De potenciais acordos para governar às promessas (ou falta delas) se chegar a PM. Entrevista com Pedro Nuno Santos
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Filho de um empresário, é natural de São João da Madeira, foi ministro das Infraestruturas e da Habitação e é deputado pelo Círculo de Aveiro. Tem 46 anos, é licenciado em Economia e doutorado na arte da geringonça. Pedro Nuno Santos, nas últimas semanas apelidado de radical de esquerda pela oposição, é o convidado da entrevista especial da TSF.
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Começo por lhe perguntar acerca do PSD, precisamente. Um dos seus opositores está nesse partido. O PSD prefere tê-lo a si a liderar o PS, pois considera que José Luís Carneiro é um adversário mais difícil, uma vez que pode roubar mais eleitorado no centro-direita. Se o senhor ganhar a liderança do PS, admite que possa estar a dar um presente ao PSD?
Também já ouvi essas afirmações, mas todos andamos há demasiado tempo na política para perceber que quando um partido dedica todo um congresso a um dos candidatos à liderança do Partido Socialista, não é porque achem que esse é o melhor candidato, o melhor adversário. É exatamente o contrário. E por isso, o desejo do PSD quanto ao seu adversário, ou as afirmações, ou as proclamações sobre quem é o adversário preferido, vale muito pouco. Por isso, as sondagens vão dizendo o contrário, valem o que valem, faltam muitos meses até às eleições, mas as sondagens dizem exatamente o contrário daquilo que se vai dizendo.
Não considera que Pedro Nuno Santos vitorioso seja um presente dado ao PSD?
Não, é exatamente o que estava a dizer. Os únicos instrumentos científicos de análise que temos ao nosso dispor são as sondagens, valendo o que valem, são os instrumentos que temos como método para fazer essa avaliação. E elas dizem o contrário, que não só sou o adversário que derrota Montenegro, como tenho maior vantagem nesse confronto.
Sentiu-se quase eleito ao ver o congresso do PSD?
Não, porque sou eleito pelos militantes do Partido Socialista, não pelos militantes do PSD e ainda faltam pelo menos duas semanas para essa eleição direta.
Os partidos da oposição apelidam-no de radical e lembram que foi o pai da geringonça. Porém, a seu lado estão nomes também mais moderados, diria, como Francisco Assis e Álvaro Beleza. Afinal, em que é que ficamos? Que Pedro Nuno é que vem aí? Mais radical ou mais moderado?
Em primeiro lugar, não sou o pai da geringonça, a iniciativa política é do líder do Partido Socialista António Costa e tive uma missão que me foi conferida por ele para promover os acordos primeiro e depois a coordenação entre os diferentes partidos que suportavam aquela solução governativa. E a questão que se deve colocar é o que houve de radical naquele governo. Quer dizer, assistimos a um extremar da linguagem que depois não tem adesão à realidade. Tivemos um governo que, de facto, produziu resultados muito importantes, a devolução dos rendimentos que tinham sido cortados, aumentaram-se pensões, aumentaram-se salários, o salário mínimo aumentou de forma muito significativa, aumentou a despesa social, a despesa com os serviços públicos e, enquanto isto se fazia, reduziu-se a dívida. Portanto, sem pôr em causa nenhum dos compromissos internacionais e europeus do país. Por isso, a questão que se coloca é o que houve de radical. E a questão coloco-a também ao próprio eleitorado do PSD em 2015. Quer dizer, quem é que do eleitorado do PSD foi verdadeiramente prejudicado por aqueles anos? Olho para esse discurso como proclamações panfletárias, sem qualquer adesão à realidade. Esse governo é um governo de boa memória para os portugueses, não é um governo de má memória.
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Portanto, vem aí um Pedro Nuno Santos mais radical ou mais moderado? Quer responder a essa questão?
Não, porque as questões não se colocam, na minha opinião, nesses termos. Quando defendo o Estado Social não estou a ser radical, estou a ser socialista, social-democrata. E por isso tenho muita dificuldade em perceber essa dicotomia. Ela diz muito pouco aos cidadãos portugueses, ao povo português e por isso serve também de muito pouco para o combate político. Aquilo que o povo português quer saber é quem é que tem o projeto capaz de os mobilizar e de mobilizar o país para o progresso, para que possamos construir um país onde se vive melhor. Tudo o resto é retórica panfletária, nada mais do que isso.
Nesta campanha do PS vemos uma certa corrida para o centro. Aliás, há um texto engraçado da Ana Sá Lopes sobre como a esquerda no PS normalmente acaba no centro ou na direita e depois a direita passa à esquerda, e a esquerda à direita, e depois governam ao centro. A minha pergunta é: o que é que o distingue do José Luís Carneiro e se votaria nele caso não fosse candidato?
Não me revejo nessa organização dos atores políticos ou dos políticos.
Não acha que sejam mais de esquerda ou de direita?
Não, não é isso. Percebo que se faça esse debate, é a forma dos jornalistas, comentadores políticos organizarem a análise política, mas não é assim que o povo olha para o debate político, para as eleições, e por isso também não me revejo muito nessa organização e no engavetamento que é feito a cada um. O meu foco não é naquilo que me separa do José Luís Carneiro. E percebo o interesse, mas o meu foco é naquilo que me separa de Luís Montenegro e aquilo que separa o Partido Socialista do PSD.
Mas ele não está a concorrer contra si nas eleições do Partido Socialista.
