"Empresas podem apoiar rendas, custo de um crédito ou investir em habitação para trabalhadores"
"Num tempo em que o tema da habitação é tão crítico para todos, propomos que as empresas possam usar verbas do Fundo de Compensação do Trabalho para ajudar, de alguma forma, a custear custos com a habitação dos seus colaboradores." Esta é a proposta do Governo, feita aos parceiros sociais, para colocar na economia real os mais de 500 milhões de euros acumulados nos cofres do estado para eventuais indemnizações.
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O Governo propôs aos parceiros sociais que parte do Fundo de Compensação do Trabalho, com um valor já superior a 500 milhões de euros, seja utilizado para formação dos trabalhadores, ou que de alguma forma, os empregadores possam ajudar a custear os custos com a habitação dos seus colaboradores, num momento em que o tema é tão critico para os portugueses.
A proposta, ainda em cima da mesa em sede de concertação social, aguarda o aval dos parceiros sociais, prevê uma série de hipóteses, desde o apoio à renda, à participação no custo do empréstimo do crédito da casa, ou mesmo, a empresa optar por investir em aquisição de habitação própria para pôr à disposição dos seus trabalhadores, como já aconteceu no passado, reforça o secretário de estado do trabalho.
Miguel Fontes adianta que o Governo levou aos parceiros sociais, uma proposta muito simples de agilidade, que passa por escalonar em função dos montantes que cada empresa tenha no fundo de compensação do trabalho e constituído nas contas individuais dos seus trabalhadores.
O governante exemplifica, dizendo que a ideia passa por empresas que tenham um depósito até 10 mil euros, tenham a possibilidade de fazer a mobilização num só momento, a acontecer a partir do segundo semestre de 2023, ou não, durante a vigência do acordo. Entre 10 mil e 400 mil euros podem-no fazer em dois momentos, no ano corrente e no ano subsequente. Já as empresas que tem valores superiores a 400 mil euros teriam de o fazer em suaves prestações, ou seja, 25% ao ano, durante a vigência do acordo, ou seja, até 2026.
Os dados de 2022 revelam uma taxa de desemprego na ordem dos 6% o que para este governante é um comportamento que impõe uma monitorização permanente, mas para já, garante que o Governo está confortável com a taxa de emprego, próxima do que se chama pleno emprego.
Miguel Fontes adianta ainda que o executivo, quer implementar ainda no 1.º semestre a medida contra desemprego de longa duração que permite ao desempregado acumular parte do subsídio com uma remuneração.
Já sobre o projeto-piloto da Semana dos 4 Dias que avançará em simultâneo o público e privado em junho, o Governo conta divulgar até 15 de fevereiro, as empresas que vão alinhar na experiência por um período de 6 meses. Para já, o secretário de estado do trabalho está surpreendido com o tipo de perfil de empresas abertas à ideia e admite que não são apenas do sector dos serviços, mas também sector industrial, numa altura em que existem 90 inscrições.
Sobre as plataformas digitais (como Uber e afins) sublinha que tal como prevê a agenda do trabalho digno, serão supervisionadas pela autoridade das condições do trabalho e em último recurso, se existir tal necessidade, os colaboradores devem recorrer ao tribunal do trabalho, para fazer cumprir a legislação laboral.
Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho, é o convidado desta semana d'A Vida do Dinheiro.
Em que fase está o projeto-piloto da semana de quatro dias? Vai avançar em simultâneo no público e no privado?
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Este projeto da semana de quatro dias inscreve-se neste objetivo de promovermos novas formas de organização do trabalho. Hoje, já é lugar-comum dizer-se que o mundo do trabalho está em profunda transformação e que tem de responder aos desafios daqueles que quotidianamente chegam de novo ao mundo do trabalho, nomeadamente os mais jovens, e fazer face a um conjunto e exigências que já são diferentes. A ideia com o estudo piloto da semana de quatro dias é promover um estudo que possa ser de adesão voluntária, reversível a todo o momento, que tem de ter o acordo da entidade empregadora e dos trabalhadores e que conte com o apoio técnico e científico devidamente especializado. Para isso, convidámos o professor Pero Gomes, que é um reputado autor nesta matéria da Universidade de Londres, que nos está a assessorar neste processo e que tem dinamizado um conjunto de workshops com empresas para explicar o que é o projeto da semana de quatro dias. Neste momento, recolhemos manifestações de interesse de sensivelmente 90 empresas que manifestaram vontade e curiosidade em participar. Até ao final desta quinzena, até 15 de fevereiro, vamos ter a decisão dessas empresas se querem participar ou não no projeto-piloto. E depois, a 1 de junho, a ideia é termos durante um semestre inteiro, até final do ano, um estudo sobre a participação neste projeto de um conjunto de empresas dos mais diversos setores, das mais diferentes dimensões, situadas nas mais diferentes geografias, dando assim indicações preciosas para a sociedade sobre o que é que significa abraçarmos esta dimensão nova da organização do trabalho, em torno de uma semana mais reduzida que é dos quatro dias e que visa responder nomeadamente às exigências dos mais novos.
