"Insólito" e "um insulto". Novo diretor para o património sob chuva de críticas
Bernardo Alabaça tem ligações à gestão de imobiliário, algo que faz com que os dirigentes museológicos temam a captura da DGPC pelo poder económico.
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Os dirigentes da Associação Portuguesa de Museologia (APOM) e do Conselho Internacional de Museus da Europa consideraram "inqualificável" e "um insulto" a escolha do gestor imobiliário Bernardo Alabaça para a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC).
"Esta nomeação é absolutamente insólita, todas as pessoas da área do património cultural estão em estado de choque", nota o arqueólogo Luís Raposo, que preside ao Conselho Internacional de Museus (ICOM) da Europa.
A DGPC é vista como um "verdadeiro monstro administrativo" pelos profissionais da área, que "veriam com bons olhos uma reformulação ou eventual extinção" da mesma com criação de outros organismos.
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"Estávamos longe de poder imaginar que a alternativa de qualquer Governo - designadamente este - teria seria a de fazer capturar o património cultural pelos interesses da rentabilização imobiliária do património do Estado", lamenta Luís Raposo. "É insólito."
O despacho de nomeação foi assinado pela secretária de Estado, mas Luís Raposo teme que não tenham sido avaliadas "plenamente as consequências" da opção tomada pelo Governo nesta escolha para o cargo.
Bernardo Alabaça é visto pelo presidente do ICOM como um "completo desconhecido" da área do património.
"Pelo currículo que vem nos jornais é altamente preocupante, trata-se de alguém especialista em avaliação de imobiliária, alguém que no passado atuou várias vezes no lado contrário da mesa, ou seja, quando se pretendeu na área da Cultura, classificar como monumento nacional determinados bens, esteve do lado oposto, impedindo essa classificação em nome da rentabilização hoteleira."
Em declarações à TSF, Luís Raposo defende que os "tempos recentes" fazer lembrar "outros tempos mais antigos do PS, designadamente o chamado 'socratismo'" e espera que a nomeação "possa ser corrigida".
"Se não o for, estamos numa situação muito complicada em que o movimento associativo e a sociedade civil terão de fazer ouvir-se, exercendo os seus direitos de indignação e ação popular em defesa do património cultural", alerta.
Por seu lado, o presidente da direção da APOM, afirma que recebeu esta nomeação como um insulto porque a escolha de um gestor imobiliário sugere que só os edifícios interessam. "São as coleções que transmitem conhecimento. Temos os monumentos que também transmitem, mas nos museus e nos palácios são as coleções, o recheio que lá está, não é a questão do imobiliário ou do edifício", defende.
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"É um insulto aos museólogos, não há pessoas para irem para os cargos?", questiona João Neto, antes de dar a resposta. "É transformar a DGPC numa grande plataforma Airbnb."
Em declarações à TSF, João Neto, rejeita que o novo diretor-geral do património chegue ao cargo para acabar com falhas com a perda de obras da coleção do Estado e defende que esta é uma situação que vem "já de há vários anos e de várias direções".
O dirigente fala de uma ideia do tipo "Querido, mudei a casa", para criticar a opção do Governo, que diz mostrar assim que só os edifícios interessam e que os museus e o espólio "nada têm a ver com o conhecimento, existem para decorar e para encher os olhos".
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Contactado pela TSF, o ministério da Cultura não quis comentar as críticas, remetendo para o comunicado em que anunciava a nomeação. Bernardo Alabaça "apresenta um currículo com 20 anos de experiência de gestão, maioritariamente de património público, tendo sido Diretor-Geral de Infraestruturas do Ministério da Defesa Nacional e Subdiretor-Geral do Tesouro e Finanças do Ministério das Finanças", apresentou o Ministério da Cultura.
Em termos de orientação política para o setor do património, tanto Luís Raposo como João Neto relacionam em declarações à Lusa a nomeação de Bernardo Alabaça com uma eventual decisão da secretaria de Estado e do Património Cultural de cedência de obras de arte a um grupo hoteleiro.
Na quinta-feira, o PCP apresentou um requerimento com um pedido de audição da ministra da Cultura, Graça Fonseca, sobre a eventual cedência de obras de arte da Coleção Rainer Daehnhardt ao grupo hoteleiro Vila Galé.
No requerimento, a deputada Ana Mesquita escreveu que "o PCP teve conhecimento" que o executivo "está a desenvolver diligências" para "ceder à Vila Galé International, SA as obras de arte pertencentes à Coleção Rainer Daehnhardt".
Segundo o PCP, o argumento é a existência de um contrato entre o Estado e a empresa, no âmbito do programa REVIVE, destinado à recuperação e requalificação de património público para fins turísticos, para a "exploração de um conjunto de imóveis na Coudelaria de Alter".
"Este despacho é totalmente inaceitável e foi emitido contra todos os pareceres da área que a secretária de Estado tutela, o que coloca problemas de responsabilidade política e cível. Os membros do Governo não podem dispor a seu bel-prazer das coleções dos museus nacionais contra pareceres dos organismos técnicos que tutelam", alertou Luís Raposo.
João Neto corrobora: "Se pensarmos no despacho da secretária de Estado a exigir que determinadas peças do Museu dos Coches sirvam para decorar uma instituição que não tem funções museológicas... esta nomeação [na DGPC] deve vir nesse sentido".
A nova equipa diretiva da DGPC inicia funções no dia 24 de fevereiro.
Além de Bernardo Alabaça, foram nomeados Fátima Marques Pereira e Rui Santos como subdiretores.
O arquiteto João Carlos Santos manter-se-á como subdiretor, assim como o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, Joaquim Caetano, que é equiparado a subdiretor por inerência.