Percebo isso, só que os militantes do Partido Socialista, num processo eleitoral interno, avaliam a capacidade não só do PS derrotar o PSD, mas também naquilo que distingue o PS e o candidato à liderança do PS do PSD. E nesse campo as diferenças são muito relevantes. Vemos um Luís Montenegro a fazer promessas que vão contra a prática do seu partido em matéria de pensões, mas na realidade sabemos que a adesão do PSD à defesa do Estado Social é muito frágil. Pelo contrário, ao longo dos anos foram sempre apresentando propostas que tinham como objetivo desregular, liberalizar ou privatizar parte do Estado Social. Isso distancia-nos muito. Nós achamos que os serviços públicos e as funções sociais do Estado devem ser alvo de reformas, mas alvo de reformas que mantenham e preservem a sua natureza pública e universal. E esse distanciamento face ao PSD é claro, mas não é em matéria de desenvolvimento económico. Se tem uma estratégia que se limita à redução do IRC e que, por magia, essa redução faça a economia florescer, essa não é a nossa perspetiva. Temos uma perspetiva diferente do que deve ser a política económica, as políticas públicas que promovam o desenvolvimento económico, a aposta na investigação e no desenvolvimento.
Como concorre com mais dois candidatos, porque é que os militantes do Partido Socialista devem votar em si e não votar nos outros dois? O que é que o distingue perante a melhor performance com Montenegro?
Julgo que temos, a candidatura que lidero, tem uma capacidade maior de mobilização dos nossos militantes desde logo. E isso tem-se comprovado ao longo desta campanha, mas também uma capacidade maior de mobilização do povo português, de um eleitorado que tem uma perspetiva mais progressista da nossa sociedade, e é isso que quero trazer ao PS. A capacidade de mobilizar a energia do povo português para fazermos de Portugal um país onde vale a pena viver e isso acho que fazemos melhor do que qualquer uma das outras candidaturas.
De alguma forma já fez o luto da geringonça? O que lhe queria perguntar era em que circunstâncias, ou se há alguma circunstância específica, admitiria ter ministros do Bloco de Esquerda e do PCP no Governo?
Percebo o interesse de fazer essa avaliação e acho que os comentadores e os jornalistas devem fazer esse debate, mas verdadeiramente cada um dos diferentes partidos, à direita também, mas em todos os partidos de esquerda, vão apresentar os seus projetos, as suas candidaturas, e tentar mobilizar o melhor resultado eleitoral possível. Pós-eleições e perante a configuração parlamentar devem ser tiradas conclusões e daí encontrar uma solução. Uma solução governativa para o país. Isso depende dos resultados eleitorais, qualquer cenário que façamos hoje são meras conjeturas especulativas sobre o que vai acontecer no dia 15 e não acho que, enquanto potencial líder do PS e candidato às legislativas, deva fazer conjeturas especulativas sobre o que é que vai acontecer nos pós 10 de março. Estamos concentrados no cenário de vitória, é nesse cenário que estamos a trabalhar.
Mas isso não impediu António Costa, antes de se candidatar e antes da geringonça, ter colocado no seu programa eleitoral a possibilidade de um alargamento à esquerda, porque o colocou.
Hoje as coisas ainda são mais transparentes desse ponto de vista, porque, na realidade, até 2015 nunca tinha sido tentada aquela solução governativa, e, portanto, desse ponto de vista, era uma novidade, mesmo que António Costa tenha contestado sempre a tese do arco de governação onde só podiam aceder três partidos, sempre teve essa crítica a essa ideia de arco de governação. Também é verdade que nas vésperas das eleições ninguém imaginaria que acontecesse aquilo que aconteceu e que fosse possível construir aquela solução. Hoje há uma diferença face a 2015, entretanto, essa experiência existiu e produziu resultados que, aliás, desde logo foram positivos. E por isso, desse ponto de vista, não será estranho que uma solução dessas pudesse ser tentada, mas verdadeiramente, a participação ou não depende do nível de convergência a que se for capaz de chegar. E isso só conseguiremos perceber depois de umas eleições. Aliás, foi exatamente o mesmo processo pelo qual passámos em 2015. Dependendo do grau de convergência programática e política a que conseguimos chegar, o resultado, também do ponto de vista da solução, isto é, a solução governativa a que chegamos, ou que poderíamos chegar, dependeria sempre do grau de convergência a que conseguíssemos atingir em termos de matéria programática.
Neste mesmo estúdio, Rui Tavares disse a semana passada que estaria livre para integrar um governo de esquerda. Como é que ouviu essas palavras?
Com naturalidade. Isso faz parte, aliás, do programa do Livre.
Estaria disposto a acolhê-lo num seu governo?
Não quero fazer esse comentário. Estou a tentar manter essa disciplina, porque acho mesmo que cada partido deve fazer o seu trabalho até o dia 10 de março e mobilizar o eleitorado, o povo português, para os seus projetos e depois, consoante o arranjo parlamentar a que se chegar, encontrar-se uma solução governativa. Acho que, à partida, o que não deve acontecer é que o Partido Socialista feche portas. Isso seria um erro depois de termos derrubado os muros em 2015, seria um erro tremendo, até do ponto de vista da autonomia estratégica do PS, estarmos a reerguê-los.
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Deixe-me perguntar-lhe também sobre coligações pré-eleitorais. Sim ou não? E sim ou não com papel escrito? Ou não é preciso esse papel escrito, como tantos defendem?
Não, acho que não, pelo menos da parte do PS. Não está no nosso horizonte, antes pelo contrário, qualquer tipo de coligação pré-eleitoral. Isso pode ficar claro desde já.