- A indústria mais tradicional mostrou-se um pouco relutante à ideia. Pelo contrário, a área dos serviços, da tecnologia tem mostrado maior interesse. Consegue caracterizar as manifestações de interesse?
Uma das coisas que nos surpreendeu pela positiva é a diversidade de perfis de empresas. Já há empresas do setor industrial que se calhar numa fase inicial achavam que isto não era para si ou na área do retalho e que hoje percebem. E porquê? Porque estas empresas são aquelas que estão mais confrontadas com o desafio da atração de pessoas para trabalhar no seu setor de atividade. Hoje é sabido e reconhecido que, nomeadamente, os mais jovens têm alguma dificuldade em aceitar trabalhar por turnos, trabalhar aos fins de semana, no fundo, em condições que durante muitos anos foram normalizadas. E estes empregadores percebem que ou se organizam de outra forma ou vão ter muita dificuldade em atraírem os mais jovens. A semana dos quatro dias pode ser uma boa solução para isso, nomeadamente para aqueles que tem necessidades permanentes durante sete dias. Há muito esta confusão de achar que a semana de quatro dias é para empresas ou setores de atividade que depois nos outros três dias da semana encerram ou folgam. Nada de mais errado. A semana de quatro dias é de quatro dias para uma pessoa em concreta. A entidade no seu todo pode bem funcionar sete sobre sete ou não. Isso depende de caso a caso. É isso que nós queremos estudar e aferir quais são os entraves maiores para podermos termos uma prática mais generalizada que será sempre numa lógica de adesão voluntária, nos tempos mais próximos. A ideia não é impor a ninguém este modelo, pelo contrário, a ideia é que este caminho se faça e aqueles que entendam que ele corresponde bem às suas necessidades, pois que o possam abraçar.
- E é possível divulgar o nome de algumas dessas empresas que já manifestaram interesse?
Gostava de não o fazer porque não estou mandatado por elas a dizê-lo. Mas surpreenderei daqui a dias quando essa manifestação de interesse se converter. Há empresas bem conhecidas de todos nós, do setor do retalho, do setor da indústria. Muitas empresas refletem aquilo que é o nosso tecido económico e, portanto, são empresas com um número de trabalhadores mais reduzido. É essa diversidade que hoje temos verificado e é bem a expressão que este projeto interessa a todos e não apenas a alguns.
- E terá aplicabilidade na Administração Pública?
A minha colega do governo que tem a tutela da Administração Pública já referiu que é intenção de também promover esta mesma realidade e este estudo no setor público. Por razões óbvias de organização do governo, decidimos que seria um projeto conduzido por ela e pela secretaria de Estado da Administração Pública, mas esse compromisso já foi publicamente assumido tanto pela ministra da Presidência como pela secretária de Estado da Administração Pública e julgo que nada obsta a que assim venha a acontecer ao mesmo tempo que estamos a fazê-lo no setor privado. Mas esta semana dos quatro dias foi apresentada no seio da concertação social, aos parceiros sociais, e tem como destinatárias as entidades do setor privado.
- E qual é a expectativa que o governo tem com esta experiência? Tencionam repeti-la?
É prematuro estar já a tirar conclusões de um estudo que se vai agora fazer. A ideia é recolher alguns ensinamentos, alguma informação para diferentes âmbitos, seja para podermos trabalhar em dimensões que se venham a verificar as mais difíceis, as mais resistentes, aquelas que carecem de algum tipo de incentivo para que esta semana possa ter maior expressão, seja para ajudar a perceber o que é que possam ser os desafios ao nível de cada um dos postos de trabalho em concreto. Mas o espírito é que seja uma realidade abraçada de forma voluntária. Queremos fazer um caminho em conjunto com as empresas de uma forma gradual, de adesão livre, voluntária e que aqueles que entendam que estão em boas condições para o fazer, pois que o façam. Pessoalmente, acredito muito nos méritos que possam decorrer desta semana de quatro dias, porque acho que há muitas atividades e muitos setores que ganhariam a todos os níveis, do ponto de vista ambiental, porque iremos reduzir, por exemplo, as deslocações casa-trabalho, trabalho-casa, ganharemos do ponto de vista de libertar tempo para que cada um se possa realizar noutras dimensões que não apenas a do mundo profissional e isso é muito importante ao nível da promoção da cidadania, da nossa participação cívica em atividades culturais, associativas, teremos ganhos relativamente ao lazer e também até em termos de dinamização desses setores de atividade económica que só vivem na exata medida em que mais de nós estejamos disponíveis para viajar e desfrutar de outras dimensões da vida. Acho que este pode ser um caminho que tem pernas para andar, mas não queremos impor esta solução como uma solução única a ninguém em particular.
