Dar voz a quem não costuma falar na rádio e acabar com preconceitos: "Paralisia cerebral não é uma doença"
Há mais de 20 mil portugueses a viverem com esta condição. Sem estigmas e com muita desmistificação, este domingo "A Playlist De…" na TSF é escolhida pelo presidente da FAPPC
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“A paralisia cerebral não é uma doença, não se cura, não regride”; “não é o mesmo que deficiência mental”; “quem tem paralisia cerebral não é portador de...”. Estes são alguns dos preconceitos que a Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral tenta desmistificar. Uma condição que, apesar de não ser progressiva, é permanente, o que significa que as dificuldades motoras acompanham a pessoa ao longo da vida. Neste 20 de outubro, Dia Nacional da Paralisia Cerebral, passamos o microfone da rádio a quem não costuma tê-lo. Este domingo, na TSF, às 09h00 e às 21h00, a música é escolhida e comentada por Rui Coimbras, o presidente da FAPPC.
O convidado deste domingo a escolher música na TSF tem 54 anos e vive com esta condição desde que nasceu. Diz que a paralisia cerebral trouxe-lhe alguns problemas e limitações, mas tal não o impede de ter uma vida normal, estudar, terminar uma licenciatura, casar e ter um filho. Rui Coimbras integra o Mecanismo Nacional de Monitorização da Implementação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, é autor de uma solução informática premiada pela ONU, membro do board do European Disability Forum e presidente do Conselho Consultivo da Estrutura de Missão para a Promoção das Acessibilidades.
A paralisia cerebral é um conjunto de desordens permanentes no desenvolvimento do movimento e da postura, condição de saúde que afeta mais de 20 mil pessoas em Portugal. Pode ser ligeira ou grave e ter níveis de afetação diferentes. As causas da paralisia podem ser várias, desde incidentes pós-natais, como infeções ou complicações cirúrgicas, perinatais, ou complicações durante o trabalho de parto. A paralisia cerebral não é doença. Nem é doença mental, mas sim uma limitação do cérebro, em relação a algumas funções. Mais informações em: www.fappc.pt/paralisia-cerebral
Deixamos aqui a transcrição das palavras do presidente da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral, justificativas de cada uma das canções escolhidas n’A Playlist De… A totalidade da Playlist de Rui Coimbras pode ser escutada aqui:
01. “Cantiga de alevantar (A cantiga é uma arma)”
– José Mário Branco – “Ao vivo em 1997” [1997]
Nesta playlist quero reforçar o poder das letras das canções: para dar toda a importância à força dessas letras; para fazer passar ideias; para combater injustiças. A cantiga sempre foi uma arma – não no sentido bélico mas na força que transmite – quando é bem escrita, quando se reconhece na sociedade. Para começar, invoco o meu mestre na arte de escrever e compor: Zé Mário Branco. E recorro ao “encore” do concerto no CCB em 1997 – onde eu estava com o meu irmão
Ricardo – e em que o Zé Mário altera ligeiramente a letra na música, para dizer: “A cantiga é uma arma, eu bem dizia; – em vez de cantar “e eu não sabia...” E termina: Há quem cante por interesse / Há quem cante por cantar / Há quem faça profissão / De combater a cantar. ...E é de cantar a força das palavras que esta playlist é feita!
02. “Geni e o Zepelim”
– Chico Buarque – “Chico 50 anos” [1994]
Quem como eu anda na vida política – enquanto presidente de uma Federação na área da deficiência – já ouviu vezes sem conta a classe política afirmar, quase sempre em campanha eleitoral, “que ninguém pode ficar para trás”. Sem dúvida que é uma grande frase. Mas o problema é que alguns ficam mesmo para trás porque por incompetência, opção ou ignorância é criada legislação que não protege “esses alguns” de forma justa. Nomeadamente as pessoas com deficiência ou as instituições que de norte a sul, e ilhas, lutam por esses mesmos direitos. E assim condenam-se uns quantos a dificuldades enormes quando estão, precisamente, a prestar um serviço ao Estado. Chico Buarque, candidato a Nobel da Literatura pelos seus poemas e romances, retratou estas questões de forma genial no poema “Geni e o Zepelim”.