E se ela vier a acontecer, mesmo que seja no pós-eleitoral, deverá ter um papel escrito? Estou a recordar-me, também, das palavras de Rui Tavares, que disse aqui que, por exemplo, o facto de não haver esse papel escrito foi um dos ingredientes que ditou o fim da última geringonça. Defende esse papel escrito ou não?
Concordo com essa ideia, até porque vivi os dois períodos, e admito, disse algumas vezes, que um dos principais contribuintes para a estabilidade política foi também o Presidente da República na altura, por ter feito essa exigência. Obviamente que isso implica que haja um trabalho e um comprometimento maior com o acordo a que se chega, mas estamos longe disso. Mais uma vez, é uma matéria que dependerá das eleições, dos resultados eleitorais, da relação de forças entre os diferentes partidos e, por isso, acho que é muito prematuro estarmos a fazer juízos sobre o que é que vai acontecer exatamente depois do dia 10 de março.
Já repetiu várias vezes que não admite deixar passar um governo do PSD minoritário, para impedir a chegada ao poder do Chega. Acha que é possível combater mais favoravelmente o crescimento da extrema-direita estando o Chega no governo?
O programa do Partido Socialista não é o Chega. E não podemos deixar que se reduza o debate político a essa forma nova de chantagem política sobre a democracia. Será um erro tremendo em que estamos todos a cair. O Partido Socialista avançará com um programa de transformação económica e social para que o país possa desenvolver e possamos todos continuar a construir um país com liberdade igual para todos. E essa é a batalha que vamos travar nestas eleições, tentar mostrar que temos o projeto certo para resolver os problemas da maioria do povo português. E é nesse registo que estamos. Há duas dimensões que explicam porque é que acho profundamente negativo que o Partido Socialista se disponibilize para ser uma muleta de um governo minoritário liderado pelo PSD. Um deles de ordem programática. A diferença entre este PSD e o PS, o atual PS, é já hoje grande. E quem vota no Partido Socialista não é para ter um governo de direita ou um governo liderado pelo PSD, suportado pelo PS. Esta é a primeira ordem de razão que tem a ver com o programa e com a nossa visão da sociedade. O segundo é da ordem democrática. A expectativa que alguns têm é que se evite que o Chega esteja no poder. Mas por quanto tempo? Não nos satisfaz apenas resolvermos um problema, evitá-lo ou adiá-lo quatro anos. Aquilo que faremos, e sempre fui muito crítico de qualquer forma de bloco central seja no governo ou acordo parlamentar, porque a nossa democracia precisa de válvulas de escape que deixariam de existir se tivéssemos o PS e o PSD comprometidos com a mesma governação. O único, ou quem mais beneficia com este quadro, na atualidade ou no mundo em que vivemos hoje, seria o Chega. E, portanto, esse seria um péssimo contributo que o Partido Socialista e o próprio PSD estariam a dar a um partido como o Chega. E por isso não resolvemos nenhum problema fazendo um acordo que evite temporariamente o Chega no poder.
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Encara com muita normalidade a chegada ao poder do Chega?
Não, não encaro. Acho que devemos travar esse combate e julgo que o eleitorado perceberá que a única forma de garantir que o Chega não chegue ao poder é votar no Partido Socialista. O Chega não é um problema do PS. Tenho visto o PSD sistematicamente a tentar passar o problema para o Partido Socialista, mas esse é um problema do PSD, não é um problema do Partido Socialista, que obviamente tem uma atitude perante a política, perante a economia, perante a sociedade que é diferente do PSD. E estamos a falar de um PSD, já disse isto também algumas vezes, estamos a falar de um PSD que hoje não depende da democracia cristã, é um PSD que depende de um projeto de direita que é, na minha opinião, radical.
Estamos a falar da Iniciativa Liberal.
Sim, mas que tem como objetivo transformar de forma também radical a forma como o país se organiza e como o Estado se organiza.
Mas não está de acordo com aqueles que afirmam que de alguma forma o PS andou a alimentar o Chega nesta legislatura? O Primeiro-Ministro fazendo como líder da oposição, pensando por um cálculo eleitoral que isso impede o PSD de chegar ao poder?
Mas é uma ideia fantasiosa acharmos que é um discurso do Primeiro-Ministro que faz o Chega crescer. O fenómeno a que assistimos em Portugal é um fenómeno que não é português, que é transversal a toda a Europa e não só, mas no quadro europeu onde há maiores semelhanças entre os nossos países, nomeadamente membros da União Europeia, é um problema que é transversal, não é um problema nacional, a responsabilidade não é especificamente do governo ou do líder do Partido Socialista. O problema é muito mais profundo.
E por falar em centro-direita, o PSD já fez promessas aos pensionistas, nomeadamente com o complemento solidário para os idosos, até os 820 euros. E o senhor, nesta matéria dos pensionistas que são eleitores tão importantes também para o PS, o que é que promete para este eleitorado?
Para já não prometo nada. O Partido Socialista tem sobre esta matéria um histórico que lhe dá credibilidade no futuro a qualquer compromisso que assumamos. Porque nós, ao contrário do PSD, já temos um líder do PSD a prometer o contrário do que fez, do que o seu partido fez. Tem mais dificuldade. Tem mais dificuldade em conseguir convencer os pensionistas de que o programa que têm para eles é credível e é executável, ou vai ser executado.
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Mas não fica tentado a superar estes 820 euros?
Se começarmos a fazer isso, cometemos um erro gravíssimo, não só do ponto de vista da credibilidade da democracia, mas do próprio sistema de pensões. E essa proposta que o PSD faz tem alguns problemas que carecem de explicação e de justificação.
