"Deus por Testemunha": abusos sexuais de menores em filme no Paço Episcopal de Setúbal

D.R.
É a quinta edição do Festival CLIT - Cinema em Locais Inusitados e Temporários. Começa sexta-feira e vai até dia 31, próxima quinta. Há sessões em Montemor-O-Novo, Palmela e Setúbal. Filmes sobre abusos sexuais na igreja, perda de filhos e até temas escolhidos por partidos políticos a pensar nas eleições autárquicas
Corpo do artigo
Cinema com acesso livre e gratuito em locais inusitados e temporários. O festival vai ter a projeção, na Casa Episcopal de Setúbal, de um filme que trata de abusos sexuais de menores nos EUA: Deus Por Testemunha, (God As My Witness, nome original). Luís Humberto Teixeira está na organização e direção deste evento.
Que filme é este e qual a importância de passar na Casa Episcopal de Setúbal?
Deus Por Testemunha é um documentário norte-americano sobre os abusos sexuais de menores por parte de padres católicos em Nova Orleães. Tomámos contacto com este documentário recentemente, em abril deste ano, quando estávamos a preparar a quinta edição do Festival de Cinema em Locais Inusitados e Temporários. O que aconteceu foi que vimos a força do documentário e pensámos que seria interessante passar num espaço que estivesse relacionado com a Igreja Católica. E o que fizemos foi enviar um contacto diretamente para o cardeal Américo Aguiar. A resposta que obtivemos, no espaço de poucas horas, foi: "Parece-me uma excelente ideia." Perante esta abertura da Igreja Católica para poder acolher um documentário que fala sobre problemas no seio da Igreja Católica, noutro ponto do mundo é certo, mas que sabemos que também teve casos em Portugal, obviamente dissemos: "Excelente, que espaço é que poderia ser?" Perguntámos se havia uma igreja ou a Casa Episcopal e a resposta foi a Casa Episcopal. Foi assim que se processou e foi bastante rápido.
Nós não estávamos à espera de uma resposta tão célere, fomos surpreendidos pelo cardeal América Aguiar na celeridade da resposta, mas foi muito bom, porque permitiu-nos fazer os contactos, por exemplo, com o grupo Vita, que a coordenadora, a Rute Agulhas, estará a falar sobre a realidade nacional a seguir ao visionamento do filme. E a realizadora norte-americana, a Lindsay Quinn Pitre, irá também estar presente na sessão, juntamente com o produtor executivo, o Mike Grantner, que é igualmente uma vítima indireta dos abusos. Há 30 anos, ele foi a pessoa que entrou em casa do irmão porque não tinha notícias dele e deu com o irmão morto, porque se tinha suicidado e não conseguiu perceber porquê. Veio a descobrir, mais tarde, ao vasculhar o que o irmão tinha deixado, cartas que ele tinha recebido de um padre. Foi juntando tudo isso e achando aquilo um pouco estranho. Depois, quando começou a falar-se mais na questão dos abusos, ele percebeu o que é que poderia ter levado ao suicídio do irmão e percebeu que estava relacionado com aquela situação dos abusos quando era criança, quando era pré-adolescente e adolescente.
Quando é que passa?
Passa no domingo, dia 27, às 16h00, na Casa Episcopal de Setúbal.
O festival começa como já disse esta sexta-feira. Que destaques é que tem, desde logo na abertura?
Na abertura temos cinema brasileiro, uma vez que é no Convento de Jesus, que é um monumento manuelino. Achámos que fazia sentido investirmos em passar cinema brasileiro e vamos passar um documentário que se chama Incompatível Com a Vida da Eliza Capai, que fez este documentário porque estava grávida, tinha as máquinas e estava a acompanhar a sua gravidez. Quando, de repente, recebe a notícia de que o feto é incompatível com a vida. O que é que ela faz? Continua a gravar, ou seja, é um documentário bastante intimista e ela depois vai falar com outras mulheres que passaram por casos similares, pela situação de perder um filho. Portanto, é sobre a questão da morte neonatal e do luto maternal.
Como o companheiro dela era português, ela pôde vir a Portugal fazer uma interrupção pela questão da malformação, mas no Brasil a situação é diferente. As mulheres que têm estas situações podem inclusivamente ser presas se não tiverem uma autorização dos tribunais para fazer uma interrupção.
Eliza Capai, realizadora brasileira do filme Espero Tua (Re)volta, sobre o movimento estudantil no Brasil em 2015.
Exatamente, é a realizadora do Espero Tua (Re)volta e que, recentemente, passou a fazer parte da Academia de Hollywood. Aceitou há semanas a proposta para integrar a Academia, porque o Incompatível Com a Vida esteve pré-qualificado para os Óscares em 2023.
Na verdade, o cinema brasileiro tem honras de abertura na quinta edição do CLIT, com a exibição da curta-metragem Meu pequeno sentinela, de Lucas Marques, e do documentário Incompatível com a vida, de Eliza Capai. Estas duas obras, que têm em comum a abordagem ao luto maternal, serão exibidas nos claustros do Convento de Jesus, monumento que data de 1500, ano da chegada de Pedro Álvares Cabral à terra de Vera Cruz, e que entre 1888 e 1959 funcionou como hospital. A sessão contará com a presença da premiada atriz Marina Azze e do produtor Lucas Maciel Belo, da equipa de Meu pequeno sentinela.
Depois, na segunda-feira de manhã, há uma masterclass para aprender a documentar a vida, é isso? Documenting Lives...
