Sons produzidos pelos bebés são ferramenta de sobrevivência na maternidade, mas deles quase ninguém guarda registo.
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A propósito do Dia Mundial da Voz, que se comemora a 16 de abril, escutamos os primeiros sons dos bebés e a importância que eles têm enquanto primeira forma de comunicação da espécie humana. Apesar disso, e ao contrário da fotografia, quase ninguém guarda registo do choro, do grito ou do riso antes mesmo da primeira palavra.
Teresa Costa Alves, radialista e investigadora na área das Ciências da Comunicação, propõe, por um isso, um arquivo sonoro da primeira infância. "A minha proposta é um álbum de sons do bebé, como fazemos o álbum das fotografias. Hoje em dia temos muitos mais recursos audiovisuais ao nosso dispor e a minha proposta é, exatamente, pensar o bebé do lado do elemento sonoro", explica.
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A autora do artigo «"Gugu-dadá" e outros sons: o ecossistema sonoro do bebé em isolamento acústico» foi mãe nas vésperas da pandemia e foi em isolamento que, através da escuta ativa, registou os primeiros sons do desenvolvimento do filho desde os primeiros balbucios até ao 1 ano de idade.
O bebé comunica através dos mais variados sons, desde logo o choro, indicativo de "fome, sede, desconforto, frio ou calor" e "a partir dos 3 ou 4 meses de vida o som já começa a ser usado com mais intencionalidade, através dos primeiros fonemas, os 'gugu-dadás', que depois evoluem para palavras e, mais tarde, para frases". Teresa Costa Alves realça ainda que em relação à forma como os bebés adquirem a linguagem, "é um processo de mimésis, de imitação da língua materna dos pais, portanto o som que deriva em palavras é fruto de uma reciprocidade do sistema áudio fonético entre adultos e bebés. Este é um conhecimento que já temos desde os anos 80 mas desde então não houve muito mais estudado ao nível linguístico sobre o ambiente sonoro da primeira infância".
Às 27 semanas de gestação o bebé já é capaz de reagir a estímulos sonoros e, por isso, não é de estranhar que logo à nascença reconheça a voz da mãe. "Nunca me hei de esquecer do momento em que o meu filho Filipe nasceu e que, após o choro, o primeiro sinal da voz do bebé, a enfermeira me veio mostrar. O choro dele acalmou-se imediatamente quando ele escutou pela primeira vez a minha voz, ou seja, era claramente o sinal de que todos aqueles momentos de gestação em que já tinha escutado a minha voz estavam a ter o efeito da tranquilidade naquele momento do nascimento", recorda.
As ciências médicas já tinham demonstrado que os bebés "têm preferência por sons agudos, que relembram as características maternas e, também por esse motivo, de forma quase instintiva, os adultos usam tons de voz mais agudos quando falam com recém-nascidos", acrescenta Teresa Costa Alves, interrompida, entretanto, pelo filho "fonte deste estudo".
Foi exatamente para não cortar a palavra, ou os sons de quem se expressa mesmo antes de começar a falar, que a investigadora Teresa Costa Alves tratou de relatar a experiência no artigo «"Gugu-dadá" e outros sons: o ecossistema sonoro do bebé em isolamento acústico», apresentado em 2020 e que faz parte do livro "Escutar. Sentir. Guardar - Atas do I Encontro Online Audire", publicado pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.
A investigadora está convicta que esta "paisagem sonora da primeira infância" pode revelar muito mais na "descoberta de quem fomos num tempo ausente de memória".