Do hino nas escolas à água das torneiras. As propostas mais insólitas da campanha
Desde o hino nacional cantado à segunda-feira nas escolas à obrigação de todos os recém-médicos irem viver para o interior durante três anos. Há propostas fora do comum nos programas eleitorais rumo às Legislativas.
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É preciso dar uma espreitadela mais profunda nos programas eleitorais dos diferentes partidos políticos para achar algumas das propostas mais insólitas na corrida à Assembleia da República. Desde as que já causaram polémica na comunicação social a outras que passaram mais despercebidas, ei-las.
Dinheiro para todos
"Tu tens um rendimento, tu tens um rendimento, toda a gente recebe um rendimento". Não, não é a Oprah no antigo programa televisivo a distribuir prémios pela plateia, é o LIVRE que ressuscita uma discussão antiga: rendimento para todos. A questão do rendimento básico universal não é nova, mas o partido fundado por Rui Tavares traz o assunto para cima da mesa destas eleições, ainda que com outro nome. Pretende o LIVRE, "testar e implementar um rendimento básico de cidadania que distribua a riqueza nacional produzida e garanta um rendimento a qualquer cidadão. Sem quaisquer quantificações - até porque se predispõe a testar - este apoio seria "independente da condição, dos pagamentos do fundo de desemprego ou de outros programas de apoio social".
"Vais votar no sábado ou no domingo? Na quinta-feira!"
A disponibilidade para ir até uma assembleia de voto no dia das eleições nem sempre acontece. Tentando combater a abstenção por indisponibilidade, o atual governo até implementou a medida do voto antecipado para fomentar a participação cívica. Ainda assim, há quem considere que não é suficiente. No âmbito de uma reforma do sistema eleitoral, o Nós Cidadãos quer debater a criação de eleições legislativas durante 2 dias. Sem explicitar o propósito da proposta, o partido indica os dias que gostava que fosse possível votar: sábado e domingo. Neste capítulo, nota para a Aliança de Pedro Santana Lopes que quer eleições à quinta-feira "para combater a abstenção".
Catalunha e Sahara Ocidental
Sim, estas duas regiões figuram num programa eleitoral... português. Começando em África, a "defesa nos fóruns internacionais relevantes da organização do referendo de autodeterminação do Sahara Ocidental sob égide das Nações Unidas" é uma das últimas propostas do Bloco de Esquerda no programa eleitoral para o ciclo político 2019-2023. O partido de Catarina Martins dedica ainda um parágrafo à Catalunha, nomeadamente o "reconhecimento do direito à autodeterminação do povo" catalão. Defende o Bloco uma "solução política e pacífica" para a Catalunha, respeitando escrupulosamente a "vontade do seu povo e a libertação dos presos políticos".
Ecos do Estado Novo
Ninguém propõe a restituição das famosas "orelhas de burro" para quando os alunos se portavam mal, mas cantar o hino nacional nas salas de aula é mesmo uma proposta de um partido. No caso, o Partido Nacional Renovador (PNR) defende na secção de Educação que "A Portuguesa" regresse às escolas públicas à segunda-feira. E não é uma medida facultativa ou pedagógica de quando se aprende o hino do país, é mesmo a "obrigatoriedade de se cantar" no "primeiro dia de aulas de cada semana". Voltando às "orelhas de burro", talvez não sejam um elemento escolhido pelos professores, mas o CHEGA quer devolver "todos os meios" aos professores para restaurar a disciplina dentro das salas de aula. Sem esclarecer o que a expressão "todos os meios" significa, o partido liderado por André Ventura escreve que o objetivo é recuperar totalmente a "autoridade perdida sobre os alunos" de todos os graus de ensino, "sendo-lhes devolvidos todos os meios que lhes permitam manter a disciplina nas aulas".
Ministérios a mais
Ainda no CHEGA, há uma vontade de "redução drástica do número de Ministérios". Um deles, o da Educação é mesmo para extinguir. Lê-se no programa eleitoral que "o Estado manterá nas suas mãos uma função arbitral, de regulação e de inspeção sediada em organismo dependente da Presidência do Conselho de Ministros". Mas a proposta vai muito mais além, dando mesmo aos professores a possibilidade de serem proprietários das escolas. Como é que funcionaria? O CHEGA explica que "as instalações escolares passariam, num primeiro momento, para a tutela da Direção Geral do Património que, de seguida, as ofereceria a quem nelas demonstrasse interesse, dando-se prioridade absoluta aos professores nelas lecionando nesse momento". E oferecer é mesmo a palavra de ordem: "pretende que sejam os professores a serem os proprietários do estabelecimento onde ensinam e esses professores dificilmente poderiam ter a poupança necessária para uma compra". O CHEGA acena com uma poupança anual de dezenas de milhões de euros para o Estado com esta medida.
