Duarte da Costa: "Os bombeiros voluntários ainda não estão organizados para ter um comando efetivo"
O presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, brigadeiro general Duarte da Costa diz negoceia com as associações de bombeiros voluntários sem intermediários. E reclama bons resultados nos dispositivos montados para os últimos anos.
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Nos últimos dias temos tido notícias de mudanças da alta administração pública com várias exonerações. Queria saber se a Ministra da Administração Interna já lhe disse se conta consigo ou se já lhe apresentou um caderno de encargos?
Já fui recebido pela tutela, foi há cerca de três semanas e para que não haja dúvidas, porque considero que a confiança tem de ser mútua, não tem que ser só nós, mas também termos a confiança nos dirigentes políticos, são escolhas do nosso povo, mas acima de tudo nós também temos que nos predispor para ganhar a confiança de quem nos tutela. E, portanto, isto é tudo um processo. De qualquer maneira, com a máxima transparência e porque me considero um soldado nestas coisas, eu estou para cumprir missões. E o meu cargo está sempre à disposição, não estou ligado a nada e preso ao meu cargo, estou sim preso a uma missão que quero desempenhar, que tenho muita honra de desempenhar e tenho muito gosto em desempenhar. A conversa que tive com a tutela foi extremamente agradável, onde pus todos os problemas, não se pôs sequer a situação de estar ou não estar ou de continuar ou não continuar. Não é verdadeiramente algo que me preocupa. Estou nesta missão enquanto o Estado português considerar que estou apto para a cumprir e enquanto conseguir entregar um produto que os portugueses esperam. Normalmente costumo dizer que não trabalho para o Estado, não trabalho para o Governo, trabalho para os portugueses. Aliás, não nos podemos esquecer que quem paga os impostos são os portugueses. E não há dinheiro do Estado, há dinheiro dos portugueses. E, portanto, esse é o compromisso que tenho com todos os portugueses. E espero, como tinha da tutela anterior, que continue a ter a confiança da tutela política, para poder continuar a desempenhar as missões que, até agora, nestes últimos seis anos, tento ver com algum distanciamento, mas também com muito orgulho, a dizer que a minha equipa, a equipa que tenho liderado, tem conseguido apresentar projetos viáveis, projetos que têm dado maior capacidade ao Estado português de se tornar resiliente. E acima de tudo, muito importante, há seis anos que não morre ninguém decorrente da ação direta, estou a falar de civis, de um incêndio rural. E acho que isso é o maior símbolo de avaliação de performance que o sistema tem nesta altura. O que não quer dizer que não possa suceder já ao virar da esquina, na próxima campanha, mas até agora temos de fazer isso. Aliás, 2023 ainda foi mais relevante por causa disso, porque conseguimos ter um ano onde ninguém, quer operacional, quer civil, nem nas ações de queimas e queimadas, não tivemos vítimas mortas em 2023. E isso deixa-me profundamente orgulhoso.
Mudou alguma coisa na sua carta de missão ou a Sra. Ministra, desviou algum dos objetivos que tinham sido definidos pelo anterior Governo e que vão levar a alguma alteração de estratégia?
Não, relativamente à carta de missão, dentro dos assuntos que estão a ser tratados, como é óbvio, esta tutela política entrou também há pouco tempo e nessa perspetiva consegui passar a mensagem que todos os objetivos que tinha na proteção civil me parecem válidos e para o qual pedi a continuidade, quer ao meu secretário de Estado, quer à Sra. Ministra, que permanecem válidos para podermos dar segurança aos portugueses. E nessa perspetiva ainda não há uma mudança na alteração. Mas é muito simples aquilo que a tutela política me solicita que eu consiga entregar, que é um ambiente mais seguro relativamente à resposta aos incêndios rurais, mas não só aos incêndios rurais. Tenho a certeza de que a proteção civil é muito mais que incêndios rurais. A proteção civil é uma resposta cabal que temos de dar, é uma resposta à cadeia de valor da proteção civil que começa com a prevenção, que começa com a preparação, que começa com o planeamento, que vai para as áreas da pré-supressão, da supressão no combate aos incêndios e a toda a tipologia de catástrofes. E que depois também tem de apoiar na reconstrução e na reposição da normalidade. E aí, com todos os instrumentos que temos, a minha carta de missão continua inalterada, o que não invalida que o atual governo possa querer decidir situações mais para uma determinada área ou mais para outra determinada área, mas que depois me será transmitido na continuidade do nosso trabalho em conjunto, as instituições e o próprio governo. No fundo, o que aqui interessa é que o produto final que consigamos traduzir para os portugueses seja cada vez melhor e se este ano está bem e se o ano passado esteve bem, para o ano queremos ainda que esteja melhor.
Portanto, não houve alteração nos meios que estarão disponíveis no dispositivo ou as alterações são aquelas que já estavam previstas?
Não há grandes alterações. chegámos a um dispositivo de resposta, e agora estamos a falar dos incêndios rurais, que é um dispositivo estável, é um dispositivo robusto, aliás, no lançamento do dispositivo, em Ourém, tive a hipótese de me referir precisamente a estes dois adjetivos, e resultam de vários melhoramentos que fizemos desde 2018. Como foi já referido, entro na Proteção Civil na sequência dos incêndios de 2017, e todos os incrementos que não se conseguem fazer de um ano para o outro é um trabalho que esta equipa tem levado a cabo para conseguir ao longo destes anos apresentar aos portugueses um dispositivo que é robusto, que é estável, que tem provas dadas, e que agora mais um, mais dois, mais dez viaturas, menos cem pessoas, a mim isso não é relevante. Da mesma forma como não é relevante dizer que as temperaturas médias agora estão mais altas, estão a subir meio grau por ano. Isso para mim não é o problema. O problema é dentro de um determinado período, dez dias, quinze dias, um período de temperaturas muito elevadas e muito seco. Esse é que é verdadeiramente o problema que atualmente as mudanças climáticas trazem para o sistema.
