"É preciso que católicos exijam mudanças." Abusos sexuais na Igreja são "momento de viragem"
Os abusos sexuais na Igreja Católica foram a debate no programa O Princípio da Incerteza, da TSF e da CNN Portugal. Alexandra Leitão fala num "momento de viragem", Lobo Xavier defende indemnizações às vítimas e Pacheco Pereira considera que a moral sexual é "um dos pontos mais frágeis".
Corpo do artigo
Perante os dados revelados pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja, a deputada do PS e antiga ministra Alexandra Leitão afirma que a Igreja tem de aproveitar este momento de viragem, até pelo papel que tem na sociedade portuguesa.
"Não nos podemos esquecer que a Igreja é uma instituição à qual nós - sociedade e o próprio Estado - confiamos os mais vulneráveis: as crianças, os velhos, os deficientes, muitas vezes. Não podemos viver com a mínima dúvida de que quem manda na instituição as encobre. Isto é mesmo um momento de viragem para a Igreja e espero que responda. Já começou mal ao dizer que isto não deveria ser assunto para a Jornada Mundial da Juventude, eu achava um ótimo momento para discutir isto", disse Alexandra Leitão, no programa O Princípio da Incerteza, da TSF e da CNN Portugal.
TSF\audio\2023\02\noticias\20\alexandra_leitao_1_momento_viragem_igreja
Já o conselheiro de Estado António Lobo Xavier considera que a Igreja tem de passar a indemnizar as vítimas.
"É preciso reparar, sempre que seja possível. Não fugir nem reagir a mal à possibilidade de indemnizar, de custear tratamentos, é preciso que os católicos exijam mudanças necessárias, mudanças de regras, mudanças de atitudes, mudanças de hábitos, mudanças de exigência, porque isto não é só uma situação de padres ou de clérigos", sublinha.
TSF\audio\2023\02\noticias\20\antonio_lobo_xavier_1_indeminizacao_igreja
O historiador José Pacheco Pereira diz que a Igreja tem de mudar, a começar pela moral sexual.
"Um dos pontos mais frágeis da Igreja no mundo contemporâneo é a moral sexual, que, aliás, dá origens a abusos de todos os géneros, por exemplo, a Igreja brasileira é a favor da reforma agrária e era a favor da não utilização de métodos contra o nascimento. Há muitas contradições deste género e todas elas assentam numa moral sexual que é, em grande parte, construída desde o período do império romano e da Igreja clandestina", explica.
TSF\audio\2023\02\noticias\20\jose_pacheco_pereira_1_moral_sexual
O relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja recebeu 512 testemunhos validados, o que permitiu a extrapolação para a existência de, pelo menos, 4.815 vítimas, tendo sido enviados 25 casos para o Ministério Público.
Os dados revelaram que 97% dos abusadores eram homens e em 77% dos casos padres, além de que em 47% dos casos o abusador fazia parte das relações próximas da criança.
A Conferência Episcopal Portuguesa vai tomar posição sobre o relatório a 03 de março, em Fátima.
Os abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a sociedade portuguesa, à imagem do que ocorreu com iniciativas similares em outros países, com alegados casos de encobrimento pela hierarquia religiosa a motivarem pedidos de desculpa.
O distrito de Lisboa concentra o maior número de casos (120), seguindo-se os distritos do Porto (64 casos) e de Braga (55 casos), Santarém (26 casos), Aveiro (24 casos), Leiria (21 casos), Coimbra (19 casos), Setúbal (18 casos), Viana do Castelo (15 casos), Viseu e a Região Autónoma da Madeira (14 casos), Bragança (13 casos), Évora e Guarda (12 casos) e Castelo Branco (11 casos).
Os restantes distritos do país apresentam menos de 10 casos.