Por exemplo?
Desde logo o impacto orçamental dela. Vemos um PSD que sistematicamente faz discurso sobre a necessidade de controlar as contas públicas e apresenta uma medida que pode ter um impacto orçamental muito significativo. Orçamental porque ele será pago pelo Orçamento do Estado, não pelo sistema de segurança social. E aquilo que, dos cálculos rápidos que pudemos fazer, estamos a falar para o universo atual, sem o alargar, para o universo dos atuais beneficiários de CSI, que são um pouco mais de 130 mil atualmente, para esse universo, entre 130 mil a 170 mil, para esse universo, este aumento significará acrescentar mais 500 milhões de euros de despesa por ano. Isso tem impacto. E há um segundo aspeto muito relevante, porque, obviamente, o caminho seguido ou escolhido pelo PSD desvaloriza a natureza contributiva do nosso sistema público de pensões. E que não é irrelevante e não pode ser irrelevante, não pode ser desvalorizado. O Complemento Solidário para Idosos já é um instrumento importante de combate à pobreza nos nossos idosos, não pode substituir o regime contributivo que custou muito a conseguirmos no país e que é verdadeiramente o sistema que garante liberdade aos portugueses depois de terem trabalhado uma vida inteira e terem uma reforma com dignidade.
Então o que está a dizer é que nunca dará um valor tão alto nesta componente dos idosos?
Esse é um debate que teremos de fazer. Para mim o importante são dois objetivos que temos de salvaguardar: a sustentabilidade das propostas que são feitas, isto é fundamental e os pensionistas sabem bem da importância disso, a importância dos avanços que se fazem não colocarem em risco as próprias pensões para que não tenhamos de recuar mais à frente, e o segundo é a defesa do sistema contributivo, que sinceramente nunca me parece que o PSD esteja muito interessado em salvaguardar. Ao longo da história dos últimos anos, o PSD foi apresentando propostas de privatização parcial do sistema público de pensões. A sua adesão a um sistema público como temos em Portugal é muito frágil, é precária e isso também está em jogo nesta proposta, porque isto mostra a visão do PSD em matéria de regime contributivo da segurança social.
Deixe-me tocar noutro tema: a reposição gradual do tempo dos professores, que também foi prometida por Montenegro, seu adversário. O senhor, nesta matéria, o que é que fará e como é que avaliou que se vai pagar também uma proposta como esta?
Foram anunciados alguns valores sobre quanto custaria essa proposta. Precisamos ainda de fazer a avaliação do custo real da medida, mas já tive a oportunidade, em público, de defender que o tempo de serviços dos professores deve ser reposto integralmente.
Mas integralmente de forma gradual e consoante, se for possível, do ponto de vista do custo? Os professores que nos estão a ouvir estarão a perguntar, mas faseada como? Em 10 anos, em 20 anos, ou num prazo de uma legislatura?
Não posso ainda fazer esse compromisso, ainda não entregamos a nossa moção, o nosso programa eleitoral vai ter ainda de ser feito e, por isso, há alguma cautela quanto ao prazo, quanto ao objetivo, que para mim é claro e, mais uma vez, se me permite, por duas ordens de razão diferentes. Uma delas de princípio, porque o Estado impõe às empresas do setor privado que cumpram, e bem, os contratos com os seus trabalhadores. O Estado tem de fazer o mesmo, senão é incompreensível. O Estado estabelece e tem conjunto de regras estabelecidas com os seus trabalhadores do Estado e tem a obrigação de as cumprir.
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Mas o Estado não tem sido uma pessoa de bem, então, ou tem sido uma pessoa de bem?
A verdade é que há um regime de progressão que não foi cumprido ao longo dos anos e houve uma justificação circunstancial, que teve a ver com uma dificuldade do Estado português, que, entretanto, foi superada. E a partir do momento em que ela é superada, deve procurar-se repor aqueles que são os legítimos direitos dos trabalhadores do Estado. E depois há uma segunda ordem de razão também muito importante. O Estado, muitas vezes, durante anos, os políticos puseram trabalhadores do Estado contra trabalhadores do setor privado para justificar cortes ou congelamento no setor público. E hoje sabemos que nos últimos quase dez anos, pelo menos nos últimos nove anos, os salários no setor privado cresceram três vezes mais que os salários na função pública. E isto causa um problema acrescido, não só para os trabalhadores do Estado, mas para todo o país, para toda a economia. Atualmente temos uma grande dificuldade em recrutar e reter quadros qualificados na administração pública e também na área da docência temos essa dificuldade. E por isso temos, ponto um, de valorizar as carreiras dos professores, mas quem fala de professores fala de outros trabalhadores do Estado, para ponto dois, termos uma administração pública mais atrativa, capaz de recrutar e reter quadros qualificados e assim também melhor dar resposta às necessidades do país. Quer dizer, a administração pública não existe para si, existe para a comunidade.
Tem uma fama, que considera incorreta, de radical. Mas a realidade é que em alguns conflitos laborais com os sindicatos procedeu, no caso da TAP, a despedimentos que foram considerados ilegais, com o algoritmo que punia as grávidas e as pessoas doentes. O algoritmo não punia?
Não, o algoritmo foi sendo corrigido.
Mas inicialmente assim acontecia. Portanto, o despedimento foi considerado ilegal, tanto no Tribunal da Relação como no Tribunal do Trabalho e também tem um conflito com os estivadores em que alinhou ao lado dos portos, requisitando civilmente os estivadores, destruindo a pool de trabalhadores que tinha melhores condições de salários e ficando com aquela que tinha as condições mais abaixo de cão. O que é que podem esperar de si esses trabalhadores sindicalizados?
