"É natural que continuemos a observar excesso de mortalidade nos próximos relatórios"
Nuno Jacinto, presidente da Associação de Medicina Geral e Familiar, afirma na TSF que o excesso de mortes em Portugal é reflexo da falta de assistência a muitos doentes durante a pandemia de Covid-19.
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Os médicos de família esperam que a mortalidade se mantenha excessiva em Portugal ao longo dos próximos tempos. Na quarta-feira, o Eurostat revelou que, em junho, Portugal voltou a registar o maior excesso de mortalidade na União Europeia: 23,9 por cento, quase quatro vezes mais do que a média comunitária, que é de 6,2 por cento.
Ouvido pela TSF, Nuno Jacinto, presidente da Associação de Medicina Geral e Familiar, considera que estes números ainda refletem o impacto da pandemia, e não ficará surpreendido se, nos próximos tempos, continuarem a morrer demasiadas pessoas.
"Estes impactos estão agora a começar a sentir-se e não é previsível que de um momento para o outros eles desapareçam. A retoma da atividade assistencial está a percorrer de forma lenta nos centros de saúde nos últimos meses. Recordo ainda que continua a haver uma grave carência de profissionais dos centros de saúde, portanto esta retoma não é feita como deveria ser, lá está, esta aposta nos cuidados primários continua a existir de uma forma muito débil ou a não existir de todo. Isso também não vai permitir recuperar este número negativo que temos tido, é natural que continuemos a observar nos próximos relatórios que há este excesso de mortalidade por algumas questões que não conseguimos controlar, como as ondas de calor, mas esta questão da atividade programada dos centros de saúde e da sua atividade normal de vigilância e prevenção da doença, obviamente, que é importante e, não tendo sido feita, vai ter reflexo nos próximos tempos", explica.
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Nuno Jacinto considera que estes números ainda refletem a falta de assistência a muitos doentes nos últimos dois anos.
"Tem a ver com aquilo que foi feito em Portugal com a menor vigilância de doentes crónicos e diminuição dos rastreios oncológicos a nível dos cuidados de saúde primários. Os centros de saúde foram forçados a diminuir a sua atividade habitual para dar resposta à Covid-19 durante muito tempo e isso tem consequências. Alertámos sempre para essa situação e as consequências começam a verificar-se agora", admite.
No final da semana passada, a ministra da Saúde, Marta Temido, anunciou um estudo aprofundado às causas da mortalidade excessiva nos últimos dois anos.
Os dados publicados pelo gabinete oficial de estatísticas da UE revelam que, enquanto no conjunto da UE, o excesso de mortalidade - a percentagem de mortes adicionais em comparação com a média mensal de óbitos no período entre 2016-2019 - prossegue uma tendência decrescente, tendo recuado de 11,2% em abril para 7% em maio e para 6,2% em junho, em Portugal aumentou pelo quinto mês consecutivo.
Em Portugal tem-se registado um crescimento progressivo do excesso de mortalidade desde janeiro de 2021, mês em que até se verificou um valor abaixo da média mensal nacional em comparação com o período 2016-2019, de -4,4%. Em fevereiro, aumentou para 4,1%, em março para 6,9% (superando então a média da UE, de 6%), em abril para os 12,4% (face a 10,7% da União), em maio, para os 19%, e em junho para 23,9%, um valor já muito próximo do mais elevado observado em Portugal desde fevereiro de 2021 (24,6%).
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