"É precisa uma descida de impostos sobre o rendimento"
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Luís Miguel Ribeiro está a dias de se ver reconfirmado no mandato até 2026, uma vez que liderou a lista única às eleições dos órgãos sociais da AEP - Associação Empresarial de Portugal, cujo resultado será revelado em assembleia-geral na segunda-feira.
Para o novo mandato, promete fazer mais intervenção junto do governo para defender interesses do tecido empresarial português a começar por uma revisão da política fiscal sobre os rendimentos do trabalho, que penaliza empresas e quem trabalha. Defende por isso, uma redução de IRS e IRC e é crítico do atual executivo socialista.
Insiste que o PRR continua com uma taxa de execução baixa e recorda o alerta da OCDE que fala em dados macroeconómicos positivos para Portugal baseados nos investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência.
Para o líder da AEP, o país não tem política de imigração que ajude a resolver a crise de mão de obra atual generalizada. Faltam incentivos para fixar famílias e talento em território nacional e também falta aposta no ensino profissional para reskilling e upskilling em setores de atividade tradicionais, como a construção.
É ainda uma voz critica quanto à produtividade e competitividade e fala da lentidão do Banco de Fomento na produção de instrumentos para ajudar na recapitalização das empresas, longe do exemplo de outros países da Europa.
Presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) desde 2020, Luís Miguel Ribeiro está prestes a ser reconfirmado no mandato até 2026. O resultado do ato eleitoral é revelado em assembleia-geral nesta segunda-feira, mas é ele quem lidera a lista única. Nascido em Amarante, lidera também a Fundação AEP, é vice-presidente da CIP e associativista convicto.
No seu plano de atividades diz querer dar à AEP um papel mais central nas políticas públicas e pôr Portugal cada vez mais no mapa. Que estratégia é que tem associada a esta ambição?
O papel de uma associação empresarial como a AEP deve ser não só de serviço aos associados, mas de intervenção e reivindicação daquilo que devem ser as políticas públicas no apoio à atividade das empresas. Temos como missão e propósito esta influência, esta crítica e reivindicação daquilo que devem ser as políticas públicas, nomeadamente para que se assuma de uma vez por todas que as empresas devem ter um papel central na vida do país. As políticas devem estar orientadas para que o país valorize as empresas e, dessa forma, cresça de forma sustentada e sustentável, com mais e melhores condições para as pessoas. E assim colocamos Portugal no mapa, porque temos condições, recursos, empresários, temos pessoas com capacidade para produzir riqueza e se afirmar no mercado global. Os últimos indicadores mostram esta capacidade que os empresários têm tido, apesar dos custos de contexto e de as políticas públicas não estarem adequadas e não valorizarem o papel e a atividade do empresário e das empresas.
Mas de que forma é que a AEP está a atuar junto do governo?
Isso faz-se muito pela intervenção junto de membros do governo, por aquilo que vamos defendendo, pelos artigos de opinião que publicamos, para sensibilizar para o que devem ser as políticas fiscais, a desburocratização dos processos, a boa alocação dos recursos, dos fundos comunitários, para uma política de imigração. Temos de pôr esses temas na agenda, não só em termos da opinião pública, mas nas reuniões com o governo, porque são essenciais para que o país tenha melhores condições para quem cá está, crescer e melhorar a sua competitividade. Atuamos também muito ao nível da área de apoio à internacionalização das empresas, aliás, somos um aeroporto privado no apoio à realização de missões empresariais, de feiras, e aquilo que é o resultado que hoje temos ao nível do crescimento das exportações é também o resultado do que muitos agentes como a AEP têm vindo a fazer. É claro que isto não chega, mas é este caminho que temos de fazer. Porque se formos ver aquilo que é hoje a nossa base exportadora percebemos que ainda há um longo caminho a fazer. Ainda temos muito poucas empresas a exportar e quando olhamos para o número de empresas que exportam e o valor das exportações, comparativamente com as grandes empresas, é pequeno. E é preciso também reivindicar políticas públicas que estimulem o aumento de escala das empresas.
E isso não tem acontecido?
Não tem acontecido. Aliás, o que vemos é que as empresas que têm a missão de crescer são penalizadas, inclusive do ponto de vista fiscal, com os impostos a penalizar mais as empresas que têm mais dimensão.
