Divergente impedida de realizar Arraial dos Santos Populares acusa Junta de Freguesia de Arroios de "boicote" e discriminação
À TSF, a diretora-executiva da Divergente aponta como causa provável para o parecer negativo o facto de o evento ser aberto à "comunidade LGBTQI+ e africana". A Junta de Freguesia de Arroios nega e garante que todas as decisões foram "tomadas com base em critérios técnicos, respeitando os princípios de segurança"
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A revista Divergente acusa a Junta de Freguesia de Arroios de "boicote" depois de a autarquia ter impedido o projeto jornalístico de realizar o habitual Arraial dos Santos Populares, uma fonte de rendimento "essencial para que a redação se pudesse manter".
Este projeto jornalístico online e independente tem morada na Rua de Arroios, em Lisboa. Em fevereiro, foi comunicado que a zona ia estar em obras durante seis meses. Foi, por isso, desde logo pedida uma reunião com a presidente da junta de freguesia, Madalena Natividade.
Em declarações à TSF, a diretora-executiva e jornalista da Divergente, Sofia da Palma Rodrigues, garante que neste encontro foram propostas várias alternativas: o Jardim Constantino, o Campo Mártires da Pátria, o Largo do Intendente, o Mercado de Arroios e o Jardim do Caracol foram alguns dos locais mencionados. "A todas nos foi dito que não era possível. No Campo Mártires da Pátria o argumento foi de que havia árvores centenárias, quando ainda este fim de semana esteve a realizar-se um festival no mesmo espaço", conta, lamentando que a autarquia tenha sido incapaz de arranjar outro caminho.
"Disse-nos logo que não poderíamos fazer a festa porque as obras estariam seguramente à frente da nossa sede", aponta.
Contactada pela TSF, a Junta de Freguesia de Arroios assegura, então, que o parecer desfavorável à realização deste evento se prende com "fatores relacionados com segurança e logística", precisamente devido à intervenção que acontecerá na zona.
"A zona da Rua de Arroios indicada no pedido encontra-se diretamente abrangida pelas intervenções, o que compromete as condições de circulação, instalação de estruturas temporárias e, sobretudo, a segurança de participantes e moradores", justifica.
A diretora-executiva adianta que, depois de várias insistências por parte dos jornalistas, na semana passada, o arquiteto da obra confirmou que na altura dos Santos Populares o estaleiro estaria à frente da morada da revista e isso inviabilizaria a festa. Sofia da Palma Rodrigues tem, contudo, dúvidas sobre a veracidade desta informação, porque a obra ainda está a cerca de 200 metros da Rua de Arroios. Aponta ainda que a Coletividade Atlético de Arroios, que tem obras à frente da sua sede, vai ter licença para fazer a festa.
"E nós, que não temos nenhuma obra à frente da nossa sede, não temos o passeio esburacado, está tudo pronto para fazermos aquilo que fazemos todos os anos, não temos licença", sublinha.
Questionada então sobre quais poderão ser os verdadeiros motivos para a decisão da Junta de Freguesia de Arroios, a jornalista vinca que não gosta "de acreditar em teorias da conspiração", mas aponta a "única hipótese" plausível.
A única hipótese que colocamos aqui em causa são os Santos e a festa que costumamos organizar serem alternativos, onde a comunidade LGBTQI+ e africana é toda bem-vinda. Acreditamos que essas pessoas não são bem-vindas pela junta de freguesia. É o único motivo que encontramos
Confrontada com esta situação, a autarquia nota que, embora o Clube Atlético de Arroios esteja localizado na mesma rua da Divergente, o "troço em causa terá já as obras concluídas à data do evento". Ainda assim, foram "exigidas condições de segurança adicionais, nomeadamente o reforço do policiamento". Quanto às alternativas propostas pela direção da revista, todas "foram analisadas" pelos serviços técnicos da junta, mas mereceram resposta negativa.
Madalena Natividade nega igualmente que estejam em causa quaisquer motivos relacionados com discriminação e sublinha que todas as decisões foram "tomadas com base em critérios técnicos, respeitando os princípios de equidade e segurança para todos os eventos realizados no espaço público" e, por isso, "exige um pedido de desculpas público": "Tais afirmações são falsas, ofensivas e irresponsáveis, e apenas contribuem para fomentar o ódio e o extremismo — comportamentos que esta Junta repudia veementemente e que não podem, em circunstância alguma, ser tolerados."
Em 2024, com a festa dos Santos Populares, a Divergente conseguiu angariar 11 mil euros, um montante que lhes permitiu pagar a renda da sede durante um ano. Ao longo dos anos, a revista de investigação já ganhou inúmeros prémios pelo trabalho desenvolvido, entre os quais o Prémio Gazeta e de Direitos Humanos. Foram ainda nomeados para um prémio de visualização de dados pelo trabalho "A bomba-relógio da abstenção". Esta iniciativa era, por isso, um "pilar essencial" para a manutenção da redação.
"Acreditamos muito naquilo que fazemos e na importância daquilo que fazemos e queremos continuar a fazer bom jornalismo e a trabalhar com equipas multidisciplinares e, no fundo, tínhamos encontrado aqui uma forma de o fazer. Causa um certo desconforto que não haja o mínimo de sensibilidade para estes argumentos por parte de uma junta de freguesia, que deveria servir os seus cidadãos", admite.
*Notícia atualizada às 16h57