresas em Portugal e os últimos dois anos passámo-los, sobretudo, a tornarmo-nos mais eficientes e mais alinhados. Portanto, isto de comprar empresas no papel é fácil, mas depois na prática tem de se alinhar cultura, sistemas, processos, clientes, portfólios, etc. E ainda estamos nessa fase. Já demos muitos passos nesse sentido, mas sentimos que poderemos crescer mais se continuarmos a fazer este trabalho de casa. E, portanto, a nossa prioridade é sermos uma empresa mais eficiente agora e não acrescentar àquilo que já temos, que já é muita coisa.
E nesse processo de aquisição houve planos de reestruturação? Despediram-se pessoas?
Não. Se virem todo o nosso histórico de aquisições, não foi construído à base de integração, reduzindo custos e despedindo pessoas. Nunca fizemos isso. Também estamos num setor de tecnologias de informação que quer pessoas. E, às vezes, temos é poucas pessoas. Portanto, a nossa eficiência não se obteve dessa forma. Obteve-se, obviamente, racionalizando processos e sistemas, mas não pessoas. E obteve-se também cruzando portfólios. E vendendo esses portfólios alargados a uma base maior de clientes que tinha sido adquirida ou que já existia na Claranet. Foi assim que fizemos esse processo.
Na verdade, também se assistiu nas grandes tecnológicos a despedimentos depois da pandemia. Ou seja, houve grandes contratações naquela altura para fazer face à necessidade crescente da digitalização das empresas e depois houve despedimento.
Certo. Mas isso não aconteceu no nosso caso, nem a excessiva contratação, nem os despedimentos em sequência.
Como está a vossa integração no mercado nacional?
Se olharmos o mercado nacional de tecnologias de informação, de uma forma geral, temos cerca de 7% de quota de mercado, o que é bastante relevante. Somos dos principais fornecedores em volume de negócios no mercado nacional e, dependendo da área, podemos dizer que somos número um ou número três, enfim, não interessa. Somos dos principais e isso é que é relevante. E, portanto, no mercado nacional ainda temos espaço para crescer, porque 7%, não é assim tanto. Os nossos concorrentes também não têm mais, mas podemos ter 8%, 9%, 10%, portanto, ainda podemos crescer aí. Diria que se há dez anos tínhamos uma conotação como sendo uma empresa na área de cloud, mas relativamente desconhecida da maior parte das empresas, atualmente isso já não é verdade. Somos conhecidos da maior parte das empresas, sobretudo das grandes empresas, que obrigatoriamente nos consultam, não só na área de cloud, mas em todas as outras áreas em que atuamos.
O Brasil, por exemplo, é um mercado que tem um potencial de crescimento muito grande e se no nosso país é difícil fazer isso, no Brasil, por outro lado, temos um potencial de crescimento muito grande. Ainda consideram a entrada em bolsa no Brasil no próximo ano?
