"É corrigir um erro histórico." PS chumba mexidas na lei da nacionalidade, mas BE ainda tem esperança
O PS não vê necessidade de fazer alterações à lei nesta altura, mas o Bloco de Esquerda ainda tem esperança de que a posição socialista mude com base nas palavras de António Costa na discussão do Programa de Governo. Há quatro projetos em cima da mesa.
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Não há necessidade de regressar à discussão. A posição é do Partido Socialista que, com os partidos à direita, não vai viabilizar mudanças na lei da nacionalidade, que esta quarta-feira vai estar em debate na Assembleia da República.
"Não vemos que tenha havido uma alteração tão substancial desde há um ano na sociedade portuguesa para voltar a uma discussão que tivemos em 2017 e que culminou há pouco mais de um ano numa profunda alteração à lei da nacionalidade", sublinha a deputada socialista Constança Urbano de Sousa.
Em declarações à TSF, a deputada nota que em Portugal há "um equilíbrio entre o princípio do jus sanguinis [critério da consaguinidade] e do jus soli [critério do território onde nasceu] com uma clara predominância do jus soli" e que é assim que deve continuar.
É aqui que colidem as ideias socialistas com as dos partidos mais à esquerda, que defendem um aprofundamento do princípio jus soli de que quem nasce em Portugal é português.
Apontando, sobretudo, ao Bloco de Esquerda e ao Livre, Constança Urbano de Sousa destaca que há propostas que "permitem a concessão de nacionalidade efetiva a quem não tem um mínimo de vínculo, presumido até, não é necessário que tenha um vínculo real, mas, ao menos, presumido".
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Virtualidades no projeto do PAN
O PAN traz a debate aquela que diz ser uma "correção" de um erro da atual legislação. A líder parlamentar Inês Sousa Real explica à TSF que a lei "deixou de fora os nascidos entre 1974 e 1981 que pudessem residir no território nacional, nomeadamente nas ex-colónias, e que atualmente se encontram na situação de não-documentados".
"Com este projeto de lei, pretende-se corrigir um erro histórico e que, por essa via, [estes cidadãos] possam obter a regularização daquilo que é a sua documentação", sublinha Inês Sousa Real confiante de que poderá haver consenso no plenário por ser algo muito concreto e não a abertura de um debate como outros partidos.
Do lado do PS, a deputada Constança Urbano de Sousa reconhece que o projeto tem "algumas virtualidades". "É muito pontual, não propõe nenhuma alteração substancial na lei da nacionalidade, visa corrigir uma certa injustiça histórica cometida em 1975 e que é provável que existam algumas pessoas que sofrem as consequências dessa lei", diz a deputada sublinhando que "merece consideração" e que, juntamente com o projeto do PCP ("que não vai tão longe como o Bloco de Esquerda ou o Livre") ainda é passível de alguma reflexão.
"Ainda poderíamos refletir na bondade de uma ou outra solução, não na sua integralidade, mas numa solução. Não é tão estruturante, não quer rever tudo, como o projeto de lei do Bloco de Esquerda ou do Livre", conclui.
Jus soli
À exceção do projeto do PAN, todos os outros projetos visam um maior aprofundamento do jus soli, o princípio segundo o qual uma pessoa tem a nacionalidade do país em que nasce.
No caso do PCP, o deputado António Filipe explica que se trata de uma evolução na lei e que passa por "facilitar a possibilidade de opção pela nacionalidade portuguesa das crianças nascidas em Portugal, filhas de pais estrangeiros, mas que vivem em Portugal".
Sublinhando que Portugal é, desde há muito tempo, um país de imigração, o deputado comunista afirma que "a lei já evoluiu permitindo que isso aconteça, mas, desde que os pais residam em Portugal, há, pelo menos, cinco anos". "Pensamos que deve haver uma evolução no sentido em que, independentemente do prazo em que vivam em Portugal, desde que cá vivam efetivamente e cá continuem a viver, deve ser permitida a opção pela nacionalidade portuguesa de origem relativamente aos seus filhos", nota António Filipe.