Sim, na segunda-feira de manhã. O realizador John Alexander e a produtora JC Guest, relacionados com o documentário que estreámos em Portugal em 2022 chamado Little Satchmo, que é a história da filha secreta do Louis Armstrong, nós vamos passar no dia de encerramento novamente, para quem possa não ter visto nas exibições que fizemos anteriormente no âmbito do festival.
Então o John Alexander, como vinha novamente para essas exibições, nós perguntámos se ele não queria explicar, um pouco, como é que fazia os seus trabalhos de documentário, porque ele tem feito vários trabalhos sobre vidas de pessoas, geralmente na área da música. O caso da filha do Armstrong, ela não é cantora, mas o pai era músico. Portanto, o John aborda estes temas na área da música, ele achou excelente e achámos que seria uma coisa que poderia interessar ao público, saber um pouco mais através da masterclass deste realizador, porque ele, afinal, tem feito um trabalho muito bom e foi reconhecido com um Emmy em 2023 por este Little Satchmo e achámos que poderia ser interessante haver esta partilha com as pessoas. Eventualmente estudantes, outros realizadores que queiram aprofundar a área do documentário e é para essas pessoas que está um pouco direcionada esta masterclass. Quem estiver interessado tem de fazer a inscrição prévia até sábado, para podermos ter uma noção do número de pessoas e o espaço ser escolhido em consonância, será sempre em Palmela. Temos aqui já alguns espaços que temos falados. Em princípio, vamos para um espaço mais intimista para permitir também que as pessoas tenham uma experiência diferente, de se poder fazer mais perguntas e perceber melhor as coisas e têm assim um ambiente mais próximo. Agora, tudo depende também da quantidade de pessoas que se inscreveram porque sabemos que poderá haver estudantes, sobretudo, a inscrever-se.
O festival acaba dia 31. O que é que está previsto para o encerramento?
No dia do encerramento, nós vamos começar por fazer às 19h30 um sunset e, uma vez que o festival decorre entre Setúbal e o Alentejo, vamos ter a música de um artista local, o Noitibó ou Pedro Banza, que junta o folk das planícies alentejanas com os blues do Vale do Sado. É uma escolha musical diferente, mas que achamos que faz todo o sentido para o nosso festival. A seguir a esse sunset, que é nas instalações da delegação do Inatel em Setúbal, vamos exibir o La Chambre da Latifa Said e Little Satchmo do John Alexander.
O La Chambre, da Latifa Said, é uma curta-metragem que joga muito bem com o outro filme, porque enquanto o Little Satchmo é a história de uma filha que o pai nunca reconheceu publicamente que ela existia, o La Chambre é a história de uma filha que, na sequência da morte do pai, que tinha emigrado e tinha deixado a família, ela percebe quem é que era aquela pessoa com quem tinha perdido o contacto e que ela tinha pensado que tinha deixado de ter quaisquer ligações com a família, que deixou para trás, e ali compreende que não era bem assim. Não vou estar a estragar muito mais a história a quem quiser ver o filme. Não vale a pena colocar aqui muitos spoilers, mas não era bem assim a ideia que ela tinha daquele pai que se foi embora. Havia ali outras nuances. E é um filme bastante interessante e o produtor desse filme, que é português, o João Antunes, também estará presente na sessão.
Temos eleições autárquicas a 12 de outubro e este festival decidiu não passar ao lado destas eleições. De que forma é que o duelo autárquico vai estar refletido neste festival de cinema?
Para não passar ao lado das autárquicas, nós desafiámos os partidos que já têm candidaturas anunciadas ou candidaturas prováveis à Câmara Municipal de Setúbal a acolherem sessões nos seus espaços, filmes que já tivessem passado anteriormente no festival. Para ser mais fácil, houve uma escolha prévia dos filmes e dos temas.
Então, o que é que aconteceu? Obtivemos resposta positiva de cinco forças políticas. O Bloco de Esquerda disse-nos que gostava de passar uma série de curtas-metragens sobre direitos das mulheres e é isso que vai exibir no dia 30 na sua sede. A Iniciativa Liberal quis pegar em questões de tecnologia e escolheu um espaço que não é revelado à partida, mas que é fácil de detetar com as pistas que vamos dar, para falar sobre estas questões da tecnologia e da inteligência artificial, do seu impacto na sociedade. Temos ainda o movimento de cidadãos Setúbal de Volta, encabeçado por Maria das Dores Meira, que vai pegar nas questões de educação e cultura, com um documentário chamado Topowa. É muito interessante, é sobre uma banda do Uganda que acaba por ir tocar ao Reino Unido, composta por miúdos de bairros de lata.
E temos da parte da CDU o tema do trabalho. Vamos passar o documentário italiano PescAmare, sobre a questão da pesca e da relação das pessoas com o mar, há muitas parecenças com as de Setúbal. O Partido Socialista, que é quem abre no dia 28 este ciclo dos partidos, escolheu passar na sua sede, e como tema escolheu a habitação. Tendo em conta a atualidade, esta escolha acaba por ser até bastante curiosa, mas já era uma prioridade da candidatura socialista em Setúbal. É um documentário local sobre o bairro do Grito do Povo, chama-se Das Barracas à Dignidade e é bastante interessante enquanto documento histórico.
Portanto, PS com habitação, CDU com trabalho, Setúbal de Volta com educação e cultura, Iniciativa Liberal optou pela questão da tecnologia e o Bloco de Esquerda pelos direitos das mulheres. Estes foram os partidos que aceitaram o repto, houve outros que não aceitaram ou não nos responderam, portanto, não temos outros por esse motivo.