Em termos de planeamento, o que é prioritário fazer?
Desde logo, é preciso rever toda a política fiscal que penaliza as empresas que querem crescer e as de maior dimensão - isso não estimula o crescimento das empresas e penaliza o fator trabalho, a remuneração dos trabalhadores. O que leva a que as empresas a ter de fazer um esforço acrescido para reter pessoas. Nós investimos, e bem, na formação e na qualificação. A geração Erasmus conhece o mundo e sabe as oportunidades que tem noutros países, e procura locais onde possa pôr em prática os conhecimentos sendo bem remunerada por isso. Se temos uma política fiscal que penaliza fortemente as remunerações e aqueles que têm a ambição de ganhar mais, que querem trabalhar mais, estamos a dificultar a vida às empresas na retenção de pessoas.
Era preciso um alívio fiscal sobre os rendimentos do trabalho? Portugal é dos países que têm maior carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, e pede-se que se aumente os salários, mas não se reduz impostos... Seria um bom incentivo para melhorar salários?
É fundamental. Um país como Portugal tem mais de 4300 taxas e impostos, isso mostra claramente a nossa complexidade fiscal. Entre os países da OCDE, estamos em último lugar no nível da complexidade fiscal. Os dados do Doing Business do Banco Mundial dizem que, em média, as empresas gastam mais de 243 horas a preencher declarações fiscais. Um país que tem toda esta burocracia e esta carga fiscal penaliza os agentes económicos e penaliza as pessoas. As empresas aumentam os salários, fazem um esforço, mas parte desse esforço é absorvido pelos impostos. Um exemplo muito simples: num salário médio, cerca de 50% vai para impostos, e se fizermos um exercício para dois terços acima, vai quase para os 60%. Com esta carga fiscal sobre o trabalho e o decréscimo demográfico, se não temos capacidade de ter condições e boas remunerações para fixar as pessoas, estamos a condenar o futuro do país. Aliás, este já é um dos grandes problemas. Quando se pergunta aos empresários o que mais os preocupa, grande parte aponta a falta de mão-de-obra. Falta gente para trabalhar, para poder crescer mais no negócio. E por outro lado competimos com países cujo apoio do Estado à produção é muito superior àquele que temos cá.
Mas defende uma descida de IRS e também de IRC, por exemplo?
Sim, defendemos uma descida fiscal. Temos uma das maiores cargas fiscais dos últimos anos. Numa altura em que o Orçamento do Estado tem um acréscimo de receitas, fruto da inflação, há aqui alguma folga. Temos de ser responsáveis neste pedido, porque o país tem um nível de endividamento muito elevado e isto deve ser usado também para controlar a dívida pública, mas essa folga devia ser partilhada com quem a paga. Estes impostos são pagos por todos nós, empresas e pessoas. E se isto está a gerar um acréscimo de receita no Estado, ele devia ser partilhado com quem paga. Nas empresas, quando há um acréscimo de resultados, elas também pagam mais impostos. Há aqui uma desconfiança sobre os agentes económicos, sejam empresas sejam pessoas, e temos de mudar o paradigma. E há, por outro lado, uma limitação da ambição, porque quem tem ambição é penalizado.
Isso é pior num momento em que as empresas estão a viver um momento de transformação profunda, pela digitalização e pela descarbonização? Essas políticas deviam ser ainda mais claras e facilitadoras destes investimentos?
Claramente. Vivemos um momento único, com a pandemia e a guerra, que veio mudar a forma de fazer negócios, mudou toda a programação e planeamento que as empresas tinham na questão da logística e transportes, no abastecimento de matérias-primas, em toda a cadeia de abastecimento. E as empresas têm agora de adaptar-se a este processo de transição digital e climática e às obrigações que isto implica. E é preciso que haja também um esforço do setor público, que o esforço seja partilhado. É triste ver esta abordagem do é preciso apoiar aqui, ou um apoio social acolá... Primeiro é preciso criar riqueza para que depois o Estado possa dar apoios sociais. Temos hoje mais recursos que algum dia tivemos com os apoios comunitários, mas se analisar este volume de fundos comunitários e por outro lado o investimento público, vê que na última década caiu a metade. Em 2022, é cerca de metade, quer em comparação com o PIB quer em comparação com o investimento total, do que era em 2010, o que significa que não estamos a ser capazes de utilizar o recurso que temos disponível. Não tem havido investimento.