Mas sobre os meios havia, pelo menos houve no ano passado, não tenho agora ideia se há dois anos também, mas no ano passado havia muito um problema que era o mercado não tinha disponíveis alguns dos meios que eram necessários para o contingente que estava definido. Mantém-se esse problema?
O mercado continua com problemas. Não nos podemos esquecer que temos na frente leste europeia uma guerra que inviabiliza um conjunto de meios que antigamente estavam no mercado e que agora não estão. Nomeadamente pilotos, nomeadamente capacidade técnica. Por outro lado, é importante também perceber que atualmente vão para o procurement de meios aéreos não só os países do sul da Europa como antigamente iam, quando muito alguns países da Europa a nível, digamos, nem muito a norte nem muito a sul, França, Alemanha, Luxemburgo, atualmente os países nórdicos vão também ao mercado. E o mercado não cresceu. O mercado não cresceu em termos de fornecimento de material, cresceu sim em termos de procura. Ora, diz a ciência económica, quando há mais procura e quando há menos meios, os preços não só tornam-se mais elevados, como há necessidade de fazermos os processamentos e os procedimentos cada vez mais cedo. E aí deixe-me relevar o papel fundamental que o Ministério da Defesa e a Força Aérea Portuguesa têm feito nesta parceria conjunta com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Costumo dizer, um bocado na brincadeira, mas que tem muito de verdade, que tenho a parte boa, que é construir o sistema, e depois a Força Aérea Portuguesa é que tem de fazer todo o processo contratual, que é um processo complicado, é um processo que tem que obrigatoriamente gerar muito trabalho desse processo de procurement, ou de ir à procura desses meios no mercado europeu. Portanto, há ligeiras flutuações. Lembro-me, por exemplo, o ano passado, nesta altura, estávamos com 68 meios aéreos já contratualizados, este ano já temos 70 contratualizados. O ano passado tínhamos um teto para 72 meios aéreos, este ano ainda temos um teto negocial para 76 meios aéreos, mas andará muito à volta desta questão. É um trabalho que continua a haver e que inclui não só a tutela política, neste caso do Ministério da Administração Interna e do Ministério da Defesa, mas sobretudo a Força Aérea, que tem aqui a fatia de leão do trabalho de contratualizar estes meios, e da Proteção Civil depois para utilizar aquilo que é uma das maiores frotas aéreas que existem, que são 70 meios aéreos neste momento já contratualizados.
Já estão contratualizados e já estão confirmados?
Esses 70 já estão confirmados. Com estes já podemos contar. O que releva para aquela questão importante, que foi precisamente um dos fatores críticos do sucesso de 2023, termos esta disponibilidade de meios aéreos que nos permitiu, nos incêndios nascentes, ter uma capacidade de descarga de água e de combate muito elevado e que nos deu a campanha mais relevante dos últimos anos da Proteção Civil.
E como é que se adaptaram ou se vão adaptar ao facto de todas as previsões apontarem para que este verão volte a ser muito quente? Há aqui uma projeção de uma agência meteorológica de Espanha que diz que há uma probabilidade muito elevada, de 70% a 100%, de que as temperaturas subam muito acima do normal em Portugal, em Espanha e no sul da Europa. Vão ser situações de novo excecionais. Quais são as medidas excecionais que vocês têm previstas?
Já assistimos a estas medidas excecionais pelo menos desde 2019. Em 2018, quando assumi o Comando Nacional, ainda, digamos, tinha pouca experiência para fazer a correlação de todos estes dados que atualmente estão em cima da mesa, mas o robustecimento, e se se lembrar da estrutura que de resposta que tínhamos em 2018 e 2019 e vir a estrutura de resposta que temos agora, esta agora é muito mais robusta devido a quê? A esses incrementos que temos feito até chegarmos a este valor que atualmente temos, que é um valor que nos parece razoável. Tem de haver sempre aqui um balanceamento entre a despesa feita e o produto operacional que se gera, porque senão eu diria que queria ter 300 meios aéreos e queria ter 300 mil bombeiros. Não é isso que é possível, primeiro porque não os há e segundo porque temos de trabalhar com aquilo que é um recurso escasso, que é um recurso financeiro. E como gestor público, aquilo que me é exigido é que seja extremamente rigoroso na forma como gasto o dinheiro público, aliás, mais rigoroso do que gasto o meu próprio dinheiro. E, nessa perspetiva, aquilo que temos feito, principalmente desde 2019 até agora, redundam neste dispositivo que é estável. Relativamente ao aumento das temperaturas, é uma situação que temos verificado, aliás, 2023 foi o ano mais quente dos últimos anos e não invalidou a campanha que tivemos, que foi uma campanha com grande sucesso e com grandes resultados. Mas o sucesso não advém das temperaturas, o sucesso advém do trabalho de prevenção que foi feito. Aliás, se me perguntassem a quem é que daria os parabéns pela campanha de 2023, eu diria ao povo português, unicamente.
Pela primeira vez foi atingido uma relação de orçamento de 60% para a prevenção e 40% para o combate, o que foi um feito inédito.