- O Parlamento concluiu as votações das alterações à lei laboral, no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno. Entre outras medidas, foi aprovada a proibição da renúncia de créditos salariais quando o trabalhador cessa o contrato, exceto em acordos judiciais. Concorda com esta alteração?
Pessoalmente, entendo que é uma matéria com a qual vivo confortavelmente, porque ensina-me a experiência que, de facto, num momento em que muitas vezes o trabalhador está confrontado com uma situação de rutura não só de um contrato de trabalho, mas em termos emocionais, em que, por ventura, não está na posse de todos os elementos, muitas vezes pode ser levado a aceitar uma situação sem estar na posse de toda a informação e isso pode ser a todo o momento penalizador. Acho que o objetivo dessa iniciativa é reforçar quem se encontra numa situação dessas e, portanto, não vejo nada contra a que isso possa ser feito sem introduzir excessivo ruído naquilo que tem de ser uma relação jurídica com alguma previsibilidade. Por isso, julgo que a solução que acabou por ser discutida é equilibrada ao tentar compaginar estes diferentes interesses. Por um lado, não privar os trabalhadores desta possibilidade de reverterem uma situação que, depois de mais ponderada, os leva a considerar que há créditos que têm direito a reclamar, mas não pode ser numa forma que seja só uma expressão de vontade e, por isso, a solução encontrada parece-me perfeitamente equilibrada.
-Uma das matérias que tem gerado controvérsia é o enquadramento fiscal das despesas com o teletrabalho. O Parlamento aprovou uma proposta do PS que indica que o governo deve definir por portaria o limite para a isenção fiscal destas compensações. Mas esqueceu-se da parte contributiva. Significa que estes pagamentos, ainda que isentos de IRS, terão de descontar para a Segurança Social?
Quando o governo agora tiver de equacionar essa situação em termos concretos, dando conteúdo a esse princípio e encontrando o valor, será também o momento para encontrar uma solução sistémica para essa situação. Diria que muito provavelmente teremos que nos aproximar de algo parecido que hoje acontece com o enquadramento fiscal de matérias como o subsídio de refeição, em que até um determinado montante seja possível ter uma dedução do ponto de vista fiscal, assegurada também em termos da segurança social. Historicamente, uma e outra situação têm ando a par e passo e, portanto, isso será uma matéria que ainda será ponderada e definida, mas julgo que muito provavelmente é nesse sentido que caminharemos, uma vez que esse tem sido sempre essa a solução adotada. Aquilo que é até um determinado montante isento em termos de contribuições fiscais também acaba por sê-lo para a Segurança Social. Mas não me quero comprometer mais do que o que devo. Estou apenas a dar um enquadramento, porque essa matéria ainda será objeto de ponderação no tempo e na sede própria por parte do governo.
- E quando é que essa portaria será publicada?
Seguramente no decorrer deste ano. Há um conjunto de instrumentos legislativos que se seguirão à aprovação da Agenda para o Trabalho Digno.
-Significa que o valor máximo que ficará isento para despesas de teletrabalho ainda nem está definido?
Não.
- Houve um atraso de uma semana nas votações no Parlamento. O PS teme agora que as alterações que protegem as convenções coletivas entrem em vigor mais tarde, depois do fim da moratória de dois anos da suspensão dos acordos coletivos. Se isso acontecer, gera-se um vazio legar e poderá haver uma corrida às denúncias por parte das empresas. Neste caso, o governo tenciona alargar a moratória?
Os deputados estão cientes dessa situação e encontrarão na proposta uma norma que permita a transitoriedade dessa situação, que acautele essa mesma situação.
- Mas foi acautelado. Esta matéria à partida entrará em vigor no dia seguinte à sua publicação. Acontece que esta moratória termina no dia 9 de março, por isso, se essa norma for publicada depois, estaremos então no tal vazio legal.
