Da pergunta "bizarra" ao "respeito pelo povo". O que se disse sobre o referendo à eutanásia?
O Parlamento discutiu as posições sobre o referendo à eutanásia, que será votado esta sexta-feira.
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O tema do referendo à eutanásia dividiu o (curto) debate no Parlamento. Num dia sem votações, os deputados expuseram argumentos contra e a favor, mas as maiores críticas foram para a pergunta proposta pelos subscritores.
"Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?" "Capciosa, bizarra, inaceitável ou questionável" foram alguns dos adjetivos usados para descrever a questão. Contudo, mesmo entre aqueles que estão de acordo com o referendo, há quem peça uma pergunta "clara" para uma resposta de "sim" ou "não".
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"Direitos, liberdades e garantias não são referendáveis"
Mónica Quintela, do PSD, iniciou o debate a agradecer ao PSD por dar liberdade de voto num tema tão sensível. "Direitos, liberdades e garantias não são referendáveis" e o Parlamento é o lugar certo para prosseguir com a discussão sobre a morte medicamente assistida, disse a deputada.
Sá Carneiro foi citado durante a intervenção, para a social-democrata recordar que "a democracia deve respeitar as convicções dos cidadãos", mas Mónica Quintela foi mais longe ao dizer que "o conforto das nossas consciências não pode ter como contraponto o desespero que a nossa vontade cria ao outro", até porque, disse, a liberdade de um termina quando começa a do outro.
A "matéria é difícil" e requer conhecimentos específicos, não o nega, mas é preciso lembrar que "Portugal é uma república laica, pelo que a abordagem tem de ser feita expurgada de conceções religiosas", tendo em conta que o referendo é apoiado pela Igreja Católica.
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'Não' é resultado de democracia que vai "muito mal"
Da mesma bancada, Paulo Moniz surgiu com uma opinião oposta e com a convicção de que "muito mal vai uma democracia quando se toma uma decisão destas dentro da Assembleia da República".
O deputado social-democrata considera que "o povo português também quer participar na discussão" e que tem de ser ouvido, apesar de alertar que a pergunta, a haver um referendo, tem de ser "clara".
Tentativa de "parar o Parlamento"
Isabel Moreira considera que o referendo tem como objetivo "tentar parar o Parlamento" e recusa o argumento "antidemocrático e apolítico" de que esta matéria é "demasiado sensível".
A deputada socialista alerta que no Parlamento "não deve ser declinado o dever de legislar", já que os deputados foram eleitos "para isso mesmo". Não acreditar no seguimento do processo que vem sendo feito até agora é "como que uma renuncia ao mandato".
O 'sim' da IL
Contrariamente, João Cotrim Figueiredo anunciou que vai votar a favor do referendo já que a iniciativa popular exige um "regresso à essência da política". O deputado da Iniciativa Liberal pretende que se prossiga um projeto legislativo "sóbrio", mas pretende ouvir o povo.
O objetivo de "desviar atenções"
Do lado do PAN, Bebiana Cunha considera que esta proposta de referendo pretende "desviar as atenções para outro foco". A deputada do PAN criticou a pergunta, que acredita ser "questionável" e "indutora de julgamento moral, com um propósito político muito claro".
"Este é um tema que não se resolve em referendo", reforça, frisando que, como aconteceu durante todo o processo, é preciso haver debate e auscultação de especialistas.
Bebiana Cunha insiste que a morte medicamente assistida não é um homicídio e afirma que a pergunta é "desrespeitadora" para quem tem opinião diferente e para os cidadãos que tiveram de ir ao estrangeiro em busca da eutanásia.
Proposta de referendo é uma "habilidade política"
José Manuel Pureza foi protagonista de uma das maiores criticas à proposta de referendo, tendo mesmo citado um texto de uma das subscritores onde dizia ser contra o referendo no geral, mas que o preferia à continuação da discussão da morte medicamente assistida.
"O referendo é um recurso", afirmou, revelando que a pergunta do mesmo é "capciosa e pouco séria" e acusando a iniciativa de ter "habilidade política" e "não um debate sério".
"Referendar os direitos de todos é pôr os deputados nas mãos de alguns", disse.
Pureza dirigiu-se aos deputados que são a favor do referendo, questionando se aceitariam ter de responder sobre a liberdade de expressão, uma opção religiosa ou até a opção de casar. "A vossa vida e a nossa vida não se referenda, as vossas e as nossas decisões sobre a liberdade e as nossas vidas não se referendam", realçou o deputado bloquista.
O Bloco de Esquerda é contra o referendo porque esta questão não é de um "simplista sim ou não" e, como tal, é "por ser complexo e não simples" que "o povo nos escolheu para governar".
Questão "complexa" para ser referendada
O sentido de voto d"Os Verdes é também contra o referendo e José Luís Ferreira realçou que a Assembleia tem toda a legitimidade para tratar uma questão tão "complexa", mas também que não se devem referendar direitos fundamentais.
O deputado recorda que já há uma discussão em sede de especialidade e acusa os subscritores de pretenderem "a inviabilização do processo legislativo que está a decorrer". "O real objetivo é perturbar ou até impedir o processo legislativo que está a decorrer na AR", disse, lembrando que este deve ter sido um dos processos mais trabalhados no Parlamento.
Número de subscritores devia ser "motivo de respeito"
Do lado oposto surgiu o CDS, com Telmo Correia a dizer que o que está a ser discutido é uma "iniciativa popular de referendo" que obteve quase 100 mil cidadãos. "Isso devia ser um motivo de respeito", começou por afirmar.
O deputado do CDS critica o "timing" da discussão, por acontecer no "meio do Orçamento", quando podia ter sido discutida mais tarde. "Nós somos por princípio contra a eutanásia porque é um erro, perigosa nos resultados e porque existe a alternativa que são os cuidados paliativos", lembrou, mas, tendo em conta que se chegou até aqui, "hoje decide-se quem decide".
"Decidimos nós ou damos a palavra ao povo?", questiona, recusando "lições de democracia representativa" e frisando que a "democracia direta" também pode acontecer se "esta câmara o decidir".
Telmo Correia diz que é uma escolha entre "arrogância e humildade" e recorda que o tema não foi discutido nas campanhas eleitorais nem estava nos programas dos partidos mais votados.
Deputados não são só para "questões fáceis"
O PCP, tradicionalmente contra a eutanásia, não está de acordo com o referendo, porque a "matéria incide sobre direitos fundamentais".
António Filipe afirma ainda que a Assembleia da República tem legitimidade para decidir, até porque os "deputados não foram eleitos só para decidir questões fáceis", não devendo ser alienada a responsabilidade.
Pergunta "bizarra e inaceitável"
No fim do debate, Bacelar Vasconcelos, do PS, critica fortemente a pergunta "bizarra e inaceitável" que chegou ao Parlamento. "Este povo ausente e aqui presente por nossa mediação não merece que se dirijam questões deste teor", disse.
O deputado socialista leu a pergunta e insistiu que esta "não é sobre o desejo de morte". "Esta pergunta nada tem a ver com a situação daqueles para os quais procuramos uma resposta decente e humanamente digna", reiterou.
"O que pretendem é atacar o ato de matar e o seu autor, é colocar a tónica não na vítima, mas naquele que por compaixão e piedade se debate na própria consciência com o que deve fazer. É a indiferença pelo sofrimento alheio", acrescenta, dizendo que a pergunta é de "extrema demagogia".
O debate está feito e as votações acontecem esta sexta-feira, no Parlamento.