Sim, e é uma questão fundamental do Estado português e, mais uma vez, isto tem a ver com a forma como são geridos estes dinheiros públicos. Em 2018, o orçamento para o combate era 80% e para a prevenção eram 20%. Conseguimos o break-even em 2022 com 50%. E em 2023 já conseguimos ter, sem diminuir nunca o orçamento do combate, isto é importante que se diga, sem diminuir o orçamento. Há um aumento, mas este aumento também não pode ser eterno. Por isso é que digo, o sistema que temos é um sistema que me garante resposta, que garante segurança e que garante a capacidade de lidarmos, mesmo com esses dias mais extremos de calor. Como disse também há bocado, a mim não me preocupa a temperatura, a mim não me preocupa na perspetiva de responsável da Proteção Civil. Preocupa-me como cidadão, mas não na perspetiva de responsável da Proteção Civil. Não me preocupa que a temperatura média de 2024 venha a ser um grau e meio superior, por exemplo, a 2023.
Isso não muda o que está planeado neste momento?
Não. O que me preocupa é que nesse período do verão haja períodos de 10 e 12 dias com a temperatura muito alta e com um grande regime de seca. E aí é que o sistema entra em stress.
Mas conseguem prever isso?
Não, isso é uma previsão que conseguimos fazer com dois ou três dias de antecedência, com a ajuda do IPMA.
Mas isso permite colocar dispositivo nas zonas que são de maior risco, não é?
Permite fazer os pré-posicionamentos com a análise das cartas de risco e das situações de risco que nos são propostas pelo IPMA. Aliás, o IPMA, desde 2018, é um parceiro relevantíssimo. Falo 2018, mais uma vez, porque é o que eu conheço, o anterior só conheço por relatórios que li. O IPMA tem sido um parceiro relevantíssimo naquilo que é o nosso trabalho operacional e que nos permite, com antecedência de normalmente três dias, sabermos quais vão ser os dias de maior stress meteorológico para conseguimos fazer pré-posicionamentos e percebermos que, mesmo que isso tudo esteja feito, ainda dependemos daquilo que é o trabalho da prevenção e do abaixamento do número de ocorrências. Que aí é que está a solução.
Pode dar alguns exemplos do que é que mudou na prática com o facto de termos os 60% de investimento para a prevenção?
Temos mais campanhas em termos de sensibilização, que é um dos pontos que muitas vezes as pessoas se esquecem. Temos uma campanha muito mais próxima dos cidadãos, quer que o Portugal Chama, quer com outras campanhas feitas a nível municipal. Uma maior integração do trabalho com as câmaras municipais e das suas coordenações municipais de proteção civil, porque lembramo-nos do que eram as coordenações municipais há seis anos e vemos o que é agora. E isso é relevante porque o trabalho dos municípios é um trabalho relevantíssimo. Também a limpeza dos terrenos tem sido feita com muito maior capacidade, quer por parte das autarquias, quer por parte das soluções que as próprias autarquias e as entidades oficiais arranjam para aqueles populares e para aquelas pessoas que não tenham capacidade financeira de limpar. E por isso é que digo que todos os agentes de proteção civil têm de trabalhar também na prevenção, não é só no combate e quando digo todos, são todos mesmo. Temos de fazer o nosso trabalho na prevenção. Temos as equipas multidisciplinares de comando para a prevenção para eventos extremos, para eventos que tenham um índice de complexidade muito elevado e temos duas equipas destas preparadas e treinadas para atuar em caso de necessidade, que o ano passado precisámos de utilizar no incêndio de Odemira e que deu um excelente resultado. Aumentámos em muito as capacitações de treino, quer direcionadas para os incêndios rurais em que a Escola Nacional de Bombeiros e as próprias associações, através da formação descentralizada, quer através das ULF, conseguiram dar a formação especializada em incêndios rurais a mais de 1100 bombeiros, além de todo o trabalho que a Escola Nacional de Bombeiros faz com a sua perspetiva de treino, quer para o início da carreira de bombeiros, quer no aperfeiçoamento, onde levaram a cabo a formação, desde o ano passado, de mais 22 500 bombeiros, de onde 9500 bombeiros foi só para aperfeiçoamento para as várias áreas. Costumo dizer, o sistema não pode crescer indefinidamente relativamente ao número, mas pode melhorar cada vez mais naquilo que são as capacidades de resposta e na capacidade que temos de, na cadeia de valor da Proteção Civil intervir antes, que é na prevenção. E aí a limpeza dos terrenos, daquilo que tem sido feito pelo, o trabalho que o ICNF fez nestes últimos anos com a disponibilização de sistemas de informação e de controlo, que ajudam as próprias câmaras e que ajudam as pessoas a saber quando é que podem fazer queimas, o que é que precisam, o que é que têm de fazer, também tem redundado num melhor resultado. E isto para me levar àquilo que queria dizer há bocado e não consegui. Os portugueses assumiram que esta questão dos incêndios rurais é um desígnio nacional. E se nos lembrarmos que a média dos últimos 10 anos apontava para cerca de 14 a 15 mil ocorrências por ano, nós o ano passado não chegámos a ter 8 mil ou andámos muito perto das 8 mil. O que é que isto verdadeiramente significa? Significa que tive os meios suficientes para acabar com 90% dos incêndios logo no ataque inicial. O que quer dizer que desses 8 mil, apenas 10% é que se podiam transformar em grandes incêndios. O que também não me deixa descansado, porque pode ser uma boa indicação de avaliação de performance comparativa, mas o que é certo é que tivemos 800 incêndios que tiveram toda a capacidade de evoluir para grandes incêndios. E apenas tivemos um grande, grande incêndio o ano passado, que foi na região de Odemira. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que melhores forças, mais bem treinadas, mais bem comandadas, melhor coordenação, vamos aprendendo. E acho que não tem sido feita a devida justiça àquilo que o Sistema Integrado de Gestão de Fogos Rurais levou a cabo com a questão das lições apreendidas. Estamos neste momento a introduzir alterações que derivam precisamente daquele princípio de que primeiro vemos o que é que se passou, identificamos as ações e depois tentamos implementar as ações identificadas como futuras lições apreendidas. Que nos permite também ter melhores resultados. Isto quer dizer que é um processo contínuo, que está baseado naquilo que foi a carta que foi assinada por todos os dirigentes com responsabilidade no Sistema de Gestão Integrado de Fogos Rurais e que, portanto, também é de toda a justiça relevar que esse sistema também tem produzido conhecimento e tem produzido capacidade de alterarmos as coisas como elas estão.