Por isso, a minha expectativa e do governo é que a própria agenda esteja ciente desses prazos e tenha que expor numa norma de caráter transitório, por ventura, um regime de entrada em vigor que não seja exatamente o mesmo para todo o articulado.
- Mas isso já foi aprovado...
E que possa salvaguardar essa situação, porque aquilo que ninguém deseja é uma situação de vazio legal e de uma situação em que haja incerteza relativamente a esse tema.
- Quantas empresas, trabalhadores e acordos coletivos estão abrangidos por esta moratória da caducidade das convenções coletivas?
Não tenho comigo esse número. O que posso dizer é o contrário, é que temos feito tudo para valorizar o diálogo social e para promovermos um ambiente que valorize a contratação coletiva. Aliás, foi esse o espírito que também presidiu ao acordo de rendimentos e de competitividade e de valorização dos salários celebrado recentemente em outubro com os parceiros sociais, em concertação social. Fomos ao ponto de fazer depender um acesso a uma majoração, a um benefício que as empresas possam ter em sede de IRC, do facto de não só aumentarem num determinado referencial os salários naquilo que ficou acordado, no mínimo de 5,1% para este ano de 2023, mas de terem de o fazer no quadro de um instrumento de contratação coletiva, entendida esta de forma dinâmica, ou seja, há menos de três anos. Isto é bem a expressão da vontade que o governo tem e da importância que o governo dá à contratação coletiva, porque acreditamos muito no diálogo social, acreditamos muito que é fundamental que as entidades empregadoras, as organizações sindicais sejam capazes de se sentarem à mesa das negociações e regularem um conjunto e matérias que vão para lá da questão da valorização salarial e das carreiras, e que tem a ver com os tempos de trabalho, com os tempos de lazer, com progressões, com questões de higiene e segurança no trabalho, com um conjunto muito amplo de matérias que devem e têm tudo a ganhar se forem tratadas num quadro de diálogo social.
- Qual o universo das empresas que efetivamente, este ano, aumentaram os ordenados em 5,1% ou mais para terem direito ao benefício fiscal?
Não tenho esse número, até porque esse é um processo que ainda se encontra em curso. Apesar de estarmos em fevereiro, há vários processos negociais que ainda não estão concluídos e, portanto, há sempre a possibilidade depois de retroagir a 1 de janeiro de 2023. Aquilo que sabemos é que há um compromisso muito forte por parte de todos de não só se comprometerem com estes aumentos salariais que têm como objetivo repor o peso dos salários na riqueza produzida, o seu peso percentual, em linha com aquilo que é a boa prática da média europeia. E isso implica aumentar em três pontos percentuais o peso dos salários no produto, o que significa um esforço de, até ao final da legislatura, aumentarmos os salários no mínimo em 20%. É esse o acordo que estabelecemos com os parceiros sociais e é esse o acordo que julgo que reúne um larguíssimo, não diria consenso, porque como é sabido houve uma central sindical que não o subscreveu, mas um larguíssimo acordo entre a maioria dos parceiros sociais de se comprometerem com essa situação. Mas não ficámos penas pela questão do aumento salarial, fomos ao ponto de fazer depender esse acesso a esse benefício desta condição de o fazer no seio de uma contratação coletiva.
- Neste pacote de alterações, foi aprovado a presunção de vínculo laboral entre trabalhador e plataformas digitais como a Uber. Como é que será feita a fiscalização do cumprimento desta regra?
