A tempestade Leslie deixou milhares sem eletricidade, sobretudo na zona centro do país.
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Pára, está vermelho! Aldeias ainda às escuras (16/10/2018)
Na pequena aldeia do Salgueiral, na freguesia de Luso, ainda não há luz, mas já há semáforos. E como o Salgueiral assim permanecem mais umas quantas localidades do concelho da Mealhada pelo terceiro dia consecutivo: Travasso, Monte Novo, o Buçaco...
Não se pode dizer que nada esteja a ser feito, muito pelo contrário. No Salgueiral há quase tantos técnicos da EDP como habitantes da aldeia. E por isso a velhinha Nacional 336 entre as serras do Buçaco e do Caramulo até ganhou um semáforo. O semáforo dá luz, mas não se propaga às casas dos moradores. De quando em vez lá se vai ao interruptor na expectativa que ao clique se faça luz.
Mesmo na vila de Luso a luz vem e vai. Tarda em estar fixa.
Hoje as escolas abriram, os cafés e restaurantes abriram e até me quer parecer que há turistas que teimaram em vir conhecer a estância termal de placas dobradas pela força do vento, algumas ruas com cacos alaranjados daquilo que já foram telhas, e ainda com (muitos) vestígios da passagem da tempestade Leslie.
Subir ao Buçaco está fora de questão. A Mata está fechada e assim vai continuar até que os trilhos sejam desimpedidos e que se averigúem se as árvores que se penduram "às cavalitas" de outras não se lembram de cair também.
Por aqui reina também a sensação de que o país, a capital, e os média em geral se esqueceram da região mais afetada pelo que sobrou do Furacão Leslie. Sente-se que os holofotes se viraram para o Orçamento do Estado, esquecendo assim o estado em que, ainda, milhares de cidadãos do centro do país vivem: ainda há casas sem telhado, ainda há baldes a aparar as pingas da chuva, há vidros de janelas para consertar e há sobretudo o susto e a sensação de impotência perante a força da natureza.
Ideias luminosas de quem vive sem eletricidade (15/10/2018)
Hoje estamos todos a aprender a racionalizar água de forma forçada. Ironicamente estamos na terra da água: a água de Luso e do Luso, mas que, pela falta de luz que já dura há mais de 24h, deixou de correr nas torneiras.
Um garrafão de cinco litros deu, esta manhã, para fazer a higiene pessoal de um agregado familiar de quatro pessoas. Lavou-se o indispensável. Pelo corredor foram-se cruzando lanternas de telemóvel, que conseguimos carregar ontem no carro enquanto andávamos todos em reportagem para contar na TSF o que se passou, com velas acesas dentro de copos de vidro: uma procissão, que tememos que se repita já hoje ao final da tarde.
Não há televisão: não faz mal. Não há máquinas de lavar: para já não faz mal. Mas há frigorífico e arca congeladora e lá dentro descongelam e aquecem os legumes cuidadosamente guardados após a colheita de junho/julho. Vão todos se assim nos mantivermos. A sopa de ontem já foi. Não está frio, nem dentro nem fora do frigorífico.
O pequeno-almoço, passado à luz das velas, foi a debater como seria o dia de trabalho: com ou sem crianças? O mais provável era que a escola estivesse fechada. E estava. Não há como assegurar as refeições sem luz e sem água. Simples de dizer. Difícil de concretizar. ATL? Também não tem luz e também não confeciona refeições. "Tia tens luz? Avó tens luz? Mãe tens luz? Quem não vai trabalhar? Podes ficar com os teus netos? Podes ficar com os teus sobrinhos?". Crianças entregues e pelo caminho, atravessando o cenário desolador de um Buçaco / Bussaco tombado, arrancado pela raiz, anteveem-se horas complicadas, esperemos que não sejam dias. A EDP, contactada por várias vezes, lá veio dizer que não tem ideia de quando vai repor a energia neste cantinho do concelho da Mealhada.