Para ter a noção aqui da dimensão destes casos, de terem conseguido acabar com um incêndio em 90% dos casos logo no início, tem ideia de quanto é que era esta percentagem em 2017, por exemplo?
Em 2017, a maior parte do ano andou perto dos 88%, mas andava perto dos 90%. Temos conseguido fazer esse trabalho de manter esta proporção de 10%/90% entre o ataque inicial e o ataque ampliado. Mas há aqui uma diferença.
Mas tinha-me falado nestes 90% como uma demonstração de que os meios estavam mais robustos e mais fortalecidos. Mas não há diferença como era antes?
Estes 90% indicam perfeitamente que conseguimos acabar dentro da estrutura daquiloque são os indicadores do ataque inicial e depois a verdadeira performance não se vê nestes 90%. Foi os outros 10% que não tiveram a produção de nenhum incêndio.E tivemos pelo menos cinco em 2022, um deles com impacto muito grande na Serra da Estrela. E isso também é um indicador da avaliação de performance.O ataque inicial, por isso é que digo, os meios aéreos são estáveis, promovem 90% do ataque, eles são estáveis. A triangulação dos bombeiros permitem estes 90%, é um fator estável.O fator que melhorou é que conseguimos ter no ataque ampliado cerca ainda de 800 incêndios e apenas um deles foi maior, que foi o de Odemira. E esse é que é o verdadeiro valor da indicação de performance. Para mim a meta é 100% no ataque inicial.Reduzir tudo a zero. Sabemos que é impossível, mas há de ser sempre esta a nossa meta.
Deixe-me mudar do fogo para a chuva, porque as emergências climáticas também passam por fenómenos de chuva. Chuva intensa, de ventos fortes, de outro tipo de emergências que causam problemas também. A proteção civil está preparada para responder a essa diversidade de emergências?
A proteção civil está preparada. O problema é que os portugueses não esperam que a proteção civil esteja preparada. Os portugueses têm de esperar que todas as políticas de urbanismo e de construção e de resiliência urbanística também tenham que ser respeitadas. Porque não vale a pena dizer que agora houve uma cheia e têm de vir os bombeiros retirar água, salvar pessoas. Enquanto nos incêndios conseguimos fazer proteção e socorro, ou seja, num incêndio fazemos a proteção não deixando arder, retirando as pessoas dessas áreas e depois socorrendo quem necessita. No caso de uma cheia, a coisa às vezes é mais complicada. Como num caso de sismo. Não há proteção. Há apenas socorro. Porque só depois de se verificar essa questão é que vamos socorrer as pessoas ou então vamos tirá-las preventivamente dessas zonas. Mas aqui é o que é que provoca as inundações a que temos assistido, por exemplo, nas zonas mais ribeirinhas das cidades? É apenas um incremento da chuva e das condições climáticas ou é também a conjugação disso com má construção, construção em leitos de cheia, uma política urbanística dos anos 80 e dos anos 70 que não teve atenção a essas questões e que agora estamos todos a pagar. A Proteção Civil tem umas costas muito largas e estamos cá para proteger fundamentalmente os cidadãos. Mas também temos de alertar, e fazemo-lo através da nossa tutela política e sobretudo pelas câmaras, de que há muito trabalho relativamente à implantação urbanística, daquilo que são os planos para a construção e aonde é que se constrói, o que é que é possível construir, que materiais é que devem ser utilizados e até que ponto as próprias construções estão adaptadas a situações onde possam ocorrer cheias. Como por exemplo assistimos todos, não é preciso citar os lugares, das garagens que ficaram inundadas porque as garagens estavam abaixo do nível das águas do rio, por exemplo. É óbvio que é um melting pot perfeito para que a coisa corra mal.
Já chegou ao pé de algum autarca e disse que se calhar não era má ideia deitar abaixo aquele prédio porque senão vai acontecer uma desgraça?
Não, nunca disse por uma simples razão. Respeito muito a separação dos poderes e a separação das responsabilidades. Também não sou o salvador, sou apenas um soldado de uma grande equipa que trabalha na proteção civil. Mas é óbvio que tento alertar através de todas as minhas estruturas aquilo que, pelo menos, se não consigo mudar o que já foi feito, para que no futuro não haja esse tipo de construção. E falamos e inclusivamente já falei com vários autarcas nesse sentido. Não tive nunca nem a veleidade nem a coragem de dizer que se deve deitar abaixo. É uma responsabilidade do poder autárquico, de quem tem a relevância no seu município. Aliás, não nos podemos esquecer que esqueça-se quem pense em proteção civil sem autarquias. Aliás, o primeiro nível de atuação da proteção civil é o nível municipal, através das suas coordenações municipais de proteção civil. E mais ainda, 90% das ocorrências, de todas elas, são resolvidas, e são cerca de 1 milhão e 500 mil por ano, envolvendo várias áreas, até da própria emergência, são resolvidas ao nível local. Portanto, há um grande trabalho dos autarcas. Agora, também temos de olhar para aquilo que foi feito, por exemplo nos anos 70, com a construção desenfreada em determinadas zonas, que agora estamos a sofrer os efeitos. E, portanto, quem é que tem de responder? A proteção civil, conjuntamente com os serviços municipais de proteção civil, e tentarmos fazer o melhor possível para proteger as pessoas e socorrer as pessoas. Se bem que aqui a proteção é sempre muito mais difícil.