O Brasil tem um potencial grande de crescimento e foi no grupo o país que mais cresceu nos últimos dois anos. Portanto, está a começar a demonstrar esse potencial. Também temos crescido bastante em Espanha, mas no Brasil foi maior esse crescimento. Em 2021 tivemos um plano para fazer um IPO da empresa na bolsa brasileira, portanto, apenas da Claranet Brasil, mas colocámos de lado esse plano. É uma hipótese para o futuro. Neste momento, o que é que consideramos? Consideramos que o mercado ainda não está disponível para receber novos IPO, sobretudo de empresas tecnológicas. Houve uma grande ressaca depois dos anos 2020 e 2021 e algumas empresas tecnológicas que fizeram IPO atualmente não têm liquidez e, portanto, são empresas que estão quase, diria, fantasmas, continuam a operar, mas os investidores não podem vender e comprar as suas posições e, portanto, têm pouca dinâmica. Ora, o mercado, depois dessa ressaca, está lentamente a começar a abrir, mas ainda não há IPO de empresas tecnológicas. Portanto, estamos à espera de um momento para que isso possa acontecer. A nossa visão neste momento é que provavelmente será 2025, talvez, no final de 2024. Até lá, temos de fazer um trabalho de casa e o trabalho de casa é, lá está, para sermos uma empresa com alguma relevância no mercado, temos de ser duas a três vezes maiores do que éramos em 2021, quando considerámos isto pela primeira vez. E, portanto, estamos a fazer esse trabalho de casa de continuar esse crescimento orgânico, também de comprar novas empresas e, portanto, chegando a 2025, possivelmente iniciaremos novamente esse percurso, se o mercado assim o permitir, mas não dependemos disso. Isto também liga um pouco com aquelas contratações e despedimentos de que falava em outras empresas. Já lá vai o tempo em que o dinheiro não custava nada. Custava zero por cento, era barato, era fácil de arranjar financiamento para projetos que apresentassem algum potencial de rentabilidade. Atualmente o mercado valoriza muito mais empresas sustentáveis, que gerem resultados, que gerem caixa e, portanto, é isso que já temos hoje, já geramos resultados e já geramos caixa e esse é um dos nossos objetivos. O objetivo não é captar o mercado de capitais e grandes quantias de dinheiro. Só é para potenciar esse crescimento, mas não é porque precisamos dele para levar à frente os nossos planos.
Numa empresa com a dimensão como a vossa e com planos de expansão para o estrangeiro, como vocês têm, ainda compensa ou já pensaram em mudar a sede de Portugal para outro país, para outra geografia?
Se olharmos o grupo e para ser verdadeiro, a sede do grupo está em Inglaterra. Depois, temos operações em nove países, um dos quais é Portugal e o território nacional é uma das principais operações, aliás, em volume de negócios é a maior operação do grupo, mas não é onde está a sede do grupo. A sede do grupo está em Londres.
Porque é mais vantajoso, é isso?
Não, porque o nosso capital vem, sobretudo, vem do fundador da empresa, que tem nacionalidade inglesa e que está em Londres, mora em Londres, e vem também de dois fundos: um fundo suíço e um fundo francês, que apesar de serem minoritários também aportaram capital para este projeto. Portanto, foi em Londres que encontrámos a capacidade de financiamento para fazer aquilo que estamos a fazer hoje e, felizmente, Portugal foi um dos que melhor soube aproveitar esta oportunidade, porque hoje é o maior do grupo em termos de volume de negócios.
Mas há pouco disse que o Brasil tinha sido o que cresceu mais. O que é que isso significa em termos de peso global?
Para lhe dar números em volume de negócios, Portugal tem cerca de 200 milhões de euros de volume de negócios, o Brasil tem cerca de 50 milhões de euros de volume de negócios, mas partiu de 20 milhões há dois anos atrás. Portanto, tem crescido bastante, dois anos e meio atrás, sensivelmente. Está num ritmo de crescimento acelerado, ainda não atingiu a dimensão que Portugal tem, mas faltará mais dois ou três anos para o conseguir. Do ponto de vista da rentabilidade, já se equipara a Portugal.
Tendo em conta tudo o que já disse, mesmo em relação à sede da empresa, qual é, digamos a radiografia que pode fazer da Claranet no mundo nesta altura? Ainda têm mais de 2500 colaboradores, 24 escritórios, 45 data centers, dois em Portugal?
Confesso que nos escritórios já perdi a conta e o número de data centers também e acaba por não ser assim tão importante, mas sim, mais de 3000 colaboradores. São nove países, oito na Europa, mais o Brasil e, portanto, não nos temos expandido geograficamente muito para outros países, portanto, a última expansão foi para o Brasil em 2016. E não há novos mercados em estudo, porque queremos crescer nos mercados onde já estamos. Somos uma multinacional, sim, mas muito europeia e um pouquinho brasileira, que foi uma ideia que surgiu em Portugal, e pela qual sou responsável, mas ainda bem que o fizemos porque é um dos motores de crescimento neste momento no grupo também.