Mesmo assim temos setores exportadores. Este crescimento dos últimos anos não é consolidado ou corre o risco de ser insuflado com a transformação digital e ambiental?
Se formos analisar o PIB, percebermos que grande parte vem de consumo privado. E na altura em que vivemos, com a inflação e o aumento das taxas de juros, isso está condicionado - e os indicadores já mostram a quebra do consumo. Por outro lado, temos este recurso para investimento que está em decréscimo, ou seja, está em valores cerca de metade daquilo que eram há uma década. As empresas têm feito um esforço e têm conseguido aumentar as exportações a um nível que se pensava que só se atingiria daqui a uns anos, ultrapassámos 50% do PIB. Mas é preciso fazer alguma análise a estes números, porque há crescimento da exportação de bens e serviços, mas muito deste aumento vem do Turismo.
Não chega crescer no Turismo.
Não tem mal nenhum, mas é preciso perceber que é um setor muito volátil e que se há um fator extraordinário, isto pode mudar de um momento para o outro. Vamos ser realistas: temos tido bons indicadores e ainda agora a OCDE reviu o nosso crescimento, mas fazia um alerta porque estava calculado pelo pressuposto do valor que Portugal tem para investir no PRR. E a taxa de execução ainda é muito baixa. Se não se alterar procedimentos, não podemos ter muitas ambições ou ilusões. Por outro lado, a OCDE também prevê que as exportações vão aumentar, mas para isso é preciso que as políticas públicas, nomeadamente a política fiscal, a capacidade de atração de recursos humanos, a fixação de talento se verifique e de uma vez por todas as condições de financiamento e capitalização das empresas tenham outro comportamento dos agentes do setor financeiro. Porque as empresas para poderem ser competitivas têm de investir.
E não há boas condições de financiamento?
Portugal tem genericamente piores condições que os países com os quais compete. E o comportamento da banca é muito conservador, mais ainda quando se trata de PME. A banca quer cada vez mais garantias, por isso é preciso criar instrumentos de garantia para que as empresas, quando querem crescer, mesmo não tendo um histórico que dê conforto à banca, o possam fazer e possam ter ambição. Porque não há crescimento sem investimento. A grande parte dos investimentos que têm sido feitos nos últimos anos são privados, não é o setor público. Isto significa que os privados estão dispostos a investir, querem investir, têm condições para que esse investimento tenha valor acrescentado para as empresas e para o país. É preciso criar condições para que o investimento seja feito de forma competitiva. Se uma empresa portuguesa se financia com custos mais altos, perde competitividade para as de outros países.
Voltando ao tema da mão-de-obra, há dificuldade de contratação e fixação de pessoas e necessidades de upskilling e reskilling. Como é que as empresas estão a responder a este desafio?
As empresas estão a fazer o melhor possível num contexto de muita burocracia para ir buscar pessoas a outros países. É terrível o processo para a legalização de pessoas que se podem trazer para trabalhar. Não temos uma política de imigração. Não podemos trazer só pessoas para vir responder àquela necessidade de uma empresa, temos de trazer famílias, pessoas que têm uma vida mais estruturada - o que resolve outros problemas que o país tem. Se o crescimento natural da população portuguesa é negativo, tem de ser compensado pelo saldo migratório. E para isso é preciso uma política de imigração. Mas também temos de ter condições para fixar as pessoas que cá estão. Cerca de 50% das pessoas que trabalham na indústria transformadora têm como habilitação máxima o ensino básico. Isto ainda é uma realidade. E quando falamos em transição digital, ambiental, temos de preparar as pessoas, temos de formar e capacitar - fazer o tal reskilling e upskilling. Mas isto também decorre de uma opção de política pública, porque se deixou ter a oferta de formação profissional. A AEP nasceu há 173 anos com um grande propósito, o grande desafio da "formação das classes laboriosas". Ainda hoje temos esta necessidade imensa da formação dos recursos humanos que estão nas empresas. Agora, não se pode é colocar recursos para pagar despesas na Educação ou no Ministério do Emprego, através do IEFP, sem que se oiça primeiro as empresas, sem saber as suas necessidades.
Ou seja, devia haver uma integração, um alinhamento entre essas estruturas que dão a formação e as empresas.