Não tem nota para entrar. E notas?
A medida levantou polémica quando foi conhecida e é da autoria do CDS. O objetivo é "igualdade de condições para alunos estrangeiros e portugueses" e passa por dar aos estudantes nacionais que ficaram de fora do concurso nacional de acesso ao ensino superior a possibilidade de entrarem como se fossem estudantes internacionais (e, portanto, pagarem as "propinas internacionais"). Lê-se no programa centrista que "se uma instituição de ensino superior público tiver capacidade para receber mais alunos além do número de alunos que o Estado consegue financiar, deve dar oportunidade aos alunos portugueses de concorrerem a essas vagas, seguindo as regras da Concurso Nacional de Acesso, e de acordo com as notas aí obtidas". "Por cada vaga aberta, deve ficar com ela o melhor aluno que a ela concorreu", diz o CDS sublinhando a sua máxima da meritocracia.
Perdão?
Também motivou alguma polémica na imprensa a medida 1081 do Pessoas - Animais - Natureza (PAN). Quem assiste à série Orange is the new black, até pode ver algumas semelhanças numas sessões promovidas dentro da prisão, mas o partido de André Silva vai mais além. Mas, afinal, o que propõem? Numa primeira versão (a da polémica), o partido queria "instituir a obrigatoriedade de reclusos condenados por crimes violentos contra outras pessoas fazerem uma sessão semanal de reconciliação com os familiares das vítimas, mediante aceitação destas, e, caso não se trate de um homicídio, também com as próprias vítimas". A medida que segue uma lógica de "justiça restaurativa" causou tanto burburinho que o partido admitiu revê-la e transformou-a ligeiramente. Na versão final (e ainda polémica), pode ler-se que o objetivo é "permitir sessões semanais de reconciliação entre reclusos condenados por crimes violentos, com exceção dos crimes de violência doméstica ou violação, e familiares das vítimas ou com as próprias vítimas, desde que todas as partes assim o pretendam".
Cadeiras vazias no parlamento
Ainda a pré-campanha ia no adro e já Rui Rio tinha feito saber que queria que os votos em branco contassem na distribuição dos deputados na Assembleia da República. A vontade materializou-se no programa do PSD num dos capítulos mais queridos do presidente social-democrata: a reforma do sistema político. Pode ler-se na página 16 que o PSD defende uma "estratégia de reforço da participação do cidadão e de combate à abstenção com possibilidade de valorização dos votos brancos", sendo também a redução do número de deputados uma vontade laranja. Em junho, Rio explicou que na sua visão "a Assembleia da República teria uma composição variável" com "um máximo e mínimo". "Se elege mais ou menos deputados, teria que ver com o número de votos brancos e nulos", afirmou Rio que já fez saber que o limite mínimo deveria rondar os 180 deputados face aos atuais 230.
"Ala para o Interior"
A conversa de "incentivar" médicos a ir para o Interior do país é demasiado 2017. Pelo menos, para o Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP). Na corrida eleitoral, este partido quer obrigar os médicos recém-licenciados a ir para o interior. Ou "obrigar". Sim, com aspas. O que significam as aspas, não está explicito, mas versa assim no programa eleitoral: "que os médicos recém-licenciados sejam "obrigados" a se deslocarem para o Interior, para colmatar as lacunas existentes por um período mínimo de três anos, como forma de compensação do esforço despendido por todos os cidadãos com os seus impostos, desde o período em que iniciaram os seus estudos até conclusão da sua licenciatura".
Fechar a torneira
Literalmente. A água é um bem escasso e é preciso, cada vez mais, saber usar a torneira e a água tratada que ela nos fornece. Nunca é demais lembrar que, nas contas da EPAL, "uma torneira a pingar pode representar cerca de 6 mil litros anuais de desperdício": é muita água. Por isso mesmo, o tema merece uma proposta por parte do PS que, na próxima legislatura, quer "instituir um conjunto de recomendações para que entidades públicas e privadas usem melhor a água da torneira". Se grão a grão enche a galinha o papo, gota a gota...