É de evitar "tentação securitária": Ordem dos Advogados explica direitos dos migrantes que chegam a Portugal
À TSF, João Massano descarta que pedidos de asilo possam servir para que os migrantes "ganhem tempo". Antes, refere que esta medida deve ser entendida como uma forma de garantir que "as pessoas têm os seus direitos", ainda que admita que este é um processo que, por falta de meios, não funcione "de forma mais expedita"
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A Ordem dos Advogados teme que Portugal possa cair numa "tentação securitária em que as pessoas não tenham direitos" e explica o processo que enfrenta um migrante quando chega a Portugal.
Numa entrevista à TSF, na sequência do desembarque de 38 pessoas na Praia da Boca do Rio, no concelho de Vila do Bispo, no Algarve, o bastonário da Ordem dos Advogados, João Massano, afirma que as autoridades portugueses devem, desde logo, assegurar que estas pessoas "estão em condições de saúde e, se precisarem de cuidados médicos urgentes, devem tratar deles".
Estamos perante o direito à vida e à integridade física, e isso qualquer pessoa que chega a Portugal tem.
Numa fase posterior, é preciso perceber se os migrantes correm "risco de perseguição, tortura ou tratamento desumano". Se este for o caso, as pessoas podem pedir asilo a Portugal. Não ficando provado este perigo, o mais provável é que recebam ordem de expulsão. No caso concreto dos migrantes que chegaram na sexta-feira ao Algarve, o bastonário aponta que não deverão estar em causa nenhum dos riscos mencionados.
Reconhece, ainda assim, que os pedidos de asilo são, muitas vezes, "a solução encontrada" por aqueles que procuram entrar em Portugal, ainda que "não existam receios fundamentados que justifiquem" esse estatuto. A análise destes pedidos fica ao encargo da AIMA.
Enquanto a averiguação é feita, os migrantes são colocados em "centros de alojamento" para garantir que têm "as condições mínimas". Têm igualmente direito a apoio jurídico gratuito, que os deve acompanhar nos processos. Os advogados devem, em conjunto com as autoridades, "explicar-lhes os direitos que têm e devem assegurar-se de que eles compreendem esses direitos e explicar-lhes a situação que existe, mesmo que seja a expulsão". Depois, cabe à Justiça portuguesa determinar o rumo destas pessoas.
O Estado português terá de tomar as suas medidas, como qualquer Estado europeu, mas tem sempre de assegurar os direitos mínimos, porque Portugal é um Estado de direito democrático e a dignidade humana e a integridade física e o direito à vida são direitos fundamentais.
João Massano descarta que a questão da requisição de asilo possa servir para que os migrantes "ganhem tempo". Antes, refere que esta medida deve ser entendida como uma forma de o Estado garantir que "as pessoas têm os seus direitos", ainda que admita que este é um processo que, por falta de meios, não funcione "de forma mais expedita", como seria ideal.
"Há aqui uma coisa que temos de compreender: nós somos uma democracia, nós somos um Estado de direito e temos regras. O que se passa muitas das vezes é que essas regras não têm uma aplicação prática da forma que nós precisaríamos em muitas situações. Mas é um processo que tem de ser seguido", reforça.
Confessa, por isso, temer que o país possa "cair num extremo em que não haja direito e tudo seja feito de forma arbitrária e discricionária" e, por isso, pede "muito cuidado" na forma como se aborda esta questão.
Enquanto bastonário, mais ainda me preocupa que possamos cair numa tentação securitária em que as pessoas não tenham direitos e em que não haja respeito por esses direitos, quaisquer que sejam as situações em que estamos. Temos de ter o cuidado de não embarcar numa tendência securitária. Temos é de ter meios mais expeditos de decidir este tipo de processo e de resolver a situação.
Pelo menos 140 migrantes desembarcaram na costa do Algarve ao longo dos últimos seis anos, segundo uma contabilidade feita pela Lusa a partir das notícias publicadas desde 2019. Na sua maioria, os migrantes chegados ao Algarve nos últimos seis anos foram identificados e receberam ordem de expulsão.
Em 2020, o então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, afirmou ser prematuro falar de uma nova rota de migração para Portugal, se se comparar com as “dezenas de milhares de chegadas em Espanha”, nomeadamente no sul do país, com os barcos que atravessam de Marrocos.