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A Agenda do Trabalho Digno, quando foi discutida, aquilo que quis foi não deixar de fora nenhuma das novas realidades e dos novos desafios que se colocam no mundo do trabalho. Hoje, a importância das plataformas é muito significativa nos nossos modelos de organização económica e social. E isso coloca desafios novos . Aquilo que esta agenda quis sinalizar de uma forma muito clara foi dizer que nada contra a inovação, nada contra a flexibilidade, mas tudo contra modelos de negócio que assentem em qualquer lógica de precariedade ou de desproteção social. Isso seria um retrocesso para o qual nós não queremos contribuir. Seria um retrocesso nomeadamente em termos de proteção social. Quando estamos a falar de pessoas que verdadeiramente estão a trabalhar para essas plataformas, no âmbito de uma relação esporádica, flexível, ou seja, aquilo que define o que é um prestador de serviço, pois nada contra. A lei prevê-o e pode acontecer. Agora, tudo contra a que relações que são subordinadas de trabalho, que obedecem a horários escrupulosos de trabalho, que têm, de forma mais ou menos dissimulada, hierarquias funcionais, enfim, tudo aquilo que caracteriza, no nosso ordenamento jurídico, uma relação de trabalho subordinado, pois aí não podemos fechar os olhos e fingir que estamos a falar de uma prestação de serviço. Por isso, o que a Agenda do Trabalho Digno procura consagrar é esta possibilidade de dizer que há uma presunção, verificados um conjunto de requisitos, de laboralidade. Ou seja, há uma presunção de que aquela pessoa está a trabalhar para uma entidade patronal. E depois essa entidade também, nos termos da mesma lei, condições, se entender que assim não o é, de o demonstrar e fazer evidência de que isso não acontece assim. Isto é uma matéria que vai competir, por um lado, a Autoridade das Condições de Trabalho (ACT), a ACT poder ter essa atitude fiscalizadora, mas depois será em sede do Tribunal do Trabalho se a questão não se dirimir antes. O que não poderíamos ter era uma situação em que não há nenhuma consagração de direito que alguém possa legitimamente reivindicar duma plataforma ou de qualquer outra entidade. Este não é um tema exclusivo das plataformas de dizer que o que eu tenho não é uma prestação de serviço, o que tenho é uma relação de trabalho com a diferença que não tenho os meus descontos para a Segurança Social, que não tenho a minha proteção social garantida na doença, na assistência à família, que não tenho os mesmos direitos de férias e assim sucessivamente. Isso seria um retrocesso com o qual não estamos disponíveis a pactuar. Se se tratar verdadeiramente de um prestador de serviços que entende fazer umas horas seja em que modelo for, pois com certeza que o poderá fazer e ninguém irá perseguir essa situação.
- Nessa presunção de laboralidade, as pessoas passam a descontar para a Segurança Social, passam a ter subsídio de férias e de nata. É isso?
Se a presunção de laboralidade se concretizar, o que vai acontecer é a obrigação de converter aquela relação num contrato de trabalho com todos os direitos e deveres que a legislação laboral obriga.
- Em matéria de concertação social, está a ser estudado o destino a dar ao Fundo de Compensação do Trabalho para o qual as empresas têm de descontar 0,925% da retribuição dos seus trabalhadores. Neste momento qual o valor global do fundo?
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O fundo foi criado num contexto específico, quando houve uma alteração nomeadamente aos valores por indemnização por cessação da relação de trabalho que deveria ser pago e houve, nessa altura, algum receio de que pudesse haver um conjunto de empresas que pudessem, no futuro, não ter solvabilidade suficiente para fazer face a essas indemnizações, quando tivessem de as pagar. Aquilo se entendeu com esse fundo foi acautelar essa situação. Porém, passados todos estes anos, o que verificamos é que o fundo tem hoje um valor confortável que ultrapassa os 500 milhões de euros.
- Cerca de 570 milhões de euros, certo?
Certo. E não há razão para a sua imobilização e o que propusemos aos parceiros sociais foi que, assim que a Agenda do Trabalho Digno seja aprovada e que nomeadamente também aprovemos a norma que volta a onerar os dias por antiguidade de trabalho de 12 para 14 dias para cálculo de indemnização, pudéssemos pegar nessa verba e dar-lhe um destino diferente que não exclusivamente para pagar questões de rescisão de contrato. E, nomeadamente, acordámos que poderíamos fazê-lo para duas outras realidades. Ou para suportar custos com a formação profissional dos próprios trabalhadores ou então, num tempo em que o tema da habitação é tão crítico para todos, as empresas pudessem incorporar essas verbas em propostas que ajudassem de alguma forma a custear, subsidiar os custos dos seus trabalhadores com a habitação, nomeadamente os seus trabalhadores mais jovens, ajudando-os a terem instrumentos de emancipação.
- O apoio seria só para as rendas com habitação ou também para empréstimos bancários?
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A hipótese que está sobre a mesa e que já foi discutida com os parceiros sociais é de tornar este mecanismo o mais ágil possível e o menos burocrático possível e, portanto, será aquilo que as entidades queiram, dentro destas finalidades, com todo o grau de liberdade. Tem de ter o acordo dos trabalhadores, mas com toda a liberdade numa destas finalidades. As empresas podem apoiar rendas, o custo de um crédito ou investir em habitação própria como já aconteceu no passado para pôr à disposição dos seus trabalhadores. Nós não vamos impor nenhum modelo em concreto, queremos é salvaguardar que esta finalidade é uma das que permitirá a mobilização ou o resgate dessa verba que estava nesse fundo e que se entende que, passados todos estes anos, não há razão para se manter imobilizado.