Sim, não devia ser uma definição top-down, quando o processo devia ser o inverso, perguntar às empresas e entidades próximas, como as associações empresariais, em cada momento quais são as necessidades. É preciso esta flexibilidade, esta capacidade das instituições que estão próximas das empresas de dar resposta a esta necessidade. Face aos desafios que o mercado nos vai colocando, às oportunidades que traz às empresas, temos de ser capazes de ter uma oferta rápida, eficaz, de formação e capacitação das pessoas, de um determinado setor de atividade. Porque o mercado é muito célere, volátil, e temos de poder dar rapidamente resposta. Se assim não for, quando damos, já vamos tarde. Veja-se o PRR, que está há dois anos para chegar às empresas...
E já começou a chegar?
Começou a chegar um bocadinho, alguns adiantamentos, mas quando falamos em processos de inovação e passaram dois anos...
E com a inflação a disparar.
E com uma inflação que mudou completamente o contexto e em certos casos as necessidades e a capacidade das empresas para executar aquilo. Há empresas que já desistiram desse processo ou encontraram outra solução. Isso não pode continuar. Com o volume que temos de recursos financeiros dos programas comunitários e a necessidade que as empresas têm de resposta rápida, não podemos ter processos que demoram este tempo todo. Isto tem de mudar, quer no PRR quer no Portugal 2030, olhar-se para a experiência do passado recente, no Portugal 2020.
Ver o que correu mal no PT2020.
Sim. Tínhamos muito dinheiro para executar e o que se fez? Aumentou-se as taxas de participação a entidades públicas, a municípios, a CIM, de projetos que já estavam executados, só para se gastar o dinheiro. As palavras são mesmo estas, gastar o dinheiro que existia, porque muitas empresas desistem e depois a taxa de execução é baixa, mas aquele valor também não pode ser colocado novamente a concurso.
O que devia fazer-se?
Defendemos há muitos anos que os avisos para as empresas devem ser em contínuo. Quando a empresa precisa, quando surge a oportunidade ou necessidade, a empresa deve poder candidatar-se, não é ao contrário. A empresa tem de estar à espera do momento em que o aviso sai? Isto está completamente errado. No momento em que a empresa precisa do financiamento, por ser oportunidade de negócio ou necessidade de investimento para ser mais competitiva num produto ou serviço, deve poder recorrer, se não perde-se o timing.
Tem a contabilidade feita dos projetos que desistiram?
Não, mas conheço os números das taxas de compromisso e das taxas de execução, que nos mostram isto. E não é só na fase final dos projetos, acontece ao longo dos programas. E penaliza fortemente as empresas e o país. Porque uma coisa é termos o recurso disponível quando precisamos e ele traz valor acrescentado, porque conseguimos com ele gerar receitas e proveitos. Outra coisa é haver uma oportunidade de ir buscar um apoio e um financiamento a este programa comunitário mesmo sem uma necessidade premente no momento, ser só para aproveitar. O resultado não é o mesmo e é por isso que os avisos para as empresas deviam estar abertos em contínuo.
Escreveu no Dinheiro Vivo que a agitação política que se vive com muita discussão sobre casos e casinhos e a degradação das instituições está a tirar brilho ao crescimento. Teme que estes ritmos se esgotem rapidamente?
Nas últimas décadas, crescemos a uma média de 1% ao ano, metade daquilo que é o crescimento da Europa. Por isso, precisamos de um crescimento muito mais elevado do que o resto da Europa para convergirmos. Temos de ter essa ambição, tem de ser um desígnio do país. E para termos a ambição de crescer, tudo aquilo que falámos é fundamental. Acho que devemos valorizar os bons indicadores e usá-los como um estímulo para continuar a crescer, sem que isso seja ofuscado pelo ambiente político que se vive no país, em que estamos mais focados nos tais casos e casinhos como referi no Dinheiro Vivo, num dos 100 artigos que já publiquei. Porque isto desfoca as pessoas daquilo que é o essencial. Quando devíamos estar focados a valorizar e a sermos estimulados pelo desempenho que estamos a conseguir, andamos de manhã à noite a ser confrontados com um conjunto de temas e situações que não deviam acontecer. Porque o nosso desempenho é que faz a diferença na vida das pessoas. O resto, são cenas infelizes no desempenho de alguns protagonistas, que não deviam acontecer. O país deve ter um compromisso dos governantes com os agentes económicos para que se crie um clima de confiança, um clima de ambição, para que o país possa ter um outro desempenho.