Tendo a Europa aqui este cenário, não de recessão porque parece que aliviou, mas um travão, há aqui algum ajustar de agulha no plano que definiram?
É verdade que já não vemos as empresas tomarem decisões de investimentos tão rapidamente quanto tomavam no passado. A pandemia obrigou muita coisa a acontecer, mas a recuperação da pandemia também foi um período de crescimento económico. Neste momento, estamos a viver um período de maior abrandamento, não é decréscimo, e ainda bem, mas maior abrandamento, maior prudência. Aqueles projetos de que se falava se calhar só se fazem no próximo ano ou daqui a seis meses, ou vamos esperar o orçamento do próximo ano, vamos ver o que é que dá a crise política. Portanto, estamos num contexto de menor crescimento, mas apesar de tudo, quando olhamos, por exemplo, para França ou para a Alemanha, ainda estão em menor crescimento do que nós e até já com alguns trimestres de recessão. E depois temos a Inglaterra, que não só por isso, mas também por isso, pelo Brexit, também está num contexto de não muito crescimento económico. Portanto, Portugal no meio disto tudo, não vou chamar um oásis, porque não é, mas abrandou menos que os outros. Isso é positivo. Mas podemos estar a criar as condições para abrandar novamente mais do que os outros e esperemos que isso não aconteça.
Como é que está a crise política no meio disto tudo?
Nunca estive, nem nunca estarei envolvido nessas questões, obviamente. Como observador, o que é que posso dizer? Não nos dá jeito nenhum ter uma crise política neste momento. Apesar de tudo, o facto de haver um orçamento, previsivelmente, para o próximo ano é menos mal e, portanto, sem discutir se o orçamento é bom ou se é mau, haver um orçamento é melhor do que não haver. Isso retira-nos um pouco de preocupação. Agora, estamos a criar incertezas que era bom não termos no nosso horizonte. Infelizmente, também damos alguns tiros nos pés de vez em quando.
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No último ano fiscal, que terminou a 30 de julho, a empresa faturou quase 220 milhões de euros em Portugal, certo?
Foram quase 220, sim, se não me engano terão sido 218 milhões de euros.
Conta investir mais cerca de quatro milhões com um foco maior no mix correto de serviços. O que é que isso significa e porque é que vão investir estes quatro milhões e não investem mais?
No ano passado, o tal ano que terminou em 30 de julho de 2023, investimos cerca de dez milhões. A nova sede teve um papel muito importante nesse investimento. Este ano voltamos a um ritmo mais normal de investimento, que se traduz, sobretudo, em duas grandes áreas. Primeiro, o crescimento em número de colaboradores, que é menor do que o crescimento que tivemos em anos anteriores e, por outro lado, o crescimento nas infraestruturas, onde também temos de investir, nomeadamente no nosso data center, da nossa rede, etc., sobre a qual depois suportamos os nossos serviços. Claro que há todo um outro conjunto de investimentos que fazemos ao nível da nossa comunicação, marketing, formação, certificações, etc., mas estas são as duas principais grandes áreas de investimento.
Mas disse recentemente que não tem por política distribuir dividendos. Significa que reinvestem todo o valor gerado? Quanto é, em média, por ano?
Tivemos um EBITDA, não é o valor gerado, mas é próximo do valor gerado no ano passado de cerca de 14 milhões de euros e prevemos crescer um pouco este ano para cerca de 15 milhões de euros, números redondos. Obviamente que depois deste número temos de deduzir as amortizações e as depreciações de todos os investimentos que já foram feitos, os impostos e por aí fora. Temos alguns custos financeiros associados, por exemplo, a dívida que tomámos para ter feito aquisições de empresas no passado. Mas os dez milhões que referi que investimos no ano passado foram gerados em Portugal e, em vez de serem distribuídos ao acionista, foram investidos na nova sede e em novas infraestruturas. Este ano vamos gerar também dinheiro, alguns milhões, que reinvestimos totalmente em fortalecer o nosso balanço, em fortalecer as nossas infraestruturas, em contratar mais colaboradores.
