É um "caso difícil", mas princípio de dignidade humana de Ricardo Salgado pode estar mesmo "em causa"
Dadas as circunstâncias, o constitucionalista Tiago Serrão entende que o tribunal fez uma boa ponderação ao rejeitar o pedido da defesa para que Ricardo Salgado não comparecesse em tribunal
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O constitucionalista Tiago Serrão reconhece que o princípio da dignidade humana do ex-banqueiro Ricardo Salgado pode estar "em causa" neste julgamento do processo BES/GES, mas salienta, por outro lado, a importância de cumprir a Justiça.
O professor de direito constitucional admite, em declarações à TSF, que este é um caso difícil, até porque o conceito de dignidade humana na lei fundamental tem um sentido amplo.
"Se, por um lado, pode ser questionado que um arguido que se encontra comprovadamente no estado de saúde em que se encontra se é tratado com dignidade ao ser sujeito a um julgamento, por outro lado, como estrutura fundamental do sistema de justiça, importa ter presente a necessidade de realizar essa mesma justiça", explica, apontando que esse é "o fim primordial de qualquer processo".
Tiago Serrão aponta que o tribunal entendeu "que há contributos que já foram dados antes do próprio julgamento e que poderão relevar nesta fase". No entanto, após a fase inicial deste processo, defende que a presença de Ricardo Salgada pode não ser necessária, porque, não estando "na plenitude das suas capacidades mentais", a sua garantia de defesa "pode ser posta em causa".
Dadas as circunstâncias, o constitucionalista entende, ainda assim, que o tribunal fez uma boa ponderação ao rejeitar o pedido da defesa para que Ricardo Salgado não comparecesse em tribunal.
"O que o tribunal promove é remeter esta salvaguarda para uma eventual fase de execução de uma hipotética decisão condenatória. E aí, sim, o tribunal deixa claro, à luz da lei vigente, que pode, em situações deste tipo, haver lugar à não execução da pena", argumenta, defendendo que "apesar do caso ser difícil, a ponderação foi adequadamente promovida".
Neste processo, Tiago Serrão identifica uma outra questão a ser levantada: a "morosidade da Justiça".
"Também por isso o sistema de Justiça tem de ser mais célere para que situações deste tipo ocorram num menor número de casos possível", atira.
Em causa está o argumento usado pela defesa do ex-banqueiro, que alegou a abertura de “uma página negra na história da Justiça” devido ao “excesso de formalidade” que coloca em causa os direitos dos arguidos.
“Já apresentámos todos os tipos de relatórios. Isto é tudo grave: ou é intencional, ou é desinformação”, disse o advogado Francisco Proença de Carvalho, acrescentando que “uma Justiça que humilha a dignidade de qualquer pessoa é uma Justiça que viola a própria dignidade”.
Para o advogado de Ricardo Salgado, está a ser criada uma narrativa onde se regrediu "em termos de Direitos Humanos”.
O julgamento do processo BES/GES começou esta terça-feira às 09h30 no Juízo Central Criminal de Lisboa, 10 anos após o colapso do Grupo Espírito Santo (GES), num caso com mais de 300 crimes e 18 arguidos, incluindo o ex-banqueiro Ricardo Salgado.
Ricardo Salgado é o principal arguido do caso BES/GES e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.
Entre os crimes imputados contam-se um de associação criminosa, 12 de corrupção ativa no setor privado, 29 de burla qualificada, cinco de infidelidade, um de manipulação de mercado, sete de branqueamento de capitais e sete de falsificação de documentos.
Segundo o Ministério Público, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.