A falta de resposta aos problemas denunciados em março está na origem das demissões. Diretor clínico diz-se angustiado por trabalhar num hospital com as condições denunciadas.
Corpo do artigo
Condições indignas, enfermarias com buracos no chão e humidade nas paredes, falta de meios, de recursos humanos, atrasos nos tratamentos (nomeadamente os oncológicos), doentes de risco em lista de espera há mais de 6 meses; enfermarias com mais de 30 camas e uma única casa de banho - são alguns dos motivos apresentados para o pedido de demissão do diretor clínico e dos diretores e chefes de serviço do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
Entre os demissionários, que representam 95% dos corpos dirigentes deste hospital, estão o diretor clínico do hospital e vários outros médicos com funções de chefia, como diretores de serviço e de departamento e também o responsável pela urgência do hospital que serve cerca de 700 mil pessoas.
Jorge Maciel, diretor do serviço de cirurgia geral disse esta quarta-feira, em conferência de imprensa, que a ala está "decrépita", com buracos no chão e humidade nas paredes e sem quaisquer condições para ter doentes. As obras nas instalações sofrem sucessivos atrasos e nunca são suficientes.
"Há um ano assistimos a uma tragédia nacional: ardeu Pedrógão. E apareceu dinheiro, até para recuperar casas que nem destruídas foram. É preciso que o Ministério (da Saúde) perceba que Gaia está a arder, só que as labaredas são diferentes", atirou Jorge Maciel.
José Pedro Silva, diretor clínico demissionário do hospital, diz que a sua grande "angústia" é trabalhar num "hospital parcialmente destruído, que funciona mal" e que não pode oferecer o seu melhor aos doentes que lá estão internados.
O diretor clínico dá vários exemplos: no serviço de urologia, a enfermaria tem 16 camas para uma única casa de banho, que fica afastada dessa ala. Em ortopedia, são 22 camas para uma única casa de banho. No serviço de cirurgia masculina, a proporção é de 34 camas para uma casa de banho.
Segundo José Pedro Silva, o financiamento do hospital não é o adequado, o que faz com que falte sempre pessoal médico, dinheiro e pessoal auxiliar.
O diretor de cardiologia, Pedro Braga, explicou que há 70 a 80 doentes com doenças estrutural grave em lista de espera e a tutela e a administração do hospital têm conhecimento desta situação.
O bastonário da Ordem do Médicos, Miguel Guimarães, também esteve presente nesta conferência de imprensa e deixou um apelo ao primeiro-ministro para que a discussão do Orçamento de Estado 2019 tenha em conta esta situação. Segundo o bastonário, a situação de Gaia tem que ser "prioritária" e é necessário que seja disponibilizada uma verba para fazer obras de intervenção no hospital.
O bastonário e os diretores deixam ainda o aviso de que caso contrario "é impossível assegurar os cuidados médicos" e "em breve haverá mais casos como o que aconteceu hoje em Vila Nova de Gaia".
"Quem está a gerir diretamente o Hospital de Gaia é o administrador, que aparentemente não está a conseguir gerir o hospital e isto é um problema grave. O diretor do Hospital de Gaia não tem condições para liderar a mudança que tem que acontecer no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia", acrescentou Miguel Guimarães.
Já os dirigentes clínicos garantem não pretender demissões na administração mas, uma vez que "nada tem mudado", admitem que o futuro pode passar por aí.
Para já fica a garantia dada pelos dirigentes demissionários de que não vão parar de servir os doentes, garantindo que amanhã se vão apresentar ao serviço, a não ser que administração não o permita.
A carta de demissão apresentada pelos dirigentes clínicos do hospital é datada de julho, mas só hoje foi efetivada a intenção de abandonarem os cargos que ocupavam.
Esta era uma situação que já se arrastava desde março, mês em que o bastonário da Ordem dos Médicos visitou o hospital para se reunir com os diretores de serviço e de departamento. Nessa reunião, os médicos fizeram saber que se demitiriam caso as condições no hospital - entre elas o "caos" nos serviços de urgência e de internamento - não melhorassem.