Quando fala nesse reforço de equipa, quantos são nesta altura e quantas pessoas pretendem recrutar no próximo ano?
No ano passado recrutámos 176 pessoas, se não estou em erro. Este ano, prevemos recrutar menos, diria que cerca de 100 pessoas. Alguns destes recrutamentos também são para fazer face a saídas de pessoas que vão procurar outros projetos e, portanto, em termos líquidos, vamos crescer menos este ano do que crescemos no ano passado. Portanto, vamos crescer em algumas dezenas de pessoas e, no ano passado, crescemos cerca de 100 em termos líquidos. Para que áreas? Sobretudo em áreas tecnológicas, portanto, perfis técnicos. E depende muito dos novos contratos que vamos ganhando junto dos nossos clientes. Podem ser pessoas de DevOps, um termo que está muito na moda, de cibersegurança, de engenharia de sistemas, administração de sistemas, pessoas de redes, é um pouco disto tudo.
É fácil reter talento?
Não é fácil. O nosso turnover ou, se quisermos, as saídas voluntárias de pessoas da Claranet, rondou os 20% no ano passado, face a um mercado que tem médias de 25% a 30%. Se olharmos para o mercado brasileiro estamos a falar de 40%, a média do mercado, mas este ano prevemos que esta taxa seja de 15%. Ou seja, 15 em 100 pessoas saem da Claranet porque encontram outras oportunidades que lhes dizem mais. Este é um número bom, face àquilo que é a média do mercado, mas apesar de tudo são 15 pessoas que temos de substituir e que preferíamos não ter de substituir.
Por onde é que passa essa vossa estratégia para conseguirem reter estes talentos?
Por um lado, temos um plano de formação muito ativo para dotar as pessoas que já temos de capacidades ou de experiências que não tinham tido antes. Por outro lado, temos o investimento que foi feito na sede, de um escritório muito grande, muito colaborativo, onde as pessoas, e esse é o feedback que temos recebido e foi para isso que ele foi desenhado, vão porque se sentem mais produtivas a trabalhar naquele escritório do que se estivessem a trabalhar em casa. Por outro lado, o facto de que estamos a crescer e, portanto, temos sempre este, diria, quase que medo de não crescer, porque o crescimento abre novas oportunidades e as pessoas gostam de estar em sítios onde vão ter novos projetos, vão ter novos clientes, vão ter novas coisas para fazer, podem mudar de função e é isso que, no fundo, fazemos para reter estes talentos.
E a propósito das novas instalações, a Claranet estava instalada mesmo em frente à Estação do Oriente e também em Carnaxide. O que é que levou a empresa a fazer esta troca do Parque das Nações pelo Hub Criativo do Beato?
Na sequência das várias aquisições que fizemos, parámos ali em 2019 ou 2020, com dois grandes escritórios, o do Oriente, no Parque das Nações e o de Carnaxide, além do que tínhamos no Porto. E uma das coisas que notámos é que, apesar de toda a dinâmica de comunicação que havia entre as várias equipas, o facto de estarmos dispersos não ajudava a criar uma cultura de empresa mais coesa, não ajudava na comunicação. Por outro lado, os escritórios que tínhamos, que eram escritórios mais históricos, também não representavam aquilo que era a nova Claranet. Ora, procurámos vários locais para ter um mundo, um novo escritório unificado, esse foi o gatilho para procurar um novo escritório. Depois, por outro lado, deparámo-nos também com um novo ecossistema de inovação que se queria criar na cidade de Lisboa, e já veio com o executivo anterior da Câmara, e que foi tomado e até acelerado com o novo executivo da Câmara. Ao encontrar aquilo que é o projeto do Hub Criativo do Beato achámos que era uma espécie de dois em um. Portanto, a Claranet é uma empresa na área de tecnologia e que podia estar no ecossistema de inovação da cidade. E, portanto, foi esse o projeto que agarrámos em plena pandemia.
