"Direito de resistir." Ordem recusa-se a nomear médicos para a prática da eutanásia
Numa carta com oito páginas, o bastonário da Ordem dos Médicos explica que a morte medicamente assistida vai contra a ética e a deontologia dos clínicos. E avisa que a Ordem vai resistir.
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A lei ainda não existe, mas fica desde já o aviso: se a morte medicamente assistida vier a ser uma realidade, a Ordem dos Médicos não irá nomear ninguém para a comissão que vai decidir quem pode recorrer a ela.
Numa carta enviada ao Presidente da Assembleia da República e ao presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - a que a TSF teve acesso -, Miguel Guimarães enquadra e explica em 26 pontos os motivos da recusa da Ordem.
E o primeiro argumento tem a ver com o código deontológico dos médicos. O bastonário lembra que "as competências e responsabilidades que se pretendem atribuir aos médicos", através de uma comissão onde estarão também um enfermeiro, dois juristas e um especialista em bioética, "violam as leges artis, a ética e a deontologia médicas".
Miguel Guimarães cita ainda a Constituição da República Portuguesa para lembrar que Portugal é um "Estado de Direito, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana" e onde "todos têm o direito de resistir a quaisquer ordens que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias".
E é isso que a Ordem pretende fazer, diz, se a despenalização da eutanásia for mesmo aprovada. Na missiva enviada com conhecimento do Presidente da República, o bastonário "informa" a Assembleia da República de "que se recusará a indicar ou nomear médico(s) para qualquer comissão que a legislação preveja e/ou a praticar qualquer tipo de ato do qual resulte uma colaboração e/ou participação, direta ou indireta, da Ordem dos Médicos em procedimentos preparatórios e/ou de execução de atos de antecipação da morte a pedido ou da morte medicamente assistida, na vertente da eutanásia e da ajuda ao suicídio".
O bastonário cita os princípios definidos no estatuto da Ordem dos Médicos, onde está escrito que "o médico pode, ainda, recusar a sua colaboração em situações concretas relativamente às quais invoque o direito à objeção de consciência", ou seja "o direito de recusar a prática de ato da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência e ofenda os seus princípios éticos, morais, religiosos, filosóficos, ideológicos ou humanitários".
Por fim, Miguel Guimarães lembra ainda outras leis fundamentais para lembrar que "a vida humana é inviolável" e que "todos têm direito à proteção na saúde".
Os próximos passos da lei da morte medicamente assistida
Neste momento, o grupo de trabalho criado no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias debate cinco projetos-lei, numa tentativa de chegar a um texto comum.
Nos últimos dias chegaram à comissão vários pareceres de constitucionalistas e ainda há várias entidades para serem ouvidas. Esta quinta-feira, o grupo de trabalho voltou a reunir e acertou 14 audições, divididas em quatro áreas. Decidiu ainda, como metodologia de trabalho, aproveitar os depoimentos das entidades que já foram ouvidas e solicitar a essas entidades, caso queiram acrescentar alguma coisa, que o façam por escrito. Até ao final deste mês esses argumentos serão apreciados.
Dia 30 de junho o grupo de trabalho voltará a reunir para analisar os pareceres que irão chegar entretanto e decidir o calendário das futuras audições. Só quando os partidos chegarem a um diploma conjunto é que ele será votado em sede de especialidade, antes de subir ao plenário para uma votação final global.