Além do desfoque das pessoas, esses casos e casinhos também desfocam os políticos?
É a isso que temos assistido, aos políticos muito focados nessas discussões. E há subjacente a tudo isto uma filosofia política do apoio, do subsídio, da dependência do Estado que tem de mudar. Temos de fazer um caminho de olhar os exemplos de outros países em que o Estado desempenha o seu papel, mas os cidadãos e as empresas dependem o mínimo possível do Estado. Isso é um país que funciona bem, com políticas públicas que permitem que cada um desempenhe a sua atividade sem esta dependência, mas com complementaridade de compromisso, em que cada um desempenha o seu papel e assume a sua responsabilidade. E se assim for, acredito que teremos um país com muito melhores indicadores, porque temos empresários, pessoas e recursos, só temos de ter capacidade de executar os diagnósticos que estão todos feitos.
Mas não devíamos diversificar a economia?
Claro que devíamos, mas isso é a estratégia de qualquer negócio, em qualquer empresa, em qualquer país. A diversificação diminui o risco. Mas se hoje temos um setor como o Turismo que está a dar o contributo que está a dar, devemos valorizar o contributo desse setor. Agora, não devemos esquecer que precisamos de continuar a apostar e a investir e a AEP apresentou ao governo, já há três anos, um programa para a reindustrialização do país, com dez medidas, com a ambição clara de crescimento, de aumento de valor acrescentado bruto da indústria no valor acrescentado bruto global, em comparação com aquilo que acontece noutros países do centro da Europa. Ou seja, crescermos 10% de valor acrescentado bruto na indústria no valor acrescentado bruto global, de apostarmos fortemente na qualificação, na criação de marcas na indústria que não temos para a afirmação da nossa indústria, dos nossos produtos internacionalmente, de estimularmos todos os desafios do design, daquilo que é a forma como apresentamos a parte comercial da indústria. Porque hoje a indústria, cada vez mais, é um conjunto de serviços que estão associados e a indústria é um indutor também de emprego, porque cada posto de trabalho criado na indústria induz a criação de três postos de trabalho associados em todo o serviço que se vai criando e verdadeiramente cria riqueza, cria valor acrescentado à indústria. E nós temos este ADN no país.
E o que é que aconteceu a esse programa? Foi aproveitado?
Não, infelizmente não. Infelizmente não. Vão surgindo aqui uma ou outra das medidas que propusemos, mas entendemos que aquilo que devia ser era um programa estruturado para uma década e com ações muito bem definidas. Quantificámos, inclusive, o valor de investimento que vão nas ações, identificámos os programas de onde se podia buscar recursos para alocar para esse investimento na indústria e, de facto, continuo a dizer que faz todo sentido, porque inicialmente disse isso, as nossas exportações são, sobretudo, dos setores tradicionais que inovaram, que se reinventaram, que são competitivos à escala global. E por isso temos de valorizar este ADN, esta capacidade dos nossos empresários, esta capacidade de adaptação que tivemos em períodos difíceis, em que ultrapassámos esses períodos difíceis e estamos a dar esta resposta. Ora, se nos focarmos nesta evolução da indústria, na evolução dos recursos endógenos que temos no território, na circularidade que devemos ter na nossa economia, até porque nas nossas importações cerca de 30% são de bens de consumo intermédio. Ora, se apostarmos na indústria e nesta circularidade da nossa economia, estamos a diminuir as importações, estamos a melhorar a balança comercial e estamos a contribuir, de facto, para ter um país com melhor desempenho. E é isso que temos de fazer. Mais uma vez, temos o recurso, sabemos o que é preciso fazer, é preciso capacidade para executarmos.
Lagarde já sinalizou que a subida dos juros vai continuar, é um risco para investimentos planeados pelas empresas, ainda a braços com a inflação. Os preços logísticos já estabilizaram ou continuam insustentáveis?