-Mas esse fundo já não irá ajudar a pagar as indemnizações por despedimento?
Também irá. Eu disse que para além dessa razão se somariam estas finalidades.
- Mas como é que os montantes vão ser divididos?
Os montantes vão ser em função das necessidades das próprias empresas. Levámos aos parceiros sociais uma proposta muito simples de agilidade que é no fundo escalonar em função dos montantes que cada empresa tenha constituído nas contas individuais dos trabalhadores. A ideia é que empresas que tenham lá um depósito até 10 mil euros tenham a possibilidade de fazer a mobilização num só momento a acontecer a partir do segundo semestre de 2023 ou durante a vigência do acordo, entre 10 mil e 400 mil euros podem fazê-lo em dois momentos, neste ano e no ano subsequente, e as empresas que tenham valores superiores a 400 mil euros têm de o fazer, diria, em suaves prestações de 25% ao ano durante a vigência do acordo até final de 2026.
- A Confederação dos Agricultores de Portugal tem contestado uma nova versão da proposta do Ministério do Trabalho que diz que o destino a dar ao fundo terá de ser acordado com os trabalhadores. O Ministério vai manter esta formulação na proposta?
Quando celebrámos o acordo essa formulação ficou a um nível muito genérico. Não estava isso, mas também não estava o seu contrário, mas depois também é uma questão de interpretação do espírito. Para nós, governo, não era admissível que este fundo que foi criado no âmbito de uma negociação no seio da concertação social, que teve de merecer o acordo nomeadamente de umas centrais sindicais, à época a UGT, que agora se pudesse desmobilizar este fundo e dar-lhe uma finalidade sem que houvesse o acordo também por parte dos trabalhadores. Isso não nos parecia avisado, nem correto, nem proporcional e, portanto, aquilo que entendemos é que, dentro destas finalidades que estão previamente acordadas, o acordo dos trabalhadores é meramente para acautelar que não há situações de abuso. Mas já está muito definida à partida qual é a razão pela qual cada empresa pode resgatar esta verba e onde é que a pode aplicar. Acho que sinceramente é uma não questão.
- O desemprego tem estado baixo, mas tem vindo a subir consecutivamente nos últimos meses. Perante esta crise inflacionista, teme um aumento acentuado do desemprego e de falências de empresas? O governo está preparado para acionar mais apoios para as empresas e famílias caso seja necessário?
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Temos que ir gerindo e acompanhando de perto a evolução da situação. Acho que ela se caracteriza de diferentes formas. É absolutamente correto reconhecer, porque é factual, que nós estamos numa situação de desemprego muito baixo, mesmo alguns consideram que estamos naquilo que tecnicamente se chama de pleno emprego, numa taxa de desemprego que anda à volta dos 6%. E isso é uma muito boa notícia. Tivemos, em dezembro passado e agora também em janeiro, o melhor dezembro e o melhor janeiro dos últimos 30 anos em termos de números de desemprego. Quem fala com empregadores e cobre esta área ouve que o problema é o acesso à contratação, é a dificuldade em encontrar pessoas para trabalhar. Essa é uma dimensão do problema. A segunda é não ignorar que estamos numa situação marcada por grande incerteza em virtude de uma guerra que estamos a viver e que não sabemos como é que evoluirá e, nomeadamente, uma guerra que tem efeitos muito perniciosos a todos os níveis e também em termos da inflação que gerou e em termos dos impactos que está a ter na economia. Portanto, é avisado acompanhar esta situação de perto, com prudência sem qualquer tipo de triunfalismos e tentando ajustar, a cada momento, os instrumentos políticos que se afigurem necessários para responder ao momento que a cada momento estejamos a viver. Neste momento, é com tranquilidade, diria, que encaramos estes números. Quanto aos números que recentemente sofreram uma ligeira subida em cadeia, não em termos homólogos, o que podemos dizer é que historicamente a curva da evolução do emprego e do desemprego se comporta sempre assim. Ou seja, estes meses são sempre marcados historicamente por alguma subida do desemprego, o que tem a ver com o incorporar de efeitos de sazonalidade. Agora temos de estar atentos e não podemos embandeirar em arco porque a situação do ponto de vista económico e social é de merecer toda a atenção face ao momento que estamos a viver.
