Da "falta de segurança" nas cadeias às "auditorias externas". Guardas prisionais que vigiam câmaras pedem escusa de responsabilidade
A fuga dos cinco reclusos de Vale de Judeus subiu a debate no Fórum TSF. O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional sublinha que "a falta de guardas, a falta de efetivos e a falta de segurança" sente-se a nível nacional e atira culpas ao Governo
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Há guardas prisionais que vigiam as câmaras de videovigilância nas prisões que estão a pedir escusa de responsabilidade, uma vez que receiam ser o "bode expiatório" quando há problemas. A revelação foi feita, esta segunda-feira, no Fórum TSF pelo presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.
"Já tenho aqui pedidos de colegas a pedir escusa de responsabilidade das câmaras, porque começámos a ver que poderão querer empurrar isto para o parente mais pobre, o corpo da guarda prisional. Como é típico em Portugal, quando acontece qualquer catástrofe, qualquer problema, vamos tentar arranjar um bode expiatório. Aqui está quase a querer dizer-se que foi o guarda prisional nas câmaras. Está provado cientificamente que uma pessoa que esteja mais de 30 minutos a olhar fixamente para uma câmara, passados 30 minutos não vê nada. Agora, imagine uma pessoa que está a olhar para mais de 200 câmaras em micro ecrãs espalhados por oito televisões diferentes", explicou Frederico Morais.
A falta de segurança nas prisões é um problema que não se limita a Vale de Judeus. O presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional garante que este é um problema geral. "A falta de guardas, a falta de efetivos e a falta de segurança é a nível nacional. Aqui só há um culpado: é o Estado português", atira, sublinhando que é a função do Estado "garantir o funcionamento dos estabelecimentos prisionais e, ao mesmo tempo, a segurança da população".
"Nós somos o último reduto da segurança nacional interna", afirmou, dando o exemplo da cadeia anexa à Polícia Judiciária: "O sindicato anda há meses a dizer que é preciso mudar a direção daquela cadeia e criar chefia para aquela cadeia funcionar e ninguém nos quis ouvir." Frederico Morais pediu ainda que seja feita, por questões de imparcialidade e "isenção", uma auditoria externa.
Na mesma linha, o presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) afirmou que os portugueses têm motivos para estar preocupados com a segurança. Também ouvido no Fórum TSF, Jorge Bacelar Gouveia defendeu que passou muito tempo - mais de uma hora - desde que a fuga foi detetada até ao momento em que as polícias foram alertadas, algo que terá sido decisivo.
"Esse deve ser mais ou menos o tempo de ir de Alcoentre até Espanha. É evidente que há aqui, digamos, colaboração interna e externa. O problema não é isto ter acontecido, porque falhas humanas sempre existirão, o problema é não haver um sistema automático em que assim que se deteta a saída tem de ser automaticamente comunicado às autoridades que podem colaborar na captura", referiu, sublinhando ainda a existência de fragilidades e deficiências nas prisões. Jorge Bacelar Gouveia considerou importante que seja feita uma auditoria em outras cadeias.
"Estes fenómenos são um certo mimetismo. Se acontece num lugar, vamos lá tratar de fazer isto noutros lugares, porque se sabe que ninguém vai ser apanhado. Pelos vistos, isto foi uma coisa muito muitíssimo bem-sucedida, porque ninguém deu por nada. Em duas horas as pessoas desapareceram do país e nunca mais vão ser apanhadas. Portanto, depois começa também a propagar-se a outras prisões. Por outro lado, também não percebo qual é a posição de um diretor-geral dos serviços prisionais. Não conheço o senhor, mas o que é que ele tem feito no seu trabalho? Tem reclamado internamente, tem avisado as autoridades políticas que não tem meios e que não tem funcionários?", questionou.
Hermínio Barradas, presidente da Associação Sindical das Chefias do Corpo da Guarda Prisional, também em declarações no Fórum TSF, mostrou-se contra a existência de auditorias internas nas prisões. "O sistema interno está viciado. O próprio serviço de auditoria depende diretamente do diretor-geral, que foi o cargo que implementou estas medidas que tiveram estes ótimos resultados, apesar dos avisos constantes dos sindicatos para o perigo que estava aqui a desencadear, agora vem o coordenador, embora seja um magistrado do Ministério Público. Todos os inspetores do serviço de auditoria e inspeção estão sobre a dependência do diretor-geral", esclareceu, acrescentando que os guardas já não conseguem garantir a segurança nas cadeias.
"O corpo da guarda tem tido uma entrega de excelência. Guardas principais a chefiar estabelecimentos de segurança elevada... isto é uma anedota. Têm permitido que este sistema esteja assim, não é por falta de alerta dos sindicatos. Todos os atores políticos que intervêm nesta matéria têm contribuído para isto. Os reclusos já têm que se auto proteger dentro dos espaços prisionais e isto passa incólume nas pessoas que têm capacidade de decisão, com uma análise com outro rigor e com outra racionalidade. Não pode passar incólume, nós já não conseguimos garantir a segurança dentro das prisões e agora viu-se", disse.
A fuga dos cinco presos considerados "muito perigosos" da cadeia de Vale de Judeus, em Alcoentre, aconteceu no sábado. Até agora, não houve uma palavra da ministra da Justiça sobre o assunto. Margarida Davim, comentadora de política nacional da TSF, destaca que a governante devia dar a cara e assumir as falhas.
"É um Governo que tem fugido nos últimos tempos a dar explicações sobre situações que são graves. Recordo que esta situação da fuga da prisão de Vale de Judeus vem praticamente uma semana a seguir a outra situação muito grave para a segurança nacional, que tem a ver com um assalto à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna. No espaço de pouco mais de duas semanas, temos duas situações de enorme gravidade no que toca à segurança nacional e temos uma ausência de respostas", considerou.