Firmeza na defesa do interesse público. Firmeza na defesa do povo português e dos trabalhadores portugueses e firmeza na defesa da sustentabilidade das nossas empresas públicas e, portanto, dos empregos dos trabalhadores. Saio do governo com uma relação ótima com os sindicatos dos trabalhadores da TAP. Não tenho nenhuma má relação com nenhum sindicato que represente trabalhadores da TAP. E lembro que conseguimos na TAP acordo com todos os sindicatos sobre o plano de reestruturação que veio a ser implementado. Os despedimentos não são feitos por mim. Há um plano de reestruturação que implicou uma redução da empresa que estava parada, tinha os aviões no chão, a alternativa era, em vez de termos feito a injeção que fizemos, termos feito uma injeção superior a cinco mil milhões de euros. E isso era o que estava em causa quando fazemos uma determinada projeção com base numa procura que era aceite e partilhada pelo mundo da aviação, da IATA, e a partir daí constrói-se um cenário e desse cenário foi identificado aquilo que a empresa entendia como sendo um número de trabalhadores acima daquilo que a empresa necessitaria. E por isso, essa redução foi feita, mas a esmagadora maioria dos trabalhadores foi com rescisões por mútuo acordo. O despedimento coletivo esteve reduzido, julgo, no fim, acabou por ser menos de uma centena que recusaram o acordo com a empresa. E a empresa claramente precisava daquela reestruturação, tanto precisava, que era uma empresa que dava 100 milhões de euros de prejuízo antes, nas vésperas da pandemia, e que nos primeiros nove meses deste ano deu 200 milhões de euros de lucro. E temos também de mostrar que as empresas públicas podem ser empresas que dão resultados, que funcionam de forma saudável e essa é a melhor forma de protegermos também os trabalhadores da empresa. Hoje a TAP está a contratar, mas isso implicou que se fizesse uma reestruturação da empresa.
E em relação aos portos?
Em relação aos portos, já foi logo no início. Tínhamos problemas no Porto de Lisboa, é uma situação muito particular, com regras muito especiais e um Porto que estava sistematicamente com greves que paralisavam a atividade do Porto de Lisboa. Hoje não há conflito social no Porto de Lisboa e isso é bom. E temos os estivadores a trabalhar, temos o Porto a funcionar e julgo que no final deste período conseguimos um bom resultado. Quer dizer, não temos conflito social no Porto de Lisboa.
Também não tem sindicatos.
Não é verdade, isso não é verdade. E não foi partida a espinha a nenhum sindicato, antes pelo contrário. Conseguimos, e é muito importante que qualquer partido em Portugal e nomeadamente à esquerda, consiga mostrar que é possível construirmos soluções nas quais os trabalhadores participem, sejam respeitados e que garantam, um funcionamento saudável. Não houve nenhum despedimento no Porto de Lisboa.
Falando em relação à saúde, neste momento, apesar de termos um governo do Partido Socialista, no Serviço Nacional de Saúde com os problemas que tem, praticamente metade do seu orçamento vai para os privados. Pretende combater esta situação e qual é o modelo de gestão de equilíbrio entre públicos e privados em termos de saúde?
O setor privado da área da saúde tem lugar em Portugal e tem lugar em Portugal a possibilidade de os cidadãos portugueses poderem recorrer ao setor privado, que também deve ser salvaguardada e protegida. Agora, o Serviço Nacional de Saúde tem de conseguir ser eficiente e tenho muitas dúvidas de que o recurso ao setor privado por parte do SNS seja a forma mais eficiente de gerir os recursos públicos. Há um conjunto de atividades que podem ser internalizadas e isso garantir uma maior eficiência na própria gestão do serviço público. Isso foi feito na educação quando havia sobreposição da oferta educativa entre público e privado no mesmo sítio e houve uma reforma que teve alguma resistência, mas não fazia sentido termos uma escola pública que estava a funcionar a metade da sua capacidade e do outro lado da rua termos um colégio privado que também era financiado pelo Estado. Devemos usar os recursos do Estado e os recursos públicos da forma mais eficiente possível. Durante décadas o setor privado começou a recorrer de forma crescente ao outsourcing, o setor privado e as empresas privadas, externalizando um conjunto de serviços que antigamente estavam internalizados nas empresas privadas. E isso começou também a ser feito no próprio Estado. Atualmente, vemos muitas empresas privadas a voltar a internalizar muitas das suas atividades. E fizemos isso, aliás, na CP. A CP tinha sido partida há uns anos, a empresa de manutenção da operação, com a criação da MF. Voltámos a internalizar essa empresa de manutenção da CP. Atualmente está a funcionar muito melhor e há ganhos do ponto de vista de eficiência.
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E no caso da saúde, já fez essas contas? Se vale a pena financeiramente fazer essa opção?
Esse trabalho terá de ser feito. Estamos a fazer essa análise, mas parece-me que há um conjunto de atividades que podem ser realizadas pelo Serviço Nacional de Saúde e muito provavelmente o Serviço Nacional de Saúde poderá poupar em fazê-las no quadro da sua capacidade de resposta. O Serviço Nacional de Saúde é mesmo a nossa mais importante construção coletiva desde o 25 de abril. A mais bem-sucedida. O país tem indicadores em matéria de cuidados de saúde que nos comparam com os países mais avançados do mundo. E isso é motivo de orgulho para todos os portugueses. A reforma do Serviço Nacional de Saúde para nós não significa desistir do Serviço Nacional de Saúde, como acho que é a resposta do PSD. A resposta é salvar o Serviço Nacional de Saúde.