Quando o poder político precisa, somos a Bendita Geni. E, depois... “joga pedra” na Geni.
03. “A princesa do chat”
– Pedro Barroso – “Palavras ao vento” [2014]
A solidão mata e, na deficiência, é muito fácil encontrar pessoas que (por estarem institucionalizadas ou viverem em famílias não estruturadas) estão muitas vezes sozinhas, vítimas de um isolamento medonho. Muitas procuram nas redes sociais os amigos virtuais que não conhecem. Para quê? Para lhes dar uma sensação de terem muitos amigos. O problema é que muitas das vezes as redes sociais são canais de esgoto a céu aberto, locais onde toda a gente mente, onde toda a gente engana…
Este poema do Pedro Barroso – já da década passada – é um retrato fiel do muito que passa nesses buracos, canos e canalizações das redes sociais.
04. “Sexo”
– Xutos e Pontapés – “Cerco” [1985]
Quando se fala de sexualidade e deficiência é usual ouvir-se aqueles lugares-comuns de que são “os anjinhos que Deus colocou na terra”. Ou que, de alguma forma, são seres assexuados, uma “espécie de gente”. E não há nada de mais errado do que estas ideias. O que acontece... muitas das vezes... vezes demais!... é que a pessoa com deficiência não é autónoma ao tomar decisões sobre a sua própria sexualidade e as liberdades de escolha. Em Portugal, por exemplo, a lei que proíbe a esterilização forçada de mulheres com deficiência é das mais permissivas a nível europeu. E é mais do que tempo de alterar essa lei e impedir esta prática. Algo que é uma questão de direitos humanos. Xutos é Xutos. Parabéns pelos 45! E esta música é a minha provocação sobre este tema da esterilização forçada de mulheres com deficiência. Segue com dedicatória radiofónica para quem ainda acha que somos anjinhos. Ou assexuados. E como é Xutos, é sempre a abrir. Até partir!
05. “Saiu para a rua”
– Rui Veloso – “Ao vivo” [1988]
Ainda sobre sexualidade e deficiência. Há uma preocupação enorme dos pais que têm a seu cargo filhos com casos graves e/ou complexos de deficiência. Não sou de todo sexólogo para dar opiniões sobre a forma como estes casos devem ser abordados, mas não tenho a mais pequena dúvida em relação a algo. E passo a citar: Colocar um pouco de batom; tirar do cabelo o travessão e sair à rua; há-de sorrir a um homem com tremura; e vai sentir escorrer do coração a humidade quente da loucura.
06. “Que parva que eu sou”
– Deolinda – “No Coliseu dos Recreios” [2011]
Temos, nos jovens adultos com menos de 40 anos, a geração mais bem formada de sempre. E na deficiência essa é também a realidade. Mas temos todos, enquanto sociedade, de garantir que esta geração não emigra ou que fica eternamente com baixos salários e falta de oportunidades. A questão da falta de oportunidades para os jovens adultos é o maior problema que Portugal tem pela frente. E porque qualquer resolução pode demorar mais do que uma ou duas décadas a produzir resultados, nenhum governo de meros quatro anos – nem com maiorias! – o quererá resolver.
Esta é uma bomba-relógio para a minha geração. E que nos vai rebentar nas mãos.
Too late, my darling… Neste lema de que a cantiga é uma arma, a recordar que esta música foi pela primeira vez tocada pelos Deolinda no concerto ao vivo no Coliseu.
Arrisco-me a dizer que, nessa altura e nesse concerto, ninguém conhecia esta música. E foi inacreditável a reação de todo um Coliseu a cada estrofe que era cantada. Foi impressionante ver todo o público a identificar-se com o que estava a ser cantado.
Por isso aqui, hoje, e na TSF, só podia passar esta versão.
07. “Canto Moço”
– José Afonso – “Traz outro amigo também” [1970]
Tenho 54 anos. Nasci ainda no tempo da Ditadura mas tornei-me gente ao entrar na escola de Vouzela, em Viseu, já em Liberdade. Pais, família, professores, colegas de escola e amigos, soubemos todos arregaçar as mangas e trabalhar para que uma criança com paralisia cerebral, no interior do país, tivesse as mesmas oportunidades escolares que todos os demais colegas. Mais tarde, aquando da entrada no mercado de trabalho, os colegas souberam continuar a de mim exigir precisamente o mesmo que aos outros. A minha geração terá sido a primeira de pessoas com deficiência a sair das suas casas, a estar presente na sociedade e a assumir cargos de responsabilidade. Tivemos a sorte de ter crescido com o País a crescer. De Zeca Afonso poderia ter escolhido N canções, mas ficou-me esta para a vida. Somos todos filhos da madrugada (por)que a vitória já não espera!