E o escritório é no armazém das Grilas, corresponde a um conceito de trabalho de que já falou, híbrido, sustentável. Como é que isto se faz? Quer explicar este modelo, como é que estão a existir na sustentabilidade, digamos?
Portanto, o espaço físico é da Câmara Municipal de Lisboa, todo o Hub Criativo do Beato é da Câmara Municipal de Lisboa, com quem fizemos um contrato e vamos estar neste espaço durante muitos e muitos anos.
Mas todas as obras são suportadas por você?
As obras e o investimento foi todo feito por nós. Obviamente que isto respeita um racional económico, mas também, além do económico, foi a tal questão que disse de estarmos próximos do centro da cidade, no ecossistema de inovação que se está a criar na cidade. O Hub Criativo do Beato ainda vai ter mais três ou quatro anos de obras para tudo estar pronto, mas achámos que já tínhamos passado a fase de risco e estávamos na fase de achar que isto é uma área que se vai consolidar. E, portanto, daqui a três anos toda a gente vai desejar estar lá, mas infelizmente já não haverá novos espaços para estar. Um pouco como nós, quando tomámos a decisão de ir para o Parque das Nações em 2005. O Parque das Nações não existia em 2005, não existia com esta configuração. Mas, portanto, porquê sustentável, porquê colaborativo? O colaborativo tem a ver com os vários formatos de postos de trabalho, de salas de reuniões que as pessoas têm, que podem usar em função daquilo que vão fazer naquele dia, e, portanto, não há lugares fixos de trabalho. Sustentável porquê? Porque a própria arquitetura do edifício assim o permite, ele isola do exterior, portanto, quando está calor fora não está muito quente dentro, quando está frio fora não está muito frio dentro, usamos menos ar condicionado, criámos soluções para ter a iluminação natural dentro com jardins interiores com luz por cima e, portanto, usamos pouca iluminação artificial. Toda a alcatifa é feita com redes de pesca, as redes são recicladas, o revestimento é feito com cortiça, temos plantas todas naturais, não temos nada artificial. Ou seja, criámos todo um conceito, temos painéis solares, todo um conceito para usarmos menos energia e ao mesmo tempo darmos conforto às pessoas.
Como é que olha para o futuro a partir do Hub Criativo? Já disse que é uma oportunidade estar lá neste momento, porque a curto prazo não haverá essa oportunidade. Mas Lisboa acaba de ser eleita a capital europeia da inovação e um dos fatores decisivos foi a Unicorn Factory, vossos vizinhos.
Como é que avalia o ecossistema da inovação, do empreendedorismo, das startups, não só em Lisboa, mas do país?
Sim, claro, falamos do país e o Hub Criativo de Beato acaba por ser simbólico no meio de tudo aquilo que se está a fazer no país. Mas é importante também ter estes símbolos. E acho que nesse aspeto o presidente da Câmara Municipal de Lisboa tem puxado, e muito bem, pelo projeto do Hub Criativo de Beato, não porque só exista aquilo, é claro que existem muitas outras coisas na cidade e no país, mas isso ajuda a centrar as atenções na cidade de Lisboa. Portanto, acho que está a ser feito um esforço, sobretudo de comunicação e de alinhamento de várias entidades do setor público e do setor privado, no sentido de criar uma dinâmica positiva. Gosto de pensar que também contribuímos um pouquinho, à nossa escala, para que Lisboa ganhasse este prémio, porque também gostamos de ter como vizinhos a Fábrica de Unicórnios, que por sua vez se calhar também gosta de ter empresas de tecnologia um pouco mais maduras do seu lado e a Startup Lisboa também se alimenta deste ecossistema e por aí fora.
E vocês, Claranet, têm trabalhado com a Unicorn Factory em parcerias?
