Ex-assessora do ministro da Defesa contratada para prestação de serviços fica como diretora de Relações Internacionais. Antes, outra ex-assessora foi para conselho de administração da idD - Portugal Defence. Empresa diz que é tudo legal e transparente.
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O contrato salta à vista na base de dados dos contratos públicos: um ajuste direto pelo prazo de 36 dias por 19.950€. O adjudicante é a empresa idD - Portugal Defence, a adjudicatária uma ex-assessora do ministro da tutela João Gomes Cravinho. Mas, afinal, os prazos não foram bem estes numa contratação justificada pelas qualificações "nacionais e internacionais" e pela urgência em encontrar alguém para o cargo. É o segundo caso em menos de um ano.
Numa pesquisa por "Presidência Portuguesa da União Europeia" no portal que reúne os contratos públicos, há um que sobressai entre os 41 contratos que não envolvem empresas: é o que tem o valor mais alto por um prazo de execução mais curto. A curiosidade adensa-se ao constatar-se que se trata de uma ex-assessora do ministro da Defesa.
Trata-se de Ana Sofia Santos, ex-assessora de João Gomes Cravinho e de Azeredo Lopes. Saiu do ministério em setembro e assumiu funções na idD com um contrato de prestação de serviços no âmbito da preparação da Presidência Portuguesa da União Europeia (PPUE) que arrancou no início do ano.
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Na informação publicada no portal BASE, informa-se que o ajuste direto de 19.950 euros é para um trabalho com prazo de execução de 36 dias e é justificado pela "ausência de recursos próprios". No contrato propriamente dito - assinado a 25 de novembro de 2020 - lê-se que nas principais "obrigações do adjudicatário" estão a "prestação de serviços no âmbito da PPUE, tendo em vista colmatar lacunas operacionais e fomentar a cooperação e desenvolvimento de capacidades entre a Base Tecnológica e Industrial de Defesa Europeia e os setores tecnológicos críticos para a defesa. Consequentemente, e em paralelo, fomentar a cooperação e desenvolvimento de capacidades nas áreas industriais críticas para a defesa".
Já sobre o prazo de execução, o documento refere apenas que cessa a sua vigência "com a prestação integral da totalidade dos serviços nele previstos".
Questionado sobre o porquê deste valor por um prazo tão curto, o Ministério da Defesa Nacional remeteu explicações para a empresa. Ora, também questionado pela TSF, o presidente do Conselho de Administração da idD, Marco Capitão Ferreira, esclarece que não se tratou de apenas pouco mais de um mês de trabalho. "A contratação da Dra. Ana Santos, em regime de prestação de serviços, foi decidida para início de funções em setembro, o que efetivamente aconteceu. Assim, o prazo de execução foi de vários meses e não como resulta de uma visão perfunctória de 36 dias", responde Capitão Ferreira à TSF.
Já sobre as funções propriamente ditas, que não ficam claras na redação do contrato, o presidente do Conselho de Administração elenca a "elaboração de um programa para o evento", a realização de "um non paper para a Comissão", a "comunicação aos 27 congéneres da idD", estabelecer "contactos com a Comissão, oradores internacionais e demais entidades com intervenção no evento", elaborar e validar orçamento e ainda a participação em "dezenas de reuniões de preparação da PPUE como um todo".
Numa extensa troca de emails com o gestor, fica ainda claro que a contratação não foi articulada com o ministro da tutela - "escolha nossa e só nossa e com a qual estamos satisfeitos porque o trabalho feito foi um sucesso" -, com Marco Capitão Ferreira a acrescentar que a contratação desta profissional aconteceu porque ela pediu para sair do gabinete do ministro e, "sabendo que ia ficar disponível", a empresa decidiu convidá-la para o projeto.
"Estamos a falar de alguém com qualificações académicas, profissionais a nível nacional e internacional, e com qualidades de ética de trabalho e organização e método em linha com o que tínhamos decidido que era necessário para cumprirmos a nossa missão de interesse público e [que] estava disponível dentro do calendário que era o nosso", adianta ainda o presidente do Conselho de Administração da idD - Portugal Defence.
Questionado ainda sobre se Ana Sofia Santos continua a colaborar com a idD, Marco Capitão Ferreira nota que esta profissional passou a desempenhar as funções de Diretora de Relações Internacionais, "com um âmbito de funções bastante mais alargado", e com um contrato individual de trabalho.
Mas este não é caso único. Em julho, lia-se no Diário de Notícias um artigo titulado: "Porta giratória do governo para as empresas públicas marcam escolhas de Cravinho". O artigo versa sobre a reformulação das empresas da área da Defesa onde, entre as nomeações, era destacada a contratação de Catarina Nunes, ex-assessora de Cravinho, para um cargo de "coordenação de um gabinete de acompanhamento das novas políticas de defesa da União Europeia". Entretanto, nesse mesmo mês de julho, subiu a vogal da administração da empresa. Menos de um ano depois, a história repete-se.