Promete salvar e investir no Serviço Nacional de Saúde?
Obviamente que salvar o Serviço Nacional de Saúde, reformar o Serviço Nacional de Saúde, implica investimento no Serviço Nacional de Saúde, que desde logo também se traduz em investimento nos profissionais de saúde.
E no caso dos médicos, está na sua meta, se for eleito o líder do PS e depois por sua vez primeiro-ministro, está nos seus objetivos fazer um acordo com os médicos e que tipo de acordo?
É obrigatório que consigamos, fazer um acordo com os médicos e não só com os médicos, nunca esquecer todos os outros profissionais de saúde que estão nos nossos hospitais de saúde.
E ao fim deste tempo todo não se fez porquê? Foi falta de jeito? Foi falta de vontade política?
Não estive nas negociações e, portanto, tenho mais dificuldade em dar uma resposta quanto a isso. Conheço o ministro da Saúde e reconheço grande capacidade política ao atual ministro da Saúde e, por isso, ainda tenho a expectativa de que o acordo venha a ser atingido. E espero que o ministro da Saúde tenha ao seu dispor todas as condições necessárias para chegar a acordo. Porque se não formos capazes de chegar a acordo com os profissionais de saúde, seja os médicos, seja os enfermeiros, o Serviço Nacional de Saúde não tem qualquer futuro, não tem qualquer viabilidade.
Vai colapsar?
É óbvio. Sem profissionais de saúde não há Serviço Nacional de Saúde a funcionar. Os profissionais de saúde não estão a fazer exigências irrazoáveis. A verdade é que os profissionais de saúde e os médicos, em particular, tiveram uma perda de poder de compra muito acentuada nas últimas duas décadas. Isso não pode ser ignorado. E se quisermos, nem é só uma questão ideológica, é uma questão muito prática, embora a ideologia esteja sempre presente em tudo, até na prática, mas é uma questão muito pragmática. É tão simples quanto isto: ou temos um Serviço Nacional de Saúde que seja atrativo para os médicos e para os profissionais de saúde em geral, ou então não temos Serviço Nacional de Saúde. Estamos a falar de um serviço que é profundamente de mão de obra intensiva, recorre a muita tecnologia, depende de mais do que outros setores, são mais capital intensivo, depende de mão de obra, depende de homens e mulheres. E por isso, normalmente quando falamos de salário, do ponto de vista contabilístico, falamos de despesa corrente. Para mim, investir no Serviço Nacional de Saúde, investir nos médicos, nos restantes profissionais de saúde, é investimento.
Enquanto comentador fez críticas ao orçamento, que vai ser votado esta semana [a entrevista foi gravada na véspera da votação], mas nos últimos dias veio dizer que se for governo vai concentrar-se no cumprimento deste OE tal como ele está. Afinal, concorda com tudo, subscreve o que escreveu António Costa e Fernando Medina ou alteraria algumas pastas?
Tive a oportunidade, na minha breve carreira de comentador, de falar sobre o Orçamento do Estado.
De falar e de criticar.
Não, de o defender, de o defender. Acho que até usei o qualificativo brilhante. E vou votar a favor do Orçamento do Estado, mas, ao mesmo tempo dizer que achava que a trajetória de redução da dívida pública podia ser outra. E quando digo que podia ser outra, podia ser aquela que o próprio governo se tinha comprometido com Bruxelas a fazer. Porque estamos a fazer uma trajetória de redução da dívida pública mais acentuada do que aquela com que nos tínhamos comprometido perante Bruxelas.
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Estamos a ser mais papistas do que o Papa, é isso que está a dizer?
Estamos a reduzir mais do que era necessário. Continuo a achar que a redução da dívida pública é relevante e esse esforço deve continuar. Como, aliás, aconteceu neste governo desde sempre, também no primeiro governo, apoiado por vários partidos. Agora, o que acho é devemos, e foi isso que defendi, podíamos fazer uma trajetória de redução da dívida, de uma dívida mais lenta, para resolvermos alguns problemas mais rápido.
Como por exemplo?
Desde logo, resolvermos os problemas que temos com alguns serviços públicos, nomeadamente na saúde e na educação.
Por falar em contas que não são assim tão certas, há uns anos, no início da legislatura, apresentando a nova geração de políticas de habitação, o Primeiro-Ministro disse que nos 50 anos, no 25 de Abril o problema estava basicamente resolvido. Não está. Quais são três medidas para resolver o problema que defende?
Em primeiro lugar, uma revisão do pressuposto, porque o compromisso tinha que ver com a situação de indignidade em matéria de habitação. Mais do que o discurso inicial, não foi sobre a construção de habitação para a maioria das pessoas, independentemente da sua condição financeira. Era dirigido à população mais carenciada, que vivia em situações de sobrelotação, insalubridade e por aí fora.
Também não foi cumprido?
Não é isso. É que a primeira estimativa que foi feita era muito abaixo da realidade, porque foi uma estimativa feita por cima. Depois há um processo que é feito por cada um dos municípios. Cada um dos municípios foi fazer uma identificação das necessidades e o resultado final foi muito superior à estimativa inicial.
Mas também não se cumpriu a estimativa inicial.
Neste momento, e já comigo a ministro, lançámos o maior plano de investimento público em matéria de habitação desde sempre.
Dois mil milhões, mas obviamente que ainda não está em funcionamento.
