Carlos Silva afirma que há muita gente no PS que não gosta da UGT, mas responde: "habituem-se aos murros na mesa". Avisa que empresas privadas como a EDP e a Brisa replicaram aumento salarial de 0,3% no Estado.
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Acusa o PS de afastar-se do sindicalismo. Paulo Pedroso desvinculou-se do partido falando também neste afastamento. Este PS já não é dos trabalhadores?
O PS é o PS de sempre que eu conheço. Sou militante do Partido Socialista faz 40 anos e nunca conheci outro. As lideranças, a forma de estar, o cenário político e o cenário económico do país é que se foram alterando. Há novas respostas para novos problemas. O PS tem grandes responsabilidades na criação da UGT, do movimento sindical, também por dar corpo e apoiar o nascimento da intersindical em 1970 - relembrando que foram 19 sindicatos da intersindical que criaram a UGT. O que achamos na nossa central sindical - estamos a falar de final de 2019, princípio de 2020 - é que há um compromisso que importa respeitar no parlamento. O PS decidiu por esse compromisso nos últimos quatro anos, continua a negociar à esquerda, e sabemos que uma parte desta esquerda tem uma posição muito anti-UGT. É verdade, os factos falam por si. Os programas eleitorais das organizações que apoiam o atual governo no parlamento falam por si. Vem aí um programa do Congresso da CGTP que fala por si em relação à UGT, aos patrões e ao PS, ao PSD e aos CDS. Temos consciência disso, é uma posição muito ideológica. Portanto, quem não gosta de nós não gostaria de ver a nossa voz criticar, pôr em causa algumas das decisões da governação.
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Sente que há muita gente no PS que não gosta da UGT?
Sinto que há muita gente hoje no PS que não gosta da UGT. Mas também o contrário é verdade. Há muita gente no PS que continua a gostar da UGT, nomeadamente, os sindicalistas socialistas.
Será uma circunstância passageira ou indica alguma alteração de perfil na própria posição do partido em relação à UGT?
A UGT tem um líder, que sou eu. Porventura, alguns no PS achariam que eu devia ser mais dócil em relação às posições que o governo e o PS têm apresentado no parlamento. Nunca fui muito dessa docilidade. Nunca estive ao serviço - nem a UGT - de nenhum partido político. Uma coisa é aquilo que às vezes se diz na opinião pública para fazer o bota-abaixo ou encontrar um bombo da festa, para critica (justificar?) às vezes os próprios insucessos na concertação social, na política portuguesa, ao longo de 40 anos. Sempre fomos acusados de divergência, de dissidentes, de partir o movimento sindical. Essas acusações de que temos uma fortíssima ligação e dependência, e até instrumentalização, do PS ou PSD quando estão no poder não é verdade. Talvez eu o tenha feito de uma forma mais notória, mais truculenta, mais verbalizada, mas a verdade é que nos últimos tempos têm-se sucedido um conjunto de fatores que levaram a que a UGT, e eu que represento a UGT em termos institucionais perante o país, tenha transmitido um certo mau estar e uma incomodidade. Sobretudo, por o partido que tem grande responsabilidade na criação da UGT, a que pertence o secretário-geral e grande parte dos dirigentes sindicais da UGT, não ter melhor sintonia na governação nem ouvir mais as nossas preocupações. Esse esvaziamento da ligação entre o movimento sindical, que a UGT representa, e o PS efetivamente é algo que nunca aconteceu nestes 40 e tal anos.
Quando as críticas chegam ao topo dos dirigentes do partido, como no caso das palavras de Carlos César sobre o seu papel à frente da UGT, é um sinal de particular preocupação?
É um sinal de particular preocupação, mas também é algo que temos de isolar em função da pessoa que o faz. Há uns meses acusei o presidente do PS pessoalmente, e até por escrito, de ter responsabilidades na não-eleição de nenhum deputado. Houve um certo mal-estar no grupo parlamentar de então, no final da anterior legislatura. É o presidente do grupo parlamentar, presidente do PS, é uma figura institucional que nos merece respeito, mas respondeu de uma forma - com o devido respeito - atabalhoada e que nos indignou. Foi dizer que não precisamos de sindicalistas no parlamento porque quando é necessários todos no grupo parlamentar são sindicalistas. Se isto não é um esvaziamento ou uma ostracização do movimento sindical que os socialistas sindicalistas representam, então é o quê?
Desafiou o primeiro-ministro a dizer-lhe olhos nos olhos se tem algum problema pessoal comigo. Já teve resposta de António Costa?
Não tive resposta de António Costa. Mas estas coisas têm muitos anos. Eu conheço o António Costa, somos da mesma idade. Ele faz anos em julho de 1961 e eu nasci em novembro. Conheci-o na Juventude Socialista ainda ele não tinha 18 nem eu. Temos um percurso similar. Ele com outra galvanização em termos partidários. Foi ministro, tem um percurso impecável em termos de política portuguesa. Eu não. Sou apenas um dirigente sindical. Apoiei António José Seguro, ele foi candidato contra o anterior secretário-geral. Tenho estima e amizade pelo José Sócrates. Sabemos que a ligação entre António Costa e José Sócrates... Enfim, não sou eu que o digo, a própria comunicação social fez eco disso. São coisas que ficam. Recebi o José Sócrates na UGT numa reunião da tendência socialista, com a devida vénia, para apresentar o livro que na altura tinha publicado. Fui efetivamente crítico da possibilidade da criação da geringonça no final de 2015, quando esse cenário estava em cima da mesa, e tenho sido crítico em relação ao orçamento, em relação à valorização dos salários - que devia ser valorização e não é. Há aqui um conjunto de áreas da governação em que a UGT não está na pasmaceira. Tem verbalizado aquilo que é um sentimento generalizado dos trabalhadores portugueses. Mal de nós se o movimento sindical que a UGT representa, que é uma confederação sindical, não conseguisse verbalizar o mal-estar que vai nos trabalhadores. Então, existíamos para quê? Se estamos a defender o mundo do trabalho, se achamos que deve ter outra dignidade e valorização, o nosso papel seria inexistente. Se é por isso que o pecado existe, estamos sempre disponíveis para sanar o pecado. Agora, não o disse ao primeiro-ministro, mas disse publicamente que se o primeiro-ministro receber a nossa central sindical, do ponto de vista estritamente institucional, não está a fazer nenhum. Está a cumprir uma ética institucional de receber os parceiros sociais, tal e qual como faz o Presidente da República.
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Será possível afinal recandidatar-se em 2021?
O murