Do clima aos abusos na Igreja: o que as juventudes partidárias gostariam de ver em reflexão na JMJ?
O evento é religioso - e várias juventudes o ressalvam - mas, aproveitando a presença de tantos jovens em Lisboa, o que deveria estar no topo das prioridades para reflexão? A TSF foi ouvir a opinião dos jovens dos partidos com assento parlamentar.
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Alterações climáticas, emigração jovem, os abusos na igreja, as várias conceções de família ou até a perseguição aos cristãos em vários pontos do globo. Estes são alguns dos temas elencados por jovens dos vários partidos - mesmo aqueles que não têm uma estrutura oficial.
Juventude Socialista aponta às desigualdades e ao clima
Para Miguel Costa Matos, 29 anos, deputado e secretário-geral da JS, seria bom ver "da parte desses jovens um compromisso com a cidadania e que possam verter os seus valores - os valores religiosos são sempre, e sobretudo, no caso da Igreja Católica, valores de fraternidade, de solidariedade e de cuidar do meio ambiente".
"Que possam debater a crise climática que acelera a olhos vistos, que possam debater a pobreza e as desigualdades e como, na sequência da Covid, nós podemos manter um espírito de solidariedade e investimento nos serviços públicos como alicerce de igualdade de oportunidades", aponta Miguel Costa Matos.
Sobre as alterações climáticas, o jovem socialista lembra até as encíclicas do Papa Francisco "Laudato Si" e "Fratelli Tutti" que considera serem "textos de grande valor espiritual, mas também de um grande valor intelectual".
"Diria até que dão, portanto, um contributo e uma luz sobre aquilo que deve ser o contributo dos católicos. Pessoalmente, como católico, motivo-me com base nas palavras do Papa Francisco para essa missão e, portanto, que seja uma experiência coletiva de partilha das diferentes experiências, sejam climáticas, sejam sociais e de empenho nessa luta", realça.
Habitação e condições de vida são prioridade para JSD
Com 31 anos, Alexandre Poço é deputado e também presidente da JSD, notando à TSF que esta JMJ deve desde logo ser "um orgulho para o país".
Depois, sobre as prioridades, Poço não tem dúvidas: "o mais importante, mas também o mais dramático, e que nós devemos discutir neste momento em Portugal, quando relacionado com as novas gerações, é a possibilidade de cada jovem conseguir fazer no seu país o seu percurso de vida".
"Nós sabemos que hoje há um grande dilema para muitos jovens do nosso país, para a esmagadora maioria, que é escolher o percurso profissional ou escolher o país, e muitas vezes sabemos qual é que tem sido a resposta", frisa o deputado.
Diz o presidente da juventude do PSD que "quando muitos escolhem o percurso profissional, acabam a ter de sair do nosso país e, por isso, aquilo que nós entendemos que é prioritário é de que se coloque na agenda e eu penso que nós temos procurado dar esse contributo com propostas concretas"
"Naturalmente que há outros que também são importantes, as questões ambientais, as questões culturais, o que se passa no ensino superior, mas se tivesse de destacar como a maior urgência das novas gerações em Portugal, é a questão de um salário bem remunerado que acompanhe as qualificações e aceder a uma habitação, arrendando ou comprando", afirma.
De forma mais global, Alexandre Poço também nota que a questão da guerra na Ucrânia também é vital, esperando até uma forte participação de jovens ucranianos.
Chega quer afirmação da fé "sem complexos"
Em nome do Chega, a deputada Rita Matias, de 24 anos, afirma que "a centralidade do debate deveria estar na importância da igreja para a construção da civilização Ocidental, a civilização cristã, que é também a matriz da nossa Europa".
"Numa altura em que vemos este pilar europeu ser desafiado por tantas narrativas, por tantos desafios estratégicos, migratórios e outras questões, é fundamental refletirmos sobre a importância deste papel e percebermos que, mais do que nunca, é importante reafirmarmos estes valores sem qualquer tipo de complexos", destaca Rita Matias.
A deputada completa ainda a ideia realçando que, "numa altura em que se fala de autodeterminação, de pluralismo de ideias, é preciso dizer a um jovem católico, um jovem cristão, a um jovem que faça parte da Igreja, que não precisa de pedir desculpa por acreditar naquilo em que acredita, por ter uma experiência de fé e que isso é um bem para a sociedade e que há espaço para isso".
"Parece-nos também importante, na senda neste encontro, refletirmos sobre a temática dos cristãos perseguidos que é um tema que é negligenciado pela maioria das organizações supranacionais", diz a deputada do Chega para quem é importante aproveitar para "falarmos também daqueles que são perseguidos em matéria da sua fé, sabendo que há milhões de cristãos que são perseguidos apenas e só por acreditarem em Deus".
Emigração jovem deve estar no topo da reflexão para a IL
Já Manuel Branco, 21 anos, é autarca e conselheiro nacional da Iniciativa Liberal e realça a emigração dos jovens, sobretudo na realidade nacional, como uma das preocupações que deveriam merecer reflexão durante a Jornada.
"Ainda agora saiu uma sondagem da Aximage para a TSF que dizia que mais de metade dos jovens admite emigrar", nota o jovem liberal apontando também ao lema da JMJ: "Maria, levantou-se e partiu apressadamente".
"Se nós substituirmos nesta frase 'Maria' pelos 'jovens portugueses', a frase continua a fazer sentido, porque os jovens portugueses, quando tentam levantar-se, ou seja, tentam emancipar-se e tentam ter mais autonomia e independência, partem apressadamente para outros países onde há mais ambição, onde há mais perspetiva de futuro, onde há mais perspetiva de carreira", destaca Manuel Branco.
Diz o autarca na freguesia lisboeta do Parque das Nações que a mesma frase também pode ser adequada a um outro tema que merece reflexão e que é o da guerra na Ucrânia: "os jovens ucranianos, todos os dias têm de se levantar, alguns partem outros ficam para defender a sua pátria, mas a verdade é que este tema da guerra na Ucrânia é um tema que é transversal a todos os países e também é tema que nos deve fazer refletir nestas jornadas".
JCP destaca desigualdades e não esquece condições dos trabalhadores
Kaoê Rodrigues, 26 anos, é membro da Juventude Comunista Portuguesa e do PCP e começa por referir que a JMJ deverá ser "um espaço de partilha e de reflexão, troca de experiências, mas, acima de tudo, um espaço de troca de um conjunto de valores" como o da "construção de um mundo mais solidário e, por isso, um conjunto de valores também poderão ser debatidos nesta semana ao longo desta semana, nomeadamente o combate à pobreza, o combate às desigualdades e às discriminações e a defesa da paz".
Além destes temas, para a JCP, "um outro elemento muito importante na realização desta jornada é que sejam garantidas todas as condições para a sua realização, quer seja no aspeto dos visitantes, dos peregrinos, dos não crentes que vêm também, mas também de quem vive e trabalha na região de Lisboa".
"E não só os que trabalham na cidade", diz Kaoê, "mas também os que vão estar a trabalhar na própria jornada". "Estamos a falar das forças de segurança, dos bombeiros, dos profissionais de saúde, etc... Estes também deverão ter condições necessárias, nomeadamente ponto de vista dos justos rendimentos nesta fase", diz o jovem comunista para quem "a jornada não poderá servir como pretexto para uma desresponsabilização neste quadro dos direitos do trabalho".
"Por fim, um último aspeto que nós consideramos que, dada a situação e a realidade em que hoje nos inserimos, não só de nível nacional e dos problemas que sentimos cá, mas também a nível mundial, mas estamos numa fase em que é preciso, de facto, juntar esforços, unir esforços", aponta Kaoê.
Para este jovem comunista, a jornada poderá ser palco de debate "daquilo que a gente precisa para o mundo, das políticas que a gente precisa para o mundo". E, claro, na visão de Kaoê, para Portugal: "uma política alternativa, uma política que a nosso ver deve passar pela lógica de uma política patriótica e de esquerda, que afirme não só um mundo de soberania, mas também um Portugal de soberania e desenvolvimento tendo sempre por trás os valores de Abril".
Alterações climáticas e habitação no topo das prioridades para bloquistas
Pelo Bloco de Esquerda, é Leonor Rosas quem é chamada a dar voz. Com 23 anos, ela faz parte da comissão política do partido e coordenadora também dos jovens do Bloco, trazendo como destaques algumas das bandeiras do partido.
Começando por notar as "divergências" sobre a organização do evento, Leonor Rosas aponta à "oportunidade de ter tantos jovens aqui reunidos" e daquilo que poderiam discutir, surgindo-lhe logo a questão da habitação.
"É uma questão que é gritante, especialmente sendo a Jornada em Lisboa e tendo havido tanta conversa na discussão à volta dos preços da habitação e até destes quartos para alugar aos peregrinos", nota. "Acho que faz sentido falar sobre, fora destes dias da jornada, o que é a realidade de uma pessoa que quer viver em Lisboa, o que é a realidade dos quartos a 400 e 500 euros sem salubridade, de uma média de preços de arrendamento já ao nível de cidades como Paris, por exemplo", vinca Leonor Rosas.
Como segunda questão "fundamental", a jovem bloquista escolhe o clima. "Temos vivido, agora nesta nesta última semana, dias de recordes de temperaturas, acho que esta causa das alterações climáticas e do aquecimento global é uma causa que recai sobretudo sobre a nossa geração", diz Leonor Rosas que considera que são os mais jovens que têm de "impor aos decisores políticos que tomem uma ação".
"É preciso revolucionar a nossa mobilidade, precisamos de empregos para o clima, precisamos de acabar com os plásticos descartáveis, precisamos de fazer uma série de coisas que não estão a ser feitas por decisão política de quem escolhe, neste momento, ignorar um programa que é um problema que é tão gritante", conclui.
Tipos de famílias e luta pelo clima nas preocupações do PAN
Surpreendendo um total de zero pessoas, visto tratar-se de um partido ecologista, o clima é também uma das prioridades para os jovens do PAN. Marta Santos, 29 anos, nota o tema logo em primeiro lugar e até lembra que a organização colocou uma "calculadora da pegada carbónica no site da Jornada".
A organização deu, por exemplo, o exemplo de um jovem que venha de Atenas para Lisboa e que para compensar a sua pegada carbónica poderia tornar-se vegetariano durante um ano... Poderíamos pensar aqui em ser mais ambiciosos e, porque não, passar um ano e manter esta decisão que traz consequências muito positivas para o ambiente?", questiona.
Além das alterações climáticas, Marta Santos sublinha que é importante pensar "na aceitação de novas tipologias de família", além da "família tradicional de pai, mãe e filhos". "Porque não pensarem em famílias monoparentais, famílias com pais do mesmo sexo e começar a integrar isto na ideologia da Igreja, aceitar estas novas tipologias de forma que haja uma aproximação da igreja à sociedade", nota a jovem do PAN.
Marta Santos ainda lembra que é importante perceber como é que a igreja se pode aproximar realmente das sociedades e fomentar o desenvolvimento, falando em "bons exemplos no passado, como foi a campanha de erradicação da varíola, em que só quando foram integrados os chefes religiosos, é que a campanha teve realmente frutos".
Abusos sexuais na igreja devem estar em reflexão para o Livre
Por fim, Tomás Cardoso Pereira, 29 anos, é chefe de gabinete do Livre no parlamento e também gostaria de ver discutidos temas como os das "desigualdades sociais e de distribuição de rendimentos um pouco por todo o mundo e, em particular, também aqui em Portugal e que são questões que o Papa Francisco tem falado ao longo dos tempos". Junta-se também "a crise climática, naturalmente, e que é um assunto muito presente no nosso dia a dia"
"Mas, acima de tudo, há uma questão que achamos que é fulcral ser discutida na Jornada Mundial da Juventude e que é muito importante que a Igreja Católica - e as pessoas que nela participa - faça uma reflexão muito profunda acerca do assunto que tem a ver com as notícias e as revelações que têm vindo a público sobre os abusos sexuais no seio da Igreja Católica", frisa Tomás Cardoso Pereira.
Lembrando o facto de há uns meses ter sido conhecido o relatório "Dar voz ao silêncio", para este jovem do Livre, "pela gravidade deste problema e por ser um problema que sabemos agora que já havia sinais disso", este deve ser um tema em cima da mesa.
"É um problema que se arrasta há muitas décadas com milhares de vítimas e achamos que a Igreja Católica deve uma reflexão muito séria às vítimas, a toda a sociedade em geral, e achamos que um pedido de desculpas da parte do Papa Francisco seria o mínimo exigido", destaca Tomás Cardoso Pereira.
Noutro aspeto, este jovem também autarca em Oeiras nota que "faltou uma reflexão prévia" para a organização desta iniciativa e que agora seria importante pensar no que acontece às infraestruturas e ao investimento feito, deixando criticas ao nível da opacidade com que as decisões foram tomadas.