08. “Dancemos no mundo”
– Clã – “O irmão do meio” [2003]
Vivemos num mundo em constante guerra, com ódios religiosos, com falta de tolerância para com os outros, maltratando quem não é daqui ou de acolá. Tudo no pior que a condição humana tem. Este poema do Sérgio Godinho – nesta versão sublime dos Clã – é um hino à paz entre os povos e uma chamada de atenção para estas formas de repressão e para se tolerar o “diferente”. E por falar do diferente, com aspas, presto a minha homenagem à TSF e aos autores deste espaço pessoal e musical. Primeiro, por terem inventado este programa. Depois, pelo convite que me fizeram. Por último, por me deixarem usar a minha voz. Esta minha voz, com estas minhas limitações. Tal como a TSF todos deveriam ter a coragem de aceitar e tolerar o que é diferente, não discriminando. Isto é como tudo, não há-de ser nada.
09. “Sempre ausente”
– António Variações – “Anjo da Guarda” [1983]
A paralisia cerebral será, talvez, a deficiência com maior complexidade. Quando ocorre a morte de células no cérebro (por falta de oxigenação) as consequências são imprevisíveis e nunca afetam dois indivíduos da mesma forma. Na paralisia cerebral também há casos de algum tipo de deficiência mental. Não obstante todo o progresso que tem havido na área da deficiência e da doença mental, esta é a área que ainda requer especial atenção das classes médica e política. Se as pessoas com paralisia cerebral e outras deficiências têm vindo a conquistar a capacidade de autorrepresentação e de reivindicação dos seus direitos, acho que na área da saúde mental há ainda um longo caminho a percorrer. E urge fazer esse caminho. Por razões que não interessam ao caso, tive recentemente de ir a um ou dois hospitais de internamento psiquiátrico. E desculpem-me o exagero, mas vieram-me à cabeça as imagens e sons de um recente passado que, julgava eu, já não deveriam acontecer. Esta música do Variações é um grito de alerta. Conheço a obra do António praticamente desde o início e sou um fã incondicional do que fez e do que nos deixou. Coisas e cenas anos-luz à frente do seu tempo. Nós é que fomos uns autênticos “provincianos” e não percebemos o alcance da sua obra, que ia desde Amares até Nova Iorque. Dois discos de originais, uns discos de homenagens e um álbum de inéditos gravado pela Lena D’Água sabe a muito pouco. Sim, sabe a muito pouco face ao seu enorme talento.
10. “Don’t give up”
– Peter Gabriel – “So” [1986]
Conheço Peter Gabriel desde meados da década de 80 do século passado, altura dos famosos concertos da Amnistia Internacional durante os quais se usava o poder das canções para dar visibilidade aos horrores que foram, por exemplo, os tempos do apartheid na África do Sul. Agora vou ser lamechas acreditando que ninguém me censurará. Vou dedicar esta música do Peter Gabriel a todas as pessoas com deficiência, apelando à sua capacidade de resistência e resiliência, perante as dificuldades, injustiças e, por vezes atos de discriminação que são feitos todos os dias.
Peço-vos que não desistam. Peço-me que também eu não desista, porque esse é o meu compromisso com a deficiência.
11. “Portugal Portugal”
– Jorge Palma – “Ao vivo no Johnny Guitar” [1993]
Com a irreverência do Jorge Palma escrevo estas palavras. A única vez que me chamaram inapto foi na tropa e eu adorei ter saído em liberdade cerca de duas horas depois para a minha primeira noite de farra académica em Coimbra. Dizem que é na tropa que nos fazemos homens! Nada mais de errado nisto. Nem sei marchar. E por isso, acho que a letra do nosso hino é completamente descabida, de tão bélica que aparenta ser. Quando todos os dias contribuo com o meu trabalho para criar riqueza para o meu País, estou a ser tão ou mais patriota do que um soldado. E tento que o meu trabalho e nas minhas funções ajude a colocar de novo os dois pés numa galera.