- A ministra do Trabalho já anunciou uma nova medida destinada aos desempregados de longa duração, que estão inscritos há mais de um ano nos centros de emprego, que permite acumular parte do subsídio com salário. Quando é que o governo vai aprovar esta medida e quando será para entrar em vigor?
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A nossa expectativa é que no decorrer deste primeiro semestre do ano ela esteja devidamente operacional. Há hoje um conjunto de pessoas que chamamos de desempregados de longa duração, ou seja, pessoas que estão há mais de 12 meses em situação de desemprego que, por vezes, têm dificuldade em regressar ao mercado de trabalho e outras vezes, apesar das ofertas que lhes são feitas, têm alguma resistência, apesar de, nos termos da lei, estarem obrigadas a aceitar as ofertas de emprego que têm pela frente. Não porque as pessoas sejam preguiçosas, mas porque muitas vezes essa oferta não é racional para quem a encara, porque vai ganhar às vezes o mesmo senão um pouco mais do que aquilo que está a auferir relativamente ao subsídio de desemprego, em termos líquidos, vai ter de incorrer em custos com a deslocação para o trabalho, com a sua alimentação. Há ainda o custo de oportunidade, ou seja, o facto de estar a trabalhar significa que não pode estar fazer outras atividades e isso é, a todos os níveis, indesejável. Apesar de sabermos que o desemprego é sempre uma situação involuntária, sabemos que podemos e devemos criar um quadro que incentive que esta situação termine o mais cedo possível. Portanto, pensámos numa medida que permite acumular parcialmente o subsídio de desemprego com uma nova proposta de trabalho, com diferentes incentivos no tempo: se começar a trabalhar entre o 13º mês e o 18º mês do subsídio de desemprego, a ideia é que o desempregado possa vir a beneficiar da acumulação de 65% do subsídio de desemprego com a nova oferta de trabalho; se acontecer esse regresso entre o 19º mês e 24º, essa percentagem já se reduz para 45%; e, se for após o 24º mês, pelo tempo remanescente a que ainda teria direito a permanecer no subsídio de desemprego, essa acumulação ficará nos 25%. O objetivo é garantir que a sociedade ganha em procurar mobilizar estas pessoas para o mercado de trabalho, em que não temos uma situação tão penalizadora de quem está no desemprego Significa incentivar as pessoas a dizer que é bom que regressem mais cedo ao mercado de trabalho, é bom para a Segurança Social e para a sociedade, porque significa que mais cedo essas pessoas se tornam de novo contribuintes líquidos seja para a Segurança Social, seja fiscalmente e também mais cedo a Segurança Social está a reduzir encargos com o pagamento de um subsídio de desemprego sem pôr em causa a proteção social a que as pessoas têm direito.
- E há alguma nova medida de incentivo ao emprego jovem e sénior?
Relativamente ao emprego jovem, recentemente subscrevemos um pacto promovido por uma fundação privada, a Fundação José Neves, que desafiou um conjunto de empresas a se comprometerem com objetivos concretos de empregarem mais jovens e empregá-los em melhores condições, ou seja, também com melhores salários. Temos bem a noção de que o problema dos jovens é central hoje na sociedade portuguesa. E esse pacto a que aderiram logo de início 50 das maiores empresas portuguesas e que outras agora estarão a aderir sucessivamente tem esse objetivo de colocar o tema do emprego jovem como um tema primeiro. Já tínhamos uma medida no seio do Plano de Recuperação e Resiliência, que é o Compromisso Emprego Sustentável, que permite apoiar financeiramente as empresas que queiram contratar pessoas sem termo, estimulando o mercado de trabalho com maior qualidade. E esse apoio era inclusivamente majorado de forma expressiva quando se tratava da contratação de jovens. além destas medidas de política pública que têm esta lógica de incentivar a contratação, temos este pacto em que é o resultado de concebermos esta ideia simples: este não é um problema do governo A, B ou C, este é um problema da sociedade portuguesa. Seria no mínimo trágico que depois de todos os esforços que o país fez, e bem, na qualificação da sua população ativa e nomeadamente dos mais jovens, num quadro de grande mobilidade, que não fizéssemos tudo o que está ao nosso alcance para não apenas atrairmos outros jovens mas também retermos os nossos jovens em Portugal. A situação da precariedade a que hoje os jovens estão sujeitos, apesar de ela ter vindo a melhorar nos últimos anos, é uma situação muito injusta para os próprios, porque é penalizadora dos seus rendimentos, afasta perspetivas de vida, de projetos profissionais, e é altamente penalizadora para a sociedade portuguesa.
