A distribuição do correio numa aldeia do interior algarvio já não se faz todos os dias e a população lamenta que o serviço dos CTT se vá degradando.
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A aldeia tem hoje um funeral e muita gente está na rua, ao pé da igreja. Lá perto, no posto de correio, Maria espera pela carteira Patrícia Rodrigues. Aproveita para lamentar o atraso na entrega do correio,que se está a tornar uma constante . "Para a gente é chato porque não conseguimos fazer os pagamentos a tempo e horas" da água e luz.
Loulé fica a 25 quilómetros e mesmo aí, na cidade, já fechou um posto de correio. Maria lembra que o atraso na correspondência já provocou graves prejuízos ao marido. "Foi chamado para ser operado, mas como a carta não chegou, teve que esperar mais seis meses para fazer uma operação à anca."
A carteira Patrícia faz a volta de carro por algumas zonas, a pé pelo centro da aldeia. Há cinco anos que realiza esta volta e já conhece quase toda a gente.
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Por vezes os clientes pedem-lhe alguns favores. Quando não estão em casa e são registos, "pedem-me para o vizinho assinar" e admite que, por fazer esta e outras gentilezas, as pessoas dão-lhe "um chouricinho ou laranjas". "As pessoas aqui são muito simpáticas", diz a jovem carteira.
E há até quem nela confie para lhe levantar o dinheiro da reforma. "Há uma senhora no Ameixial que assina e eu levo-lhe o dinheiro no dia seguinte". A confiança é mútua, pelos laços que se criam. Mas ultimamente Patrícia Rodrigues ouve muitas queixas. De correio que se atrasa, de contas que não chegam a horas para pagar. Quando ela chega, Carlos, dono de um café, não esconde o seu descontentamento.
"Ontem tinha 30 e tal cartas dentro da caixa", diz o homem que lamenta não ter havido distribuição de correio durante uma semana. "Recebi cartas ontem e era hoje o último dia de pagamento". E a carteira dá-lhe razão. "As chefias é que mandam na gente e eu sinto-me impotente para fazer aquilo que as pessoas querem", admite.
Noutro estabelecimento, Álvaro Cabrita brinca com a carteira e queixa-se de que ela só lhe entrega contas para pagar. "Ainda ontem recebi uma".
Por enquanto a aldeia de Alte ainda tem posto de correio e Álvaro, já idoso, nem quer ouvir falar em que ele possa ser extinto. "Nem pensar nisso", afirma. E explica a sua contestação. "A maioria dos que aqui vivem são idosos que têm os filhos em França ou no Canadá" e não têm quem lhes dê boleia para tratar de assuntos do correio na localidade mais próxima, a 25 quilómetros de distância.
Na despedida, a carteira Patrícia anuncia que na próxima semana já não fará aquela volta. Virá um colega novo. Decisão das chefias, diz a carteira. A Álvaro desagrada-lhe a ideia. "Eles mandam mal, pensam que são inteligentes mas são burros. Eu vivo aqui e eu é que sei", responde o homem.
Uma afirmação que as pessoas não se cansam de fazer: quem está na terra é que conhece as necessidades locais.
Patrícia Rodrigues ouve muitas queixas até ao final do dia de trabalho que ainda se vai prolongar. "Vou ainda entregar mais umas quantas [cartas] e separar o correio à tarde. Entro todos os dias às 6h30 da manhã".
Uma jornada longa para entregar em mão as cartas que tanta gente espera e que na maior do País não há correio eletrónico que as substitua.