Manuel Cortês tem 78 anos, trabalhou na secção responsável pelo recrutamento dos trabalhadores que ergueram a ponte 25 de Abril. Uma designação que veio com a revolução... para lamento de Manuel.
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Ponto prévio: "Eu distribuí listas de Humberto Delgado. Não gostava de Salazar". Nada que impeça Manuel Cortês de criticar o facto da ponte Oliveira Salazar ter passado a 25 de Abril por força da mudança de regime em Portugal. Explica Manuel que "o 25 de Abril não tem nada a ver... A ponte é das poucas coisa que o Estado Novo fez neste país".
É natural do Alentejo, estudava em Lisboa quando a empresa norte-americana responsável pela obra começou a recrutar trabalhadores. Candidatou-se a um lugar de "apontador", acabou na secção responsável pelas contratações. Por aqui passaram a maioria dos perto de "três mil" trabalhadores envolvidos na construção. Há um episódio que ainda preserva na memória - o dia em que o então presidente da Assembleia Nacional, Albino dos Reis, lhe telefonou. Faz notar Manuel que "nesse tempo os grandes também metiam cunha", conclui. "Era um pedido para um eletricista, nunca mais me hei de esquecer".
Cooperação luso-americana
Dos Estados Unidos "vieram cinquenta e tal americanos chefiar os departamentos da obra". Quanto aos portugueses eram quase todos "trabalhadores indiferenciados". As diferenças entre uns e outros revelaram-se de forma evidente nos primeiros tempos. Manuel Cortês recorda por exemplo um episódio com o responsável norte-americano pela equipa de soldadores. "O tipo às vezes entrava lá no nosso gabinete para nós darmos informações sobre qual era a escola que fulano tal tinha tirado o curso de soldador. Nós fartávamo-nos de rir!".
Nos Estados Unidos, recorda Manuel, quase todos os trabalhadores tinham certificação recebida numa escola profissional. Em Portugal os trabalhadores sabiam fazer porque iam fazendo. Apesar das diferenças o ambiente era saudável. "Não havia atritos", diz Manuel. Recorda-se por exemplo do dia em que "veio à superfície o betão do pilar sul". "Foi whiskey para toda a gente".
Uma mágoa
Manuel Cortês lamenta o facto de não ter estado presente na cerimónia de inauguração da ponte "Já tinha ido para a Suécia", justifica. Nada que impeça a relação umbilical que tem com esta obra. Costuma passar no tabuleiro da ponte várias vezes. O que sente? "Satisfação por ter contribuído, pois, para que aquilo exista".