- E nesse ponto o que é que o governo está a pensar fazer? Foram detetadas, por exemplo, 300 mil contratos a termo que ultrapassaram o prazo legal. Que medida estão a ser preparadas? Recordo que a taxa de rotatividade ainda nem sequer entrou em vigor.
Nos termos da Agenda para o Trabalho Digno, uma das dimensões importantes é o combate à precariedade e, aí, haverá uma norma habilitante que vai permitir a interoperabilidade de dados. No fundo, que a Autoridade para as Condições de Trabalho e a Segurança Social possam de uma forma simples trabalhar de forma articulada e juntas nesse combate à precariedade. Hoje, não podemos continuar a olhar para a ACT com métodos inspetivos como se tivéssemos a falar há 30 anos. Hoje, temos algoritmos, temos Inteligência Artificial, temos a capacidade de cruzamento de dados. A partir da informação que a própria Segurança Social tem sobre a situação de cada empresa, é verificável se a empresa está ou não a cumprir os prazos máximos de renovação dos contratos, ou se está a incumprir. E, no caso de incumprir, a ACT tem o direito e o dever e a obrigação de ter uma atividade inspetiva consequente e de corrigir essa situação.
- Mas como é que isso se vai operacionalizar? É uma questão da ACT poder ter acesso aos dados da Segurança Social?
Exatamente.
- Não tem neste momento?
Não. Até em termos legais há questões que tem a ver com a proteção de dados. Essa operacionalidade precisa de estar salvaguardada do ponto de vista legal e precisa de haver um mecanismo recorrente e sistemático de troca de informação para que a ACT possa beneficiar dessa informação que vem da Segurança Social para ter uma intervenção atuante no mercado de trabalho. E o objetivo é esse mesmo, é detetar essas situações.
- E quando é que esse mecanismo vai avançar?
Estamos já a trabalhar nesse sentido e, portanto, eu diria que a muito curto prazo vamos ter notícias nesse sentido. Criado o enquadramento legal, será possível esta intervenção de combate à precariedade que é de facto algo que temos que pôr no nosso mapa como uma prioridade. Porque uma coisa é a flexibilidade e eu gostava de deixar isso claro. Muitas vezes ouço dizer que Portugal não pode ter uma legislação laboral tão rígida. Não há rigidez nenhuma, temos figuras para todos os tipos de contratação e aquilo que é flexível e que são necessidades a termo, pois não há nenhum problema em que haja uma contratação vulgarmente designada a prazo. Ninguém quer acabar com os contratos a termo, o que queremos acabar é com uso abusivo de contratações a prazo para necessidades que são certas, permanentes e em que não há nenhuma razão para serem feitas dessa forma. Isso é que não podemos naturalizar.
- Essa portaria que está a ser trabalhada está relacionada com a taxa de rotatividade?
Não. Esse é um outro tema. Esta portaria tem a ver com o mecanismo de fiscalização dos contratos a termos, garantindo que não são ultrapassados os prazos que a lei prevê para situações como o outsourcing ou o trabalho temporário, que também vão ser sujeitos a novas modalidades no âmbito da Agenda para o Trabalho Digno. Mas não basta, como é voz corrente, fixar na lei. Depois, temos de garantir no terreno capacidade inspetiva de verificar essas situações.
- Quanto ao futuro, que expectativas tem do mandato? Que metas estabeleceu e face à conjuntura e se ainda acredita que as vai cumprir?
Claro que acredito. É com esse espírito que trabalho e que todos trabalhamos no Ministério do Trabalho e no governo. Acredito que vamos continuar a prosseguir esta trajetória que é uma trajetória que tem sido muito positiva: temos vindo a conseguir reduzir a precariedade, aumentar o número da população jovem a trabalhar e com mais direitos, aumentar o nível de remuneração dos jovens no mercado de trabalho, do mesmo modo que temos vindo a conseguir ter mais pessoas a participar na economia formal. Nunca tivemos uma população ativa tão grande como aquela que hoje temos a contribuir para a Segurança Social e, ao mesmo tempo, aumentámos a proteção social como a gratuitidade das creches. Este país tem um problema ao nível demográfico e ele tem de se resolver em duas frentes, com a frente do incentivo aos mais jovens a que aqui se fixem a que aqui construam os seus projetos familiares e com um país que também tem de estar aberto àqueles que nos procuram para aqui virem trabalhar e construir as suas vidas. E temos de ser um país que saiba acolher com dignidade, dando os mesmo direitos que damos aos nossos concidadãos aos imigrantes que nos procuram e que querem aqui estabelecer as suas vidas.