Sim, somos um dos parceiros desde o dia zero deste projeto, ainda antes de ele ser comunicado tornámo-nos parceiros. O que é que isto significa? Significa que estamos próximos de vários momentos em que estas empresas estão a conhecer o mundo e nós próprios, atualmente, não temos nenhum projeto em concreto que estejamos a desenvolver com nenhum dos futuros unicórnios, mas poderemos vir a ter. Portanto, é esta proximidade. Ou eles usarem a nossa expertise em algumas áreas ou nós usarmos a expertise desses unicórnios ou, eventualmente, um dia virmos a investir num deles, quem sabe. Portanto, é este ecossistema rico e o facto de estarmos próximos que há de dar frutos no futuro, a nós e a muitas outras empresas.
E há um papel importante que as startups têm naquilo que é também o desenvolvimento e a inovação das grandes empresas?
Sim, sem dúvida. Por exemplo, ainda no outro dia conheci uma startup na área de cibersegurança que está a prestar um determinado serviço, que já se prestava noutras empresas mais maduras, mas com uma abordagem um pouco diferente. Isto é boa concorrência. Portanto, é uma boa concorrência. Esta startup vai obrigar as outras empresas a fazerem um pouquinho melhor, porque senão vão ser ultrapassadas pela direita.
E às vezes leva às tais aquisições que vocês vão fazendo estrategicamente.
Exato. Às vezes nós, outras vezes outros. Temos feito mais, talvez, do que os outros, mas no mínimo mesmo que não existam essas aquisições, temos de evoluir, temos que também inovar, porque senão seremos ultrapassados por aquilo que se vai fazendo.
Acolhem ainda o projeto Claranet University, para formação de especialistas, penso, em Cloud Security Data com a Associação Claranet. Que ponto de situação faz do projeto? Quantos alunos, quantas instituições do ensino superior?
O projeto Claranet University tem várias vertentes. Por um lado, toda uma vertente de formação de colaboradores em tecnologias digitais, de colaboradores de empresas, de nossos clientes, e estamos a falar de mais de mil colaboradores que foram abrangidos no último ano por formações nossas, certificações nesta tecnologia, naquela tecnologia, etc. Depois, tem uma outra vertente, que já é muito importante. Aí é feita em parceria com universidades, por exemplo, o Instituto Politécnico de Viseu, o ISCTE e outras, onde contribuímos para programas de pós-graduação ou de reskilling de alunos ou de pessoas que não estão no universo da Claranet e que querem ganhar novas competências para depois entrarem no mercado de trabalho. E, portanto, apoiamos essas pós-graduações, inclusive em algumas delas contribuímos também com ensino e depois absorvemos uma parte dos alunos que daí saem, que vêm para estágios na empresa. No final desses estágios, alguns ficam, outros vão para o mercado de trabalho, mas pelo menos ajudamos a aumentar a oferta de profissões ou de pessoas tecnológicas no mercado nacional, que é uma coisa de que precisamos todos muito.
O aumento do custo de vida em Portugal, nomeadamente em Lisboa com o preço das casas inflacionadas, ainda é atrativo para empresas como a vossa nesta retenção de talento?
É verdade que assistimos, e potenciado pela pandemia, a uma dispersão maior dos nossos colaboradores, que começaram a sair mais da cidade de Lisboa. Ora, isto não beneficia depois o trabalho no escritório, porque as pessoas estando mais longe, potencialmente não vêm tanto ao escritório o que prejudica a cultura da empresa e a comunicação, porque por muitos meios remotos que existam não é a mesma coisa. As conversas informais não existem. Portanto, não é a mesma coisa. Temos este dilema. É verdade que o aumento do preço das casas em Lisboa, não foi só a questão da pandemia, mas sobretudo o aumento do preço das casas em Lisboa não tem ajudado neste panorama e não é útil, preferimos que o preço das casas fosse menor para as pessoas estarem mais próximas. Mas, por outro lado, se pensarmos, outro dia tínhamos um colaborador que veio do Brasil para Portugal e que, trabalhando em Lisboa se estabeleceu no Estoril. E nós dizíamos que nas horas de ponta, devia demorar cerca de uma hora a chegar ao escritório, o que para ele não era um problema, porque nos disse que quando estava em São Paulo demorava duas horas todos os dias. Portanto, isto acaba também por ser relativo.
