Em 2023 como em 1946. Os desenhos das crianças ajudam a contar a guerra
No dia em que se assinala um ano da invasão da Ucrânia pela Rússia, a Embaixada da Polónia e a Embaixada da Ucrânia inauguram no Jardim da Estrela a exposição "Mom, I don't want war".
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Lado a lado estão desenhos das crianças polacas de 1946 e das crianças ucranianas de 2023. 70 anos de diferença, mas as ilustrações são em muito semelhantes.
São mais de 60 desenhos. "Alguns mostram a resistência, a destruição, outros a esperança." Não soubéssemos que alguns têm a assinatura das crianças polacas de 1946 e outros o cunho de crianças que vivem no presente a invasão da Ucrânia pela Rússia e parecer-nos-ia o espelho de uma única igualdade: uma mesma guerra, no mesmo tempo e espaço. Katarzyna O'Neill, responsável cultural da Embaixada da Polónia em Lisboa, guia-nos pelas ilustrações de quem viveu e quem vive a infância em guerra.
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"Vemos carros abandonados e destruídos no meio da rua, os edifícios a arder, um céu escuro por causa do fumo. Vê-se uma destruição total das cidades", descreve. Os desenhos de 1946 são praticamente a preto e branco. No caso dos desenhos do último ano, saltam à vista as cores. As ilustrações das crianças polacas são de 1946 e estão guardados no Arquivo Nacional de Varsóvia. Os desenhos das crianças são dos últimos 365 dias de conflito e podem ser vistos no site "Mom, I See War", onde já estão arquivadas mais de 13 mil ilustrações. Os registos desta exposição foram escolhidos por Dorota Sadowska, da Universidade de Varsóvia, e Olha Kulinich, da Universidade Nacional de Kiev.
Os olhos centram-se desde logo nas bombas e nos tanques, que, aos olhos das crianças, lançam o caos nos locais onde vivem. No caso dos desenhos de 2022 e 2023, há três cores que falam mais alto: o azul-escuro, o laranja e o amarelo. O azul mostra os céus escuros, onde não há resquícios do sol durante o dia e das estrelas durante a noite, tal é o fumo causado pelos ataques. O laranja e o amarelo pintam o fogo que há um ano irrompe e surpreende o dia a dia dos ucranianos.
As famílias e a esperança
Agora, como há 70 anos, já havia famílias mudadas pela guerra. "É uma imagem simples, sem cores, mostra uma casa e uma família, o pai já está fardado e a descrição diz: 'O meu pai vai à guerra', o que parte o coração." Dois painéis da exposição retratam apenas o olhar das crianças sobre as mudanças que a guerra trouxe às suas vidas e às suas famílias. Há casas destruídas, pais prontos a ir para o combate e a dizer adeus à família.
O primeiro painel mostra uma frase de Janusz Korczak, médico do exército polaco. "Uma criança não é um soldado, não defende o seu país, mas sofre com ele." E hoje, no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o sofrimento é o mesmo do passado e, tal como há sete décadas, há um desejo maior na lista das crianças: que as famílias, apesar de separadas pela guerra, possam voltar a estar unidas na hora da vitória. "Há muitas cores, uma família de quatro pessoas, o pai está fardado, tal como no caso do desenho da criança polaca e a descrição diz 'Volta vivo!'", explica Katarzyna O´Neill.
Quem, a partir de hoje, passar pelo Jardim da Estrela, vai cruzar-se no fim da exposição com desenhos que mostram a vitória polaca. A destruição ainda está lá, mas já se vê o regresso a casa dos soldados. As crianças ucranianas sonham com a vitória, mas para já há apenas traços de esperança. As mãos das crianças ucranianas traduziram no papel a cor e a paz. "Há muitos arco-íris. As famílias voltam a estar reunidas. Faz-me muita impressão especialmente o último desenho. É muito simples. Mostra apenas uma escola, e de um dia calmo com céu azul", destaca a responsável cultural da embaixada polaca em Lisboa.
É essa calma que as crianças ucranianas esperam voltar a viver em breve. Em 1946 ou em 2023, na Polónia ou na Ucrânia, a guerra é sempre guerra.