Há verbas e financiamentos disponíveis do Fundo de Coesão, nomeadamente o Programa Sustentável 2030, que disponibiliza três mil milhões de euros para o projeto de adaptação às alterações climáticas, que incluem, entre outros, a prevenção dos riscos e a resiliência a catástrofes. Portugal está a aproveitar esses financiamentos? A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil está a aproveitar esses financiamentos?
O aproveitamento destes financiamentos não cabe à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, como não cabe aos vários subsetores do Estado. Cabe-nos a nós fazer um planeamento daquilo que precisamos. E, por exemplo, para esses fundos, inclusivamente para outros, apresentamos um conjunto de necessidades que gostaríamos de ver mais alavancadas no plano financeiro, mas depois é nos atribuído pelo Governo uma determinada fatia de todos esses programas que concorrem, que não concorrem só para a proteção civil, concorrem para as autarquias, concorrem para as associações de municípios.
Mas qual é a vossa fatia?
A nossa fatia, por exemplo no PRR, que é um valor muito expressivo, foi de apenas 33 milhões de euros. E digo com muito orgulho, somos uma entidade que tem feito o nosso trabalho de casa e que tem cumprido, escrupulosamente, o planeamento dos projetos e do levantamento, não só dos projetos, como relativamente à realização desses próprios projetos para podermos cumprir as metas que estão definidas. Mas é óbvio que a Proteção Civil aspirava a muito mais. Esses 33 milhões para várias áreas permitiu-nos comprar ou adquirir, fizemos a entrega das primeiras 10 viaturas na apresentação do dispositivo especial de combate a incêndios rurais, mas permitiu-nos fazer um contrato de programa de 81 viaturas. Ora, se me lembrar que no país há 460, números redondos, corpos de bombeiros, se calhar gostaria de ter um programa que me tivesse dado financiamento para levar a cabo essa entrega. Não foi assim entendido, porque também não posso ter uma visão egocêntrica do sistema em que tudo tem de assentar na Proteção Civil, tem que haver as verbas gastas. Algumas dessas verbas são também para a resiliência ambiental, para a eficiência energética, que também concorrem para a sustentabilidade e que não têm de estar obrigatoriamente dentro daquilo que são os parâmetros da Proteção Civil. Costumo dizer que sou um departamento do Estado e vivo com os recursos que o Estado me atribui. Agora, se me perguntam se gostava de ter mais recursos, claro que gostava. Esse é um exemplo, o PRR atribuiu-nos 33 milhões de euros para vários projetos, mas por exemplo, sei que até estava previsto menos e foi na altura a tutela anterior do âmbito, da Proteção Civil, que se bateu para que esse valor também fosse aumentado e conseguisse na realidade os 33 milhões de euros. Temos de ver esta questão dos fundos europeus, dos fundos de coesão, como uma perspetiva de benefício geral para todas as áreas. Se bem que gostaria muito de ter do meu lado na Proteção Civil muito mais dinheiro, mas percebo que o que não veio para mim está a ser bem canalizado para outras áreas importantes para o Estado português.
Mas também precisa de mais pessoas. E o António Nunes, Presidente da Liga dos Bombeiros, dizia que faltam bombeiros onde eles são cada vez mais precisos. Deu alguns números, vários números, dos sítios onde eles são muito necessários e onde são cada vez menos, até comparando com anos anteriores. Consegue dar algum tipo de contributo para inverter esta tendência?
A questão da falta de voluntários, que tem sido falada durante muito tempo, ainda hoje disse isto numa conferência na Universidade Lusófona sobre o passado e o futuro da Proteção Civil. Se calhar, para a questão do voluntariado, o que temos assistido é que toda a gente fala no voluntariado, mas numa perspetiva muito setorial. É o voluntariado para os bombeiros, é o voluntariado para as Forças de Segurança, é o voluntariado para as Forças Armadas. E penso que, se calhar, valeria a pena pensarmos fora da caixa e encararmos o voluntariado como uma complexidade. Não gosto de utilizar o problema, o problema promove um conjunto de restrições para resolvermos. Uma complexidade é algo que é dinâmico no tempo e que podemos ir melhorando. E a questão do voluntariado acho que tem de ser encarada como uma complexidade nacional e, portanto, tem que ter políticas de Estado para a questão do voluntariado. E, sobretudo, não termos medo de discutir, primeiro, e depois levar a cabo experiências fora da caixa. Lembro que em 2019, ainda como Comandante Nacional, houve uma apresentação na altura no Ministério da Defesa, e apresentei isto na altura aos vários elementos do Governo que estavam em 2019 presentes, que, se calhar, valeria a pena pensarmos num pacote articulado entre, por exemplo, a Defesa e a Administração Interna. De que modos? Porque é que, por exemplo, estamos no plano da discussão teórica e que valeria a pena discutir? Se temos falta de voluntários, quer nos bombeiros, quer nas Forças Armadas, porque é que não vamos permitir que aquelas pessoas, aquelas mulheres e aqueles homens que entram para os bombeiros com 16, 17, 18 anos e que fazem o curso, a seguir têm preferência para concorrer aos programas de voluntariado e contrato das Forças Armadas, assumindo aqui as Forças Armadas, por exemplo, eu não sou chefe militar, os chefes militares é que terão que pronunciar sobre isto, mas assumindo, por exemplo, a posição de que nós aceitamos estes elementos que vêm dos bombeiros para prestar serviço nas Forças Armadas, mas só lhes damos formação na área da proteção civil. Condutores e operadores de máquinas de construção, condutores de ambulâncias, primeiros-socorros, comunicações de emergência, logística e no fim de cumprirem X anos, têm um regresso assegurado e com concurso preferencial para integrar corpos profissionais da proteção civil. Por exemplo, é uma ideia.