Os preços logísticos estabilizaram, alguns ajustaram, mas continuam muito mais altos do que eram no período pré-pandemia. As taxas de juros, para quem investiu há relativamente pouco tempo, isto hoje para as empresas e para as pessoas está a ter um impacto enorme. O aumento da inflação que vem a crescer, mesmo face àquilo que já tinha sido o aumento nas cadeias de abastecimento ao nível das matérias-primas e com dificuldades, inclusive, nesse abastecimento. Ou seja, temos aqui um acréscimo de custos que veio trazer um outro desafio às nossas empresas, porque isto verificou-se, sobretudo, em países da Europa, e nós, estando na Europa, sentimos isso fortemente. Isso retira-nos competitividade à escala global, quando competimos com outras economias que não sofreram os impactos que nós sofremos, além daquilo que são os custos de contexto que já referimos aqui na entrevista. E por isso, aumentam as taxas de juros, penalizam fortemente quem investiu nos últimos tempos, penalizam fortemente o consumo, a inflação está a aumentar e a criar pressão nos preços, o aumento dos vencimentos de salários das pessoas também para isso contribui, e as empresas que tiveram de o fazer, e não é por imposição legal ou por decretos, é porque o mercado de trabalho, que é como outro mercado qualquer, se diminui a oferta e a procura mantém-se, é preciso aumentar o preço e, por isso, os salários aumentaram. E tudo isso vem meter pressão no preço final, por isso é que temos vindo a ser confrontados com a inflação, embora tenha vindo a baixar o ritmo do aumento dos preços, mas é preciso não esquecer que isto não é diminuição dos preços. As empresas estão a fazer um grande esforço, porque o aumento dos custos na produção, apesar de tudo, é muito superior ao aumento do preço da inflação, ao índice de preço do consumidor. Ou seja, significa que as empresas estão a acomodar aqui esforço, mas isto também tem limites e por isso é preciso criarmos condições para que este esforço que as empresas estão a fazer seja também compensado, de certa forma, por uma diminuição dos custos de contexto que as empresas continuam a suportar.
No final do ano passado a AEP lançou um laboratório de ideias para desenhar um futuro para o país. Que conclusões saíram desse think tank?
Saíram muitas conclusões, mas sobretudo estão todas alinhadas com aquilo que viemos a conversar ao longo desta entrevista. Isto é, temos de cada vez mais fazer um caminho de aproximação e trabalho em conjunto entre o sistema científico e tecnológico e as empresas, porque a inovação é um fator crítico de competitividade que temos que cada vez mais valorizar. A questão da qualificação dos recursos humanos foi um dos outros pontos fundamentais que foi referido, em que é preciso criar condições para darmos melhores condições às pessoas, para elas serem melhores colaboradoras e para resolvermos o problema da produtividade, ou para continuar a resolver o problema da produtividade, que é de facto um tema central naquilo que são os desafios que o país e as empresas têm. Além disso, temos as questões do financiamento e é preciso encontrar aqui outros mecanismos para que as empresas não tenham só na banca o recurso ao financiamento. E aí há um caminho longo a fazer. Temos de ter mercados de capitais, de capitais de risco, crowdfunding, temos de ter business angels, precisamos de uma diversidade de recursos e temos de ter, inclusive, a abertura dos empresários a investidores no seu capital social. Como alguém me dizia há algum tempo atrás, não podemos querer ser globais ao nível dos mercados por onde vendemos e querermos ser familiares ao nível da estrutura de capitais. Hoje estas coisas não jogam uma com a outra. Temos de abrir e ter recurso a outros meios e financiamento, até porque sabemos que para nos adaptarmos e acompanharmos todas estas transições, é preciso investir. E para investir é preciso recursos. As empresas têm de melhorar a sua capitalização, a sua autonomia financeira, para que estejam mais bem preparadas para quando surgirem momentos de desafio ou complexidade como os que temos vivido. Para isto, é preciso que instituições como o Banco de Fomento, de uma vez por todas, coloquem instrumentos cá fora, porque é esse o seu papel.
E não é isso que está a acontecer?
Não é isso que vejo neste momento. Acredito que as pessoas possam vir a fazer diferente e vir a melhorar a oferta do Banco de Fomento, mas mais uma vez coloca-se a questão do timing. Isto já devia estar a acontecer há cinco ou seis anos, já estamos à espera de produtos e serviços robustos do Banco de Fomento, para que as empresas possam ter melhores condições de acesso ao financiamento e à capitalização. Infelizmente, é mais um dos exemplos de coisas que se criam e que estão muito certas na conceção, mas que depois ainda não fomos capazes de implementar.