Mas para si, que é um pioneiro da internet em Portugal, não é fã do trabalho remoto?
Sou fã do trabalho remoto com equilíbrio. Ou seja, nem partilho da opinião de Elon Musk que diz que podem fazer trabalho remoto desde que façam 40 horas no escritório, nem da ideia de que não é preciso ter um escritório porque podemos fazer todos remoto. Portanto, a virtude está algures ali no meio. Não acho que seja possível construir uma cultura de empresa, ser eficiente e produtivo a longo prazo, fazendo, por exemplo, uma média de um dia por semana em trabalho presencial. Não acredito. Acredito que será algures entre dois, três, quatro dias. Depende um pouco das funções, porque isto também não é a mesma verdade para todas as funções. Agora, de uma coisa tenho a certeza: os meios de trabalho remoto não substituem integralmente aquilo que se consegue no trabalho presencial do ponto de vista de comunicação, do trabalho em grupo, às vezes até em determinadas situações de produtividade e, sobretudo, de cultura da empresa. Portanto, há aqui um equilíbrio que temos de obter. Dito isto, acho que ficámos demasiado remotos durante a pandemia e temos de voltar um pouquinho àquilo que era o antigo normal.
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Ao nível mais macro, como é que avalia a vossa área de atuação, tendo em conta o clima geopolítico de que já falou? E o que é que espera do futuro Governo?
O que espero do futuro Governo é que seja o mais pragmático possível, que transmita ou que tenha um plano para Portugal a longo prazo e não em função das eleições. Custa-me ver estes momentos de campanha eleitoral em que se promete tudo e mais alguma coisa, como se o dinheiro não tivesse fim. Fizemos um grande esforço de redução de dívida e acho que esse esforço até é transversal a mais do que um partido e, portanto, acho que devemos continuar a capitalizar e a fazer esse esforço, sabendo que temos as nossas limitações, mas espero sobretudo que o novo Governo dê estabilidade a longo prazo. Porque para criar emprego, é preciso ter investidores. O Estado tem pouca capacidade de investimento e o nosso Estado já não é pequeno e tem muitos serviços públicos que têm de ser melhorados. A começar pela saúde. E, portanto, temos de atrair investidores estrangeiros se queremos crescimento e um investidor estrangeiro, quando olha para um sistema de impostos complexo como é o português, com taxas e taxinhas, impostos e impostinhos, e sobretudo não estável e que vai mudando ao sabor dos governos, isto não ajuda muito a fazer-se planos, porque ninguém faz um plano de investimentos a quatro anos. As pessoas fazem a cinco, dez anos.
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Qual é a prioridade na área tecnológica que desejaria que fosse preocupação do futuro Governo?
Gostava que o próprio Estado se desligasse um pouco mais das infraestruturas e quando estou aqui a falar de infraestruturas não vou falar de autoestradas, de barragens e de pontes, vou falar de infraestruturas tecnológicas. O Estado é muito mais tradicionalista do que são as empresas privadas no que diz respeito à tecnologia. E, portanto, um cliente do setor público é muito mais tradicionalista do que são as empresas privadas. É normal comprar equipamentos, comprar software, recrutar pessoas e é assim que se faz o investimento. E isso é a forma antiga de fazer investimento, porque é muito pouco flexível. Vou dar um exemplo muito concreto: toda a gente se queixa que a aplicação Gira da EMEL não funciona bem. E não funciona bem. Porque a lógica funcionava no início, mas agora não funciona. É preciso evoluir as plataformas. E quando estamos muito agarrados a uma forma pouco flexível, é necessário que as plataformas sejam mais flexíveis. E, portanto, há de haver várias razões para isso ter acontecido, mas o Estado tem de ser um pouco mais agnóstico das infraestruturas, contratar mais serviços e arranjar formas mais flexíveis de fazer evoluir as suas tecnologias de informação.