Acho mesmo que esta letra é o meu hino naquilo que Portugal tem de melhor. Acho que muitas vezes nos perdemos em “merdices” que nos tiram a capacidade de transformar o nosso País numa referência a nível mundial. Capacidade, temos. O problema é que se ficarmos sempre à espera ninguém nos pode ajudar.
12. “Silêncio e tanta gente”
– Maria Guinot – “Ao vivo na RTP (RTP Arquivos)” [1984/2000]
A Maria Guinot fará parte da juventude de qualquer pessoa com bom gosto musical e mais de uns 40 anos. Até meados dos anos 80 o Festival da Canção implicava para este e outros Ruis um “feriado familiar”. Maria Guinot morreu em novembro de 2018 – não no total anonimato, mas já bem longe e afastada de um protagonismo que nunca desejou, nunca fomentou e, por isso, nunca teve. Nasceu em 1945 e muito jovem começou a estudar piano. O tal piano que, anos mais tarde, seria a sua única companhia no “Silêncio e tanta gente”. Quando digo “única companhia” em relação ao piano quero dizer, literalmente, única. Se bem se lembram, nesse Festival da Canção de 1984 havia greve de músicos por diferendos entre estes e a RTP. E a Maria Guinot – que sempre defendeu causas – em vez de recorrer ao sugerido playback ou a músicos-substitutos, optou por ignorar e suprir a ausência de orquestra quase que só com um piano. Fugiu da fama e do mediatismo. Mas continuou a compor e a tocar.
Teve um “fim de vida” algo triste. Admitiu (nas escassas entrevistas que deu) a inegável tristeza porque deixou de conseguir tocar no seu piano. Este é um “Silêncio e tanta gente” que junta março de 1984 e março de 2000 – numa das raras presenças de Maria Guinot na televisão. Vale a pena ouvir. Vale sempre a pena ouvir.
13. “As armas do amor”
– Sérgio Godinho – “Domingo no mundo” [1997]
Sérgio Godinho é a definição, na primeira pessoa, de Escritor de Canções. Já perdi as vezes que o vi ao vivo, mas ainda guardo na memória o primeiro concerto no Instituto Franco-Português; e que deu origem a um dos álbuns da minha vida: Escritor de canções. Amo apaixonadamente a obra do Sérgio e a minha escolha não poderia deixar de ser uma letra rebuscada e intrincada. É que, agora enquanto presidente de uma federação mas desde sempre uma pessoa com deficiência, por vezes tenho de lidar com o preconceito, a condescendência, a incompetência e a intolerância. E sim, “Desarmem o preconceito de mãos dadas com a ignorância.”
“Desarmem a intolerância.”
14. “Tardes de Casablanca”
– Janita Salomé – “A cantar ao sol” [1995]
A música de Janita Salomé é única. Janitá Salomé é dono de uma voz inigualável. A sonoridade da sua obra, muitas vezes com sons que nos transportam para países do norte de África, faz com que seja um apaixonado pela música dele nas suas diferentes vertentes. Em todas as suas vertentes! “Tardes de Casablanca” é uma dessas músicas que mexe comigo. Não hei-de morrer sem ir a Casablanca à procura da Moura que habita a janela em frente.
15. "Timor”
– Trovante – Uma Noite Só” [1999]
Ainda No Meu Registo De A Música Ser Uma Arma. Em 1998, Os Trovante Deram Um Concerto Único No Pavilhão Atlântico. E, Como Não Podia Deixar De Ser, Tocaram Timor”. Estávamos No Auge Da Luta Pela Independência De Timor. O Mundo Tinha Acordado Para O Problema Após O Massacre De Santa Cruz E Existiam Movimentações Intensas Do Governo Português Com António Guterres, A Embaixadora Em Jacarta, Ana Gomes, E Com O Nosso Presidente Da República. Foi Um Momento Único Quando Todos Nós – Sim, Eu Estava Lá! – Nos Virámos Para Jorge Sampaio E, Em Uníssono, Cantámos O Refrão Em Coro! Como Que A Exigir Ao Poder Político Que Se Encontrasse Uma Solução Para Timor. Jorge Sampaio Nunca Virou A Cara A Estas Lutas. O Resto É História E Hoje Estamos A Celebrar Os 25 Anos De Um País Livre. Xanana Gusmão E Todos Os Guerrilheiros Que Lutaram Anos A Fio Nas Montanhas Foram Os Heróis. Mas Não Posso Esquecer O Trabalho Fenomenal De Formiguinha” Que O Diplomata Ramos Horta Fez Na Onu E Pelo Mundo Fora. Se Calhar, À Palestina, Falta-lhes Um Diplomata Como Ramos Horta.
