"É como retirar o doce da boca de uma criança." Petição pelo financiamento de medicamento para ataxia de Friedereich chega à AR
A ataxia de Friedreich é uma doença rara neurodegenerativa e progressiva que afeta o sistema nervoso e leva à perda de mobilidade e afeta ainda a fala. O fármaco Skyclarys está a ser administrado através do Programa de Acesso Precoce do Infarmed, mas é caro e não chega a todos os doentes
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Uma petição a pedir a adoção de medidas para aprovar o financiamento de um medicamento para tratar a ataxia de Friedreich foi entregue no Parlamento.
Trata-se de uma doença rara neurodegenerativa e progressiva que afeta o sistema nervoso e leva à perda de mobilidade e afeta ainda a fala. Até há pouco tempo não existia tratamento eficaz, mas, em 2023, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) aprovou o Skyclarys. O fármaco já foi testado com resultados comprovados no desacelerar da doença e na melhoria da qualidade de vida. Está disponível há um ano, mas apenas através do Programa de Acesso Precoce do Infarmed. O autor da petição, Filipe Andrá Lopes Bento, sublinha que sem financiamento do SNS, o elevado custo do medicamento torna-o inacessível para a maioria dos doentes.
"No meio do azar, tive muita sorte." Rui Bernardino foi diagnosticado à nascença, ao contrário da maioria que é diagnosticada no final da infância. O funcionário público da zona de Coimbra começou logo a ser seguido pelos médicos porque os tios já sofriam de ataxia de Friedriech.
"Por exemplo, eu comecei a fazer fisioterapia aos dez anos. No entanto, ainda andava bem, mas comecei a fisioterapia. O meu avô materno é irmão do meu avô paterno. Toda a gente fala do diagnóstico, eu sempre soube o diagnóstico, por isso é muito diferente para mim. Eu adaptei-me ao longo do tempo, não tive choque", conta à TSF.
Rui Bernardino é um dos que tem beneficiado do novo medicamento para atrasar a progressão desta doença rara através do Programa de Acesso Precoce do Infarmed nos hospitais da Universidade de Coimbra. Começou em novembro do ano passado com resultados dois meses depois.
"Comecei [a notar] no equilíbrio, a voz não tinha nada a ver. Por exemplo, eu conseguir sentar-me na cama sozinho não tem preço. E tinha coordenação e mais força. Com o passar do tempo [sem o medicamento] foi tudo por água abaixo", descreve.
Mas os receios da interrupção do tratamento e o impasse nas negociações para o financiamento do Skyclarys levaram-no a parar de tomar o medicamento por iniciativa própria: "Eu queria que o hospital me desse algum feedback de que vai haver continuidade [do medicamento], porque eu estou mal, uma caixa e depois acabar pouco adianta."
Entretanto Rui Bernardino já trouxe mais embalagens do medicamento do hospital e foi autorizado pelo médico a recomeçar o tratamento, o que aconteceu na segunda-feira.
Nélia Mateus também sofre de ataxia de Friedriech. Foi diagnosticada já era casada e tinha um filho a quem felizmente não passou a doença.
"Eu sei que aqui em Faro os doentes nem se quer sabem da existência do Skyclarys", diz, antes de Rui Bernardino responder: "O meu tio que mora em Oliveira do Hospital também não sabe."
A vice-presidente da Associação Portuguesa de ataxias hereditárias sublinha a importância deste medicamento ser comparticipado pelo Estado, além da necessidade de chegar a mais pessoas. A presidente da associação, Célia Costa, explica que "ficar sem este medicamento é como retirar o doce da boca de uma criança".
Joana Damásio, presidente da Sociedade Portuguesa das Doenças do Movimento e neurologista do Hospital de Santo António, no Porto, explica que na ataxia de Friedreich "a doença não está restrita ao cerebelo, envolve outras regiões do sistema nervoso central, como os nervos periféricos e a parte motora principal. Isso é um aspeto distintivo face a outras ataxias hereditárias, e depois também aqui o envolvimento para além do sistema nervoso, que é o envolvimento cardíaco e o envolvimento ósseo, o envolvimento do pâncreas, com o aparecimento de várias manifestações, miocardiopatias e deficiência cardíaca, arritmias, o aparecimento de escolioses graves, deformidades ósseas do pé, diabetes numa idade precoce. Estes outros sintomas, além da ataxia em si, são aqueles que nos fazem suspeitar de ataxia de Friedereich em particular, associados a uma idade de início que na grande maioria dos casos é ali pelo fim da infância e início da adolescência."
"Esse tratamento, sim, parece melhorar a função cerebelosa e atrasar a progressão da ataxia de Friedreich. O que é uma alegria imensa para todos nós que tratamos estas pessoas e para os doentes e para os seus familiares também. (…) Num grupo variável, há vários hospitais no país que já estão a disponibilizar o fármaco através deste programa de acesso precoce, mas aquilo que nós procuramos é que ele esteja disponível para todas as pessoas (...) Notam-se melhorias ao nível motor, essencialmente", refere.
Trata-se de um medicamento que não está ao alcance de qualquer carteira: "Se não for comparticipado, é um medicamento caro. Temos o privilégio em Portugal de o Serviço Nacional de Saúde comparticipar a grande maioria dos medicamentos, uns mais dispendiosos do que outros. Quando falamos em doenças raras, habitualmente estamos a falar de medicamentos que são mais dispendiosos."
A entrada desta petição na Assembleia da República vem trazer visibilidade à doença. O objetivo dos promotores é acelerar o financiamento do medicamento pelo SNS.