É o maior da história do país. O país, acordou para o problema da habitação há coisa de um, dois anos.
Mas porquê?
Pelas razões que são conhecidas. Infelizmente, e mais uma vez, não é um fenómeno nacional, é um fenómeno europeu. Aliás, diria mesmo mundial. A habitação deixou de ser um bem procurado para a sua função residencial, passou a ser um bem procurado como ativo financeiro e isso mudou radicalmente a forma como se olha para o mercado. A direita, nomeadamente a Iniciativa Liberal, reduz o problema a uma questão de oferta. Falta de oferta. O problema é muito mais do que isso porque temos uma procura avassaladora, não só nacional, mas internacional. E não há oferta que consiga aguentar.
E então porque é que não atuam nessa parte?
Este governo começou a fazer isso, desde logo retirando incentivos perversos. Adotando medidas mais restritivas para o alojamento local, acabando com os vistos gold para o imobiliário e acabando com o regime fiscal favorável para os não-residentes. São instrumentos que, provavelmente, ajudaram a estimular ou participaram nesta facilitação desta procura avassaladora e o governo começou a retirar estes incentivos. Mas a estratégia mais eficaz, o problema é que ela demora, mas a estratégia mais eficaz é o Parque Público de Habitação. Que em Portugal temos do parque total 2%. Isto é, o Estado não tem poder de fogo para conseguir dar resposta às necessidades da população em matéria de habitação e esse é o maior desafio que temos. O governo espanhol, agora com o acordo entre o PSOE e o SUMAR definiram como objetivo 20%, para percebermos a distância a que estamos do objetivo que foi definido em Espanha. Isso vai implicar uma mobilização de recursos muito significativa, mas não tenho a menor dúvida que esse é o caminho. Habitação não apenas, e esta questão é fundamental, porque quando ouvimos falar em investimento público em habitação, pensamos em habitação apenas para a população mais carenciada, mas é fundamental que consigamos que a resposta tenha presente na sua preocupação a população de rendimentos intermédios. Isso é fundamental e o objetivo do plano que lançámos, entretanto, é esse, é conseguirmos habitação para a população mais carenciada, mas também para a população de rendimentos intermédios.
Na parte da intervenção sobre as questões financeiras no mercado de habitação, falou-me de medidas, mas ficaram medidas que ficaram aquém. Porque quando se fala do alojamento local, ficou para a decisão da autarquia, quando se fala dos residentes não habituais, foi adiado mais um ano.
Podíamos ter ido mais longe em cada uma dessas propostas, dessas áreas, mas não é uma bala de prata para o problema da habitação. Não tenhamos a ilusão de que isso vai resolver. Depois, estamos inseridos na União Europeia, que tem um conjunto de regras que impedem algumas das medidas que vou vendo sendo anunciadas. Quer dizer, a mobilidade de capitais na União Europeia não pode ser travada por um Estado-membro, a não ser que estejamos na disposição de sair da moeda única.
Se nenhum investidor privado aceitar ficar com 51% do Estado na TAP, inclina-se para uma privatização maior ou para uma nacionalização total?
No caso da TAP há um objetivo que deve ser preservado, que é a posição negocial do Estado português. Isso implica que partamos para a negociação com disponibilidade para ouvirmos e para tentarmos perceber quais são as possibilidades que temos. Diria que, em primeiro lugar, devemos tentar uma solução que permita ao Estado manter a maioria do capital, mas isso implica que se inicie um processo negocial. Não devemos, à partida, fechar portas, porque isso diminui a posição negocial do Estado português.
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E para essa maioria bastaria os 51%?
Sim, mas mais uma vez, não quero fechar-me, nem acho que o Estado português esteja a fechar uma percentagem em particular.
E sobre o aeroporto, o senhor chegou a anunciar uma localização, depois foi desautorizado pelo Primeiro-Ministro. Se for governo, voltará a olhar para Alcochete-Montijo? Vai respeitar aquilo que foi o relatório final, final deste ano, da localização do aeroporto? O que é que pretende fazer?
Para já, pretendo decidir. Porque a mim acusam-me de impulsividade porque em Portugal identificamos impulsividade com decisão e faz-se uma caracterização errada do que significa decidir.
O caso do aeroporto não foi impulsivo?
Não.
O primeiro-ministro não estava de acordo com a situação?
Houve um desencontro e houve uma descoordenação. E, no limite, quem tem a última palavra é o Primeiro-Ministro e por isso esse despacho foi revogado.
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Mas continua a acreditar que aquele seu anúncio era a melhor decisão, a melhor localização para o aeroporto?
Até à criação da Comissão Técnica Independente o país já tinha estudado 17 localizações. O primeiro estudo foram cinco localizações diferentes em 1972, com Marcelo Caetano. Passaram quase 52 anos. E o país perde milhares de milhões de euros com a ausência desta decisão, além da cidade, de Lisboa, mas isso é uma questão muito relevante, não quero sequer diminuí-la. Mas em cima do facto que temos esta situação única na Europa, que é um aeroporto desta dimensão no centro de uma cidade, também é verdade que ela limita profundamente a capacidade do país de se posicionar como um hub que liga o Atlântico à Europa. E por isso essa é uma decisão urgente. Entretanto, foi criada uma Comissão Técnica Independente e esse trabalho deve ser respeitado. Agora, presumo que aquilo que sairá do relatório não é uma solução, mas sim vantagens e desvantagens de diferentes soluções, deixando o campo aberto à decisão política e à análise de cada cidadão, especialista ou não. Acho que depois deve ser procurado o acordo mais consensual possível, não limitado ao PSD, passando pelo PSD, mas envolver todas as forças políticas, com a certeza de que, mesmo que não haja acordo, a decisão tem de ser tomada.