Os casos do Bloco de Esquerda e do Livre vão ainda mais além. O principio é o mesmo: nasce em Portugal, logo é português.
Para o partido da deputada única Joacine Katar Moreira, a atribuição da nacionalidade originária para cidadãos nascidos em Portugal deve acontecer "por mero efeito da lei, independentemente da apresentação de prova de residência legal de um dos seus progenitores".
O Livre defende ainda que no caso da atribuição da nacionalidade por casamento ou união de facto possa acontecer "por mera declaração" e que, no que diz respeito à contagem do tempo, seja contabilizada a "residência efetiva e não a residência legal".
Já o Bloco de Esquerda também sublinha um outro aspeto na alteração a esta lei e que passa pelo fim da "perversa norma que impede a aquisição da nacionalidade portuguesa aos cidadãos estrangeiros que tenham sido condenados a pena de prisão igual ou superior a três anos". "Esta é uma norma perversa, uma pena escondida não aplicada por qualquer poder jurisdicional e que tem o seu fundamento legal no preconceito", pode ler-se no projeto de lei entregue pelos bloquistas.
A esperança é a última a morrer
Mesmo com o pré-anunciado chumbo socialista, o Bloco de Esquerda não perde a esperança. Lembrando que esta é uma matéria querida do Bloco desde sempre, e que foi, de resto, uma das primeiras iniciativas da presente legislatura, a deputada Beatriz Gomes Dias nota que é preciso fazer uma correção a "uma injustiça histórica".
Mais do que isso, a bloquista sublinha que "quando não se tem a nacionalidade portuguesa, há um conjunto de entraves burocráticos que criam obstáculos à aquisição de direitos".
Como exemplo, Beatriz Gomes Dias fala nos atletas "que não podem jogar em determinadas condições porque há um número de estrangeiros que as equipas podem ter por jogo" ou até no facto de "a situação no país ter de ser constantemente regularizada ou renovada por deslocações ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras" e que "há um conjunto de taxas que são pagas para fazer essa regularização, que são muito mais altas do que aquelas que as pessoas que têm nacionalidade portuguesa pagam para renovar o seu cartão de cidadão".
Reiterando o apelo feito por Catarina Martins sobre a necessidade de um consenso em torno desta lei, Beatriz Gomes Dias lembra a pergunta que colocou a António Costa no debate do programa de Governo e que visava, precisamente, a disponibilidade para revisitar a lei da nacionalidade.
"O primeiro-ministro disse que a lei precisava de se aproximar à realidade do país e às necessidades do país", nota Beatriz Gomes Dias. "[A lei] já tem avanços significativos, mas é preciso aprofundar mais esses avanços, e essa também foi a resposta que o primeiro-ministro me deu quando fiz essa pergunta", diz apontado que o PS "irá observar a realidade da sociedade portuguesa e verificar que é necessário fazer esta correção, permitir às pessoas que vivem em Portugal, trabalham em Portugal e nasceram em Portugal, que possam ter a nacionalidade portuguesa".
Na altura, António Costa respondeu à deputada do Bloco que foi feita, em 2006, "uma rutura histórica no critério de atribuição da nacionalidade" com a introdução do conceito de jus soli. Falando numa "trajetória muito importante", o primeiro-ministro sublinhou que "é preciso avaliar bem aquilo que queremos e não abrir a porta àquilo que não queremos, não basta fazer uma escala em Portugal para que quem nasça em Portugal seja português, tem de haver um vínculo suficiente com o território nacional".
"O compromisso que assumimos é o de avaliar bem os problemas que existem fruto de entraves burocráticos, fruto de uma deficiente interpretação da lei ou aquilo que exigirá, por ventura, uma efetiva alteração do quadro legislativo", sublinhou António Costa.