16. Sunday Bloody Sunday”
– U2 – Under A Blood Red Sky” [1983]
Quando Na Década De 80 Íamos Para A Discoteca – Sim, Porque Um Manco” Também Vai À Discoteca! – Esperávamos Sempre Pelo Acabar A Noite A Dançar Com A Loucura Que Era Sunday, Bloody Sunday”. Só, Anos Mais Tarde É Que, Percebendo A História, Constatámos O Verdadeiro Significado Desta Música E De Tudo O Que Representava Para O Povo Irlandês.
17. Europa Querida Europa”
– Fausto – Para Além Das Cordilheiras” [1987]
Falar De Fausto É Falar Do Por Este Rio Acima”. É Um Dos Melhores Discos De Música Portuguesa Com As Percussões Soberbas Do Rui Júnior). Escolhi A Europa Querida Europa” Do Álbum Para Além Das Cordilheiras” Porque Sinto Que Os Valores Europeus estão cada vez postos em causa por regimes tiranos ou por ideologias de extrema direita. Muitas pessoas esquecem-se que a Europa da Paz, da Prosperidade e da Liberdade, foi resultado de muitas lutas sangrentas às quais não queremos nem podemos regressar. Sou europeísta convicto e pronto para defender os direitos que nos querem roubar. E se quem não tem mais para dizer do que ameaçar uma guerra nuclear, então ‘bora lá! Porque mais vale morrer ciente, do que viver enganado às mãos de qualquer ditador. Europa, querida Europa...
18. “Suzanne”
– Leonard Cohen – “Songs of Leonard Cohen” [1967]
Estamos a celebrar 90 anos do nascimento de um dos mais influentes cantores – pessoa que bem merecia ter recebido o Prémio Nobel de Literatura. Esta música de 1966, independentemente da história que lhe está inerente, tem das mais belas quadras escritas numa canção. E é a isto que eu chamo dias perfeitos.
19. “As balas”
– Adriano Correia de Oliveira – “Que nunca mais” [1975]
Adriano Correia de Oliveira é a melhor voz de toda e cada canção-balada que nasceu em Coimbra. Apesar da parte da sua obra ter sido a cantar o poeta Manuel Alegre, escolhi para hoje um poema Manuel da Fonseca. Poema que, admitam, estará tão atual como sempre. Para um Putin que começou uma guerra na Europa, é bom lembrá-lo que as balas sempre deram sangue derramado; só crime e sangue derramado. Não entendo como é que há partidos que ainda não perceberam isto.
20. “As aparências enganam”
– Elis Regina – “Elis, essa mulher” [1979]
Toda a gente quer estar no fogo das paixões o tempo todo, mas isso não é possível. Mas ninguém quer estar no gelo. Aqui, a sabedoria é saber estar sempre na primavera em que guarda o calor do verão para aguentar no inverno. Elis Regina é uma das minhas cantoras favoritas.
21. “Para ti meu amor”
– Carlos Mendes – “A festa da vida” [2018]
Esta música foi escrita por uma alguém a quem devemos parte da nossa Liberdade.
Podemos gostar mais ou menos dele, mas julgo ser unânime a opção de reconhecer o papel que teve na conquista de Liberdade em Portugal. Esta música foi escrita na prisão do Aljube. É uma carta de amor para sua a sua companheira de sempre (chamada Maria Barroso). Entre outras coisas o autor foi, também, Primeiro-Ministro e Presidente da República. Refiro-me a Mário Soares. Os arranjos e a interpretação de Carlos Mendes são de excelência.