Uma espécie de serviço de voluntariado obrigatório.
Isto levanta outras discussões. Aliás, produzi para o Diário de Notícias um artigo de opinião sobre a questão dessa tipologia de serviço cívico, mas vale a pena pensarmos fora da caixa e não pensarmos que vão ser os bombeiros que resolvem o voluntariado dos bombeiros e que são determinados corpos do Estado que resolvem o seu problema de voluntariado.
Mas aí excluía o voluntariado?
Não, não, muito pelo contrário. Eles começam como voluntários, vão para o corpo de bombeiros, depois podem concorrer, por exemplo, às Forças Armadas e têm um serviço delimitado no tempo. Adquirem formação na área da proteção civil, que teriam de adquirir cá fora, adquirem porque as Forças Armadas têm capacidade de dar essa formação, e depois regressam à sociedade civil, enriquecidos na sua área da proteção civil e com garantias de poder concorrer a concurso, preferencialmente para corpos de bombeiros profissionais, corpos de bombeiros municipais, integrar equipas profissionais dentro dos corpos de bombeiros voluntários. Sou um defensor acérrimo do voluntariado. Aliás, nunca me iam de ouvir dizer que o voluntariado não é uma boa solução. Aliás, o voluntariado tem sido a solução que há 600 anos tem dado de grande segurança aos portugueses. E é bom que todos tenhamos em mente que os nossos bombeiros voluntários, aqueles que estão até profissionalizados, são autenticamente profissionais e não perdem tecnicamente para nenhum bombeiro profissional. O que temos de arranjar é uma perspetiva de carreira, uma perspetiva de integração e compensação. Mas ainda relativamente à questão do voluntariado, outra questão importante que temos de ver é também até que ponto a escola não pode fazer aqui um papel naquilo que é o distanciamento a que cada vez assisto mais entre a pessoa individual e a pessoa comunitária.
E voltamos à prevenção, não é?
Exatamente. O termo é haver uma prevenção cívica que aproxime os cidadãos da comunidade e do seu trabalho cívico, do trabalho de voluntariado. Por exemplo, ainda hoje em conversa me diziam que a Universidade de Harvard, se não me engano, dentro daquilo que é a entrevista que faz para os seus alunos, uma das perguntas que fazem é o que os jovens já fizeram, nos seus anos de vida, ao nível de projetos de voluntariado. E nós estamos completamente longe dessa realidade, aliás, realidade que os países nórdicos já começam a efetuar. E, portanto, temos de pensar fora da caixa, isto é apenas uma achega para uma discussão mais alargada, com gente que consiga despir-se das estruturas corporativas a que pertencem e vamos discutir fundamentalmente o quê? O bem-estar e a segurança dos portugueses. Aliás, os fins teleológicos do Estado ainda não mudaram, são segurança e bem-estar. E nessa questão da segurança e bem-estar o voluntariado e a participação na comunidade cívica e no trabalho cívico é fundamental.
Se os bombeiros são o maior exército da proteção civil, não fazia sentido que tivessem um comando próprio como tem a GNR ou a PSP?
Mas os bombeiros têm um comando próprio. Não é por repetirmos um conjunto de frases que possam soar bem que isso passa a ser uma verdade, porque não é. A lei, o que determina, é que há uma estratificação e uma estruturação daquilo que são as capacidades de coordenação que a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil com os diversos graus hierárquicos ou autoridades conferidas. Por isso é que é uma autoridade. E essas autoridades conferidas, normalmente simplificamos tudo a falar em comando. Não é verdade. Por exemplo, a autoridade só tem comando completo sobre a Força Especial de Proteção Civil, que é a sua orgânica. Mas tenho forças da GNR, tenho forças do Exército, tenho corpos de bombeiros. Dos corpos de bombeiros, a lei só me concede comando operacional dos corpos de bombeiros. Numa missão específica de proteção civil e negociando com as associações, que é o que fazemos, sem intermediários, mas que fazemos com as associações. Da GNR só tenho controle operacional. Aliás, o comando operacional da GNR é do Brigadeiro-General Rodrigues, que até é meu amigo, e ele é que é o responsável operacional. Eu só tenho controle operacional. Ou, neste caso, até o Comandante Nacional, tem controle operacional. Para certas forças que me são atribuídas do INEM, nem controle operacional tenho. Tenho apenas um controle.
Mas a GNR tem um comandante-geral.
Pois tem. E onde é que iria estar esse comandante-geral? Pois, não há, não foi criado. Os bombeiros, neste momento, os bombeiros voluntários, ainda não estão organizados para que haja um comando efetivo de bombeiros. É uma discussão política, não depende do Presidente da Autoridade ou de outros interlocutores que na praça pública tenham as suas bandeiras.
Mas não é uma pedra na engrenagem? Isso não dificulta o próprio planeamento e o próprio lidar com a operação?
