Portugal foi considerado um "bom exemplo" na conferência internacional sobre o direito a um aborto seguro que juntou em Lisboa 120 especialistas.
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Para quem trabalha com campanhas de despenalização do aborto a nível internacional, o caso de El Salvador surge sempre como exemplo. O país da América Central tem uma das leis mais duras contra o aborto em todo o mundo que pode levar mulheres a cumprirem penas de prisão por abortos espontâneos.
"Há casos de mulheres que estavam grávidas, que não tiveram cuidados pré-natais, mulheres que provavelmente nem sabiam que estavam grávidas, que entraram em trabalho de parto de forma repentina e acabaram por abortar ou deram à luz nados-mortos", conta Marge Berer.
A coordenadora da Campanha Internacional pelo Direito das Mulheres ao Aborto Seguro está em Portugal, juntamente com cerca de 120 ativistas e académicos ligados à despenalização do aborto, para uma conferência internacional.
A norte-americana conta casos de mulheres em El Salvador que foram denunciadas, levadas a julgamento e condenadas por infanticídio, acrescentando que a ação de ativistas no país permitiu libertar três mulheres nos últimos 10 meses.
Berer defende que ainda há muito trabalho a fazer um pouco por todo o mundo e dá o exemplo da Polónia que quer recuar na única forma legal de interromper a gravidez de forma voluntária ou seja, no caso de malformação congénita do feto.
Por outro lado, Marge Berer refere que o modelo português "é um bom exemplo" para muitos países. "O caso de Portugal é interessante porque a interrupção voluntária da gravidez faz parte do Serviço Nacional de Saúde de uma boa forma e desde o início. A lei facilitou e tornou isso possível. Os profissionais de saúde apoiam. Também há uma coligação nacional que apoiou isso", disse.
Na conferência internacional sobre a interrupção voluntária da gravidez, que decorreu entre 5 e 7 de setembro, falou-se sobre abortos seguros, sobre a descriminalização da prática, discussões que querem ir mais longe e mudar a forma como as mulheres são encaradas em todo o mundo.
"A visão sobre o papel das mulheres no mundo muda quando se começa a falar de ter o direito de fazer um aborto. Isto porque a maternidade é vista como a razão pela qual as mulheres existem ", referiu Marge Berer, acrescentando que "quando vemos as mulheres a expandirem o seu papel no mundo - e ainda assim a serem mães - mas tendo outros papéis na vida e a não quererem ter o número de filhos que as mulheres tinham há séculos e há décadas é uma grande mudança. Não acontece assim tão rapidamente".
A norte-americana considera que o movimento pelo direito das mulheres ao aborto está a aumentar a nível internacional mas ainda assim há muita oposição que chega sobretudo de países com governos conversadores e de extrema-direita.
Berer dá o exemplo de Trump que, três dias depois da cerimónia de posse, reintroduziu a proibição de financiamento público de organizações não-governamentais internacionais que realizem abortos ou que ofereçam informação sobre o processo de interrupção voluntária da gravidez.