E admite que não possa ser Alcochete ou Montijo como tinha defendido?
Admito. A partir do momento que temos uma Comissão Técnica Independente que ainda acrescentou novas localizações às 17 já tinham sido estudadas, acho que temos de estar de espírito aberto para analisar o relatório que será produzido e apresentado pela Comissão Técnica Independente.
Como é que vai combater o modelo de baixos salários na economia portuguesa? Admite reverter a quase suspensão da contratação coletiva, coisa que o PS não fez sobre várias normas laborais quando esteve no Governo?
Acho que podemos revisitar algumas das normas em matéria de contratação coletiva. Ela não baixou.
Mas também não foi ajudada.
Ela não baixou, houve até aumento de contratos coletivos. A questão é saber no quadro que temos hoje, onde é que está a relação de forças e se a legislação e se a lei protege de facto a parte mais fraca na relação laboral no quadro dessa negociação coletiva. E essa é uma reflexão que todos temos de fazer. Mas uma coisa é certa: sempre nesta articulação, pelo menos do nosso ponto de vista, entre empresários e trabalhadores. No quadro de concertação, diálogo e negociação, essa vai ser sempre a nossa forma de encarar todas essas alterações.
Mas a contratação coletiva é isso, não é? O acabar a caducidade da contratação coletiva permite negociar os trabalhadores com os empresários e subirem os salários.
Depende, porque depois temos de fazer uma avaliação sobre se nesse quadro dessa negociação a legislação pode reforçar, dar o poder absoluto a uma das partes e aquilo que queremos é promover a concertação e a negociação. Acho que é a melhor forma de conseguirmos fazer avanços também para os próprios trabalhadores e será esse o nosso espírito. Mas verdadeiramente, a forma mais eficaz de conseguirmos que em Portugal se paguem melhores salários é ter uma economia mais sofisticada e mais diversificada. Adianta de muito pouco termos uma contratação coletiva que dá muito poder aos trabalhadores perante uma economia que é incapaz de pagar melhores salários. Não há milagres. E desse ponto de vista, o que temos de fazer é ter uma estratégia de desenvolvimento que permita às nossas empresas graduarem-se, migrarem para setores de maior valor acrescentado, que lhes permita também pagar melhores salários ao povo português. E essa é a estratégia que queremos trazer. Estávamos a fazer isso, por exemplo, no setor ferroviário. No Ministério das Infraestruturas o nosso trabalho era infraestrutura, era transportes não era economia, mas fizemos e lançámos um concurso que é o maior de sempre de aquisição de comboios da CP e trabalhámos com a empresa para que o caderno de encargos nesse concurso no respeito pela legislação europeia, mas que desse os incentivos para que os concorrentes percebessem que para ganhar o concurso tinham de fazer uma fábrica cá. E a verdade é que os três concorrentes que ficaram para o fim, terça-feira foi adjudicado foi adjudicado a um dos fabricantes, os três que tinham ficado até ao fim comprometeram-se a fazer uma fábrica de comboios em Portugal. Com a estratégia correta, podemos ajudar a nossa economia a migrar para setores que estão em franco crescimento na Europa, como é o caso aliás do setor ferroviário.
É inevitável falar da Justiça, não só porque o país atravessou o caso Influencer, que despoletou uma crise política, mas porque também soubemos nas últimas horas que João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, é suspeito de abuso de poder, e não só, no caso do Hospital da Cruz Vermelha, IPDJ e Instituto Ricardo Jorge. Creio que é um seu apoiante, como é que comenta este caso?
Não conheço, não tive oportunidade sequer de falar com ele e por isso não devo fazer comentários sobre, não sei muito mais do que aquilo que saiu na comunicação social.
E no caso da operação Influencer, pelo que assistimos, remete-lhe para algum tipo de crítica algum tipo de reforma na Justiça que queira aqui deixar também como mensagem final?
Sobre isso também me tenho imposto uma disciplina férrea.
Está muito disciplinado.
Não, claro, limitar-me.
Tirando-nos "não, não".
Já sabia que tinha essa muleta, mas pronto, começo com um não.
E no caso da Justiça?
Há dois princípios que são para mim fundamentais e devem ser sempre preservados: a presunção de inocência e a independência do poder judicial. E sobre isto acho que devo ser mesmo muito rigoroso, porque me candidato à liderança de um partido e à liderança de um governo da República, e os diferentes poderes devem ser respeitados. Não quero fazer nenhum juízo, nem nenhum comentário sobre um caso judicial em particular. Acho que é errado fazê-lo, compreendo que outros o façam, mas alguém que se está a candidatar à liderança de um partido que pode governar Portugal, não o deve fazer. E por isso vamos esperar deixar a Justiça fazer o seu trabalho, sem que isso signifique que não tenhamos uma ideia sobre a necessidade de reformar a Justiça. Mas também acho que fazer a reforma da Justiça ou apresentar propostas em cima de um caso mediático é errado. E, infelizmente, vamos sistematicamente fazendo isso: quando há um caso mediático aparecem logo um conjunto de propostas. Essa não é a forma correta de legislar.
Esta foi a primeira entrevista em rádio com Pedro Nuno Santos enquanto candidato à liderança do PS, conduzida pela diretora de informação da TSF, Rosália Amorim, e Nuno Ramos de Almeida (DN).