Não. Neste momento, não. Não sinto dificuldade nenhuma. Estou no sistema há seis anos, não sei como é que era anteriormente, não sei o que é que vai ser o futuro.Nós cingimo-nos àquilo que a lei determina, que é ter a tutela operacional sobre os corpos de bombeiros. Nessa situação, falamos sempre com as associações humanitárias, que são os verdadeiros detentores,mas fazemo-lo sem intermediários, como costumo dizer, que é ligando. Porque é aquilo que temos de fazer, falar com as associações.Claro que é sempre de bom tom e incluímos sempre nessas discussões, naquelas que são relevantes para a própria questão operacional, a Liga de Bombeiros, as federações, masa negociação formal é feita com as próprias associações com quem estabelecemos protocolos. E a tutela operacional é com os corpos de bombeiros, mais nada. Altere-se a lei, crie-se uma estrutura, mas aquilo que pergunto sempre é: uma estrutura onde? Vai-se criar a estrutura no mundo dos bombeiros? Vai-se criar a estrutura dentro da Liga?Vai-se criar a estrutura dentro da Autoridade? Tenho um projeto, que aliás já o passei ao anterior governo, também já o passei a este governo, já falei com o Presidente da Liga, tenho dito sempre em cerimónias públicas,temos de passar o comando dos bombeiros por bombeiros, que é uma frase que soa muito bem, é o que se passa nesta altura, porque 95% da minha estrutura vem oriundos de bombeiros.Aliás, atualmente a lei obriga-me que a maior parte deles venham oriundos de bombeiros, e bem, que venham de bombeiros e bem. E a questão que se prende com as operações é que 90% das operações no terreno são comandadas por bombeiros dos corpos de bombeiros.Quando se fala num comando único é, mas quem é que fica responsável pelo comando único? Consigo numa situação orgânica de uma entidade como o Exército, como a GNR, comoa INEM, reconhecer uma estrutura que é paga pelos contribuintes e que é assumida pelos contribuintes. Onde é que essa estrutura está? Não está. Mas também não vale a pena criticar, porque temos de conhecer a nossa história.Os bombeiros são uma força relevantíssima e que têm quase 600 anos no nosso país, derivam de uma característica histórica de Portugal. É que não tivemos feudalismo.E como não tivemos feudalismo, o que é que isso obrigou as populações a fazer? A auto-organizarem-se para a sua própria proteção? Não havia o senhor feudal que as protegia e tiveram de se organizar.E temos de relevar isso como o fator mais importante daquele trabalho comunitário, que é um trabalho fantástico, feito pelos bombeiros voluntários. E mais, é único no mundo.Aliás, o presidente Jaime Marta Soares está sempre a dizer que este é o único sistema e é o melhor do mundo. E tendo a concordar com ele, porque é um sistema que permite que a própria entidade, comunidade, povo, se organize para a sua defesa. O que é que discuto? Não é a existência dos bombeiros voluntários. Não.É cada vez mais, por exemplo, uma das coisas que tenho, e com orientações da minha tutela, quer do governo anterior, quer já desta tutela, que é não permitir a abertura de novos corpos de bombeiros. Porque quando se diz que isso é uma emanação do povo e não podemos impedir. Até certa parte, é verdade.A criação de uma associação depende exclusivamente daquilo que é a organização de cidadãos, desde que não gerem um corpo de bombeiros que depois é subsidiado pelo Estado para sobreviver.E continuo a dizer, temos cerca de 460 corpos de bombeiros. Se calhar está na altura de nos sentarmos todos à mesa. A liga, as federações, a autoridade, o poder político, os stakeholders relevantes, o poder municipal, que é fundamental, os municípios são fundamentais nesta discussão, a AssociaçãoNacional de Municípios, a Associação Nacional de Freguesias, e dizer que sistema de bombeiros é que queremos ter. Mas ainda vou mais longe: que sistema de proteção civil é que queremos ter.Porque no futuro, aquilo que defendo é, dentro da estrutura voluntária, criar fenómenos de profissionalização, formação superior, média ou de base. E no futuro são estes elementos que sobem ao longo da carreira e que acabam por ocupar todos os lugares dentro da proteção civil. Aliás, já discutimos isso várias vezes noutros fóruns. Daqui a20 anos, ou daqui a 25 anos, termos um primeiro general bombeiro que seja o Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Acho que era um sonho bonito. Agora, não é para as pessoas da minha idade, nem para os atuais bombeiros, são para aqueles que têm agora 15, 16, 17 anos, se começarmos a trabalhar agora numa solução de futuro.É mais um pensamento fora da caixa, que vale a pena discutir antes de tomarmos decisões sem estarmos suficientemente estribados naquilo que é o que o povo português quer.
Estamos confrontados com uma guerra na Europa e há uma competência da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil que tem a ver com as nossas reservas a vários níveis. Esse trabalho está feito? Em que ponto é que estamos nas diversas áreas?
Tivemos muito que acelerar todo o processo daquilo que era o planeamento civil de emergência. Como sabe, o planeamento civil de emergência migrou durante anos entre estruturas, entre tutelas e chegou-se a uma conclusão onde, e o mérito não é meu, o mérito é do meu antecessor, do Tenente-General Morato Nunes, do qual eu era um dos seus braços direitos e discutimos muito isso em cima da mesa, foi qual é a forma de revitalizarmos aquilo que é a capacidade de resiliência do Estado português. E, ou seja, como é que vamos organizar o planeamento civil de emergência. E aquilo que, na altura, falámos e que acabou por vir plasmado na lei de 2019, na lei orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, foi criar uma estrutura chamada Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência, que engloba um Sistema Nacional de Planeamento Civil. E que, e bem, passa a ter relevância de todas as áreas governativas, dos transportes marítimos, aéreos, terrestres, da alimentação, da água e de resíduos, da energia e das comunicações, onde trabalhamos o elemento de fazer os planos, identificar estruturas e metê-las ao serviço do Estado português, através de uma entidade que neste momento, até outra estar definida, tem toda a tendência de ser englobada, aliás, trabalho muito com o Sr. Embaixador Paulo Viseu Pinheiro na área do SSI, até porque a própria transposição da Diretiva Europeia de Resiliência, nós traduzimo-la em conjunto, porque preparamos o planeamento e depois entregamos esse planeamento ao Sistema de Segurança Interna, para depois o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, dentro das suas competências, gerir a crise. Este é o modelo. O que é que temos feito? Além do levantamento de todas as comissões e de todo o trabalho, estamos neste momento no processo de contratação de uma empresa para fazer uma análise multicritério das infraestruturas críticas. E agora perguntam-me assim, mas porquê uma empresa de uma análise multicritério? É porque se não é tudo crítico. Se eu perguntar a cada área governativa quais são as suas infraestruturas críticas, cada uma das áreas governativas faz-me um cardápio de 100 ou 200 infraestruturas críticas.
Mas a definição de infraestruturas críticas são aquelas infraestruturas cujo não funcionamento pode pôr em causa o funcionamento do país ou de uma região.
Antigamente estavam só indexadas aos transportes e às comunicações e atualmente já indexam mais áreas. Ainda há transportes das três áreas, terrestres, aquáticas e aéreas, comunicação, alimentação, resíduos, água.
Mas há um critério para tudo?
Não, o critério é lato e é geral e, portanto, temos de verificar e temos que fazer uma análise multicritério de acordo com aquilo que são feitos pelos nossos parceiros nos outros países para saber o que é verdadeiramente crítico. O que é que é verdadeiramente crítico? É uma Estação Nacional de Tratamento de Água ou são as cinco estações regionais?
Estão a definir o critério ou já definiram e estão a identificar?
Não, nós estamos a identificar no processo de identificação. Aliás, esta análise multicritério é para identificar e porque é que eu tenho de as identificar? Porque em 2025 vou ter de entregar essa identificação ao SSI para fazer os seus planos de defesa. É óbvio que a questão da guerra veio acelerar esta questão. Aliás, lembramos que há uns tempos atrás o que era muito importante na NATO era o Comité Militar e hoje em dia há um Comité de Resiliência no qual tem acesso um elemento político designado pelo primeiro ministro no Comité de Resiliência, acompanhado pelo Presidente do Planeamento Civil de Emergência, que é também o Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e por inerência Presidente do Planeamento Civil de Emergência é também o Director Policy na NATO para as questões da resiliência. E tivemos de começar a acelerar aqui o trabalho, não tanto na identificação das estruturas críticas e de um fenómeno alargado daquilo que é o Planeamento Civil de Emergência, mas na capacidade que o Estado, porque isto sim é um requisito da NATO, tem de apoiar forças militares internas ou externas na condução de uma grande operação militar. Aliás, na última reunião de Policy Directors que tivemos, quando cheguei, a primeira pessoa que chamei foi o representante na área do ENFA (?) para lhe dizer que a NATO está a exigir neste momento aquilo que são minimum opperational requirements, portanto, estruturas mínimas de apoio para apoiar operações militares. Portanto, precisamos de nos reunir e ver o que é que temos para apresentar à NATO, se bem que toda esta questão, a própria NATO apresenta como prazos 2026 ou 2027, mas temos de fazer o nosso trabalho de casa.
Creio que eram cerca de nove dezenas de infraestruturas críticas que já tinham sido identificadas e cujos planos de emergência e de segurança estavam a ser feitos no âmbito do SSI. Esses estão feitos?
Esses estão feitos. O que não quer dizer que não tenham de ser adaptados para os novos requisitos operacionais que são definidos em termos internacionais até na transposição da diretiva. E aqui, por exemplo, é uma das questões relevantes que gostaria aqui de falar. Estive numa reunião em Fevereiro, se não me engano, que foi diretamente com o Sr. Secretário-Geral da NATO, onde a posição dos vários países era e foi dito pelos vários representantes, entre os quais me incluí eu e o Sr. Secretário-Geral da NATO, que de uma vez por todas tem de se ressaltar bem um grau elevado de coordenação entre a NATO e a União Europeia. Porque enquanto a NATO nos faz recomendações, a União Europeia difunde diretivas que têm de ser transportas para a legislação nacional. E, portanto, está agora a haver e tem havido. Quer no fim de 2023, já agora durante o ano 2024, um coordenar entre as ações com um grupo de coordenação entre a União Europeia e a NATO, precisamente, para que produzamos todos a mesma estrutura e não tenhamos, fundamentalmente, de estar a duplicar, porque os recursos são escassos e nenhum país é rico que possa duplicar os seus recursos, para dar resposta aos requisitos de resiliência da NATO e aos requisitos de resiliência da União Europeia. Há muita coisa para fazer, claro que há. Aliás, o mundo da proteção civil e do planeamento civil de emergência é um mundo que não tem fim. Tem sempre muita coisa para fazer. Mas estamos a trabalhar e estamos a trabalhar com tudo aquilo que nos é possível fazer para conseguirmos, no fim da linha, em caso de necessidade, termos um país também mais resiliente, com fatores de resiliência, que inclua todas as áreas governativas. E esse é o grande passo que demos desde o sistema anterior. É que agora incluímos mesmo todas as áreas governativas e todas as infraestruturas de todas as áreas governativas.