22. “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya”
– Mário Viegas – “Pretextos para dizer” [1979]
Além dos meus pais e do meu irmão, o Mário Viegas foi a pessoa que mais me influenciou naquilo que sou. Através da poesia que me deu a conhecer e do teatro e encenação que me deu a ver, graças a ele conheci Alexandre O’Neill, Mário Henrique Leiria, António Gedeão, Alberto Caeiro, muitos outros... Estive várias vezes ao lado dele mas nunca tive coragem de, por mera vergonha, lhe falar. Morreu no Dia das Mentiras e teve honras nacionais porque tivemos um Presidente da República que se impôs. A primeira vez que fui a Madrid tinha um objetivo único... Ir ao Museu do Prado e procurar o quadro dos Fuzileiros de Goya. E, como que numa religião, irei ouvir com os meus aos auscultadores este poema dito de forma sublime por Mário Viegas. Que Saudades!
23. “Quand on n’a que l’amour”
– Jacques Brel – “Jacques Brel” [1972]
Jacques Brell é uma referência mundial e um dos meus cantores preferidos. Adoro a obra de Jacques Brel. Mais nada.
24. “Os cantores da minha terra”
– Fernando Tordo – “Adeus tristeza” [1983]
Na minha playlist refiro algumas vezes que a cantiga pode ser uma arma na voz de grandes homens e mulheres que usaram o seu talento na luta por um mundo melhor. Com esta música quero homenagear todos os cantores da minha terra que, na minha opinião, foram Capitães de Abril antes de Abril e destes 50 anos de Liberdade.
Quero homenagear também o meu verdadeiro Capitão de Abril – Salgueiro Maia – a quem Portugal muito deve. Fomos tão injustos com Salgueiro Maia quando ele precisou de nós. Mas esta é a nossa sina.
25. “Como pájaros en el aire”
– Mercedes Sosa – “Será posible el sur?” [1984]
Algures na década de 90 consegui ver e ouvir Mercedes Sosa na Reitoria da Universidade de Lisboa. Adoro as suas músicas e o canto permanente que tem na voz. E recordo um concerto que me ficou na memória. Os braços da minha mãe, do meu pai e do meu irmão Ricardo sempre foram braços abertos para a Liberdade.
26. “Purga”
– Rita Vian – “Purga” [2020]
Há toda uma geração de criadores que usa a música eletrónica como nova forma de se expressar. Cruzei-me com ela acidentalmente numa plataforma de “streaming”. Depois fui vê-la ao vivo num espetáculo na Fundação Oriente. Fiquei arrebatado pela qualidade da sua música em palco. De Rita Vian, sou fã.
27. “Bohemian Rhapsody”
– Queen – “Live at Wembley Stadium” [1992]
Este tema, como alguns outros, lembra-me dos tempos em que eu, o Ricardo e o Paiva tivemos um programa na Rádio Vouzela. E isto da rádio é um “bichinho” que fica. Pedro, meu filho, pedi inspiração ao teu padrinho para escolher uma música que (quando apareceu) era totalmente fora da caixa por ser enorme; por ter palavras que ninguém conhecia; e por ser tão esquisita. Uma música que o primeiro produtor rejeitou. Hoje é a música mais tocada de sempre e é uma das mais conhecidas em todo o mundo. Sabes, Pedro, o futuro está para quem conseguir pensar e agir fora da caixa.
28. “This land is your land”
– Bruce Springsteen – “Live 1975-85” [1986]
Quando saí de Vouzela para estudar em Viseu o dinheiro que me sobrava da mesada era para comprar os discos que queríamos “passar” na rádio. Mas essa mesada nunca sobrou para comprar a Box de três LPs do Bruce. “Born in USA” foi um disco que nos abriu horizontes. Agora recorro à box para escolher a música “This Land is your Land”. No ano em que os Estados Unidos vivem um dos períodos mais negros da sua história política, quero lembrar que estes Estados (ou quaisquer Estados) têm de ser uma terra para todos. Para mim e para ti. Foi dito pelo sobrinho do Trump – e nunca desmentido – que as pessoas com deficiência deviam deixar-se morrer. Esta é a meta da decadência mental, como afirmava Almada Negreiros. God Bless America!
A Playlist De… tem produção de Nelson Santos e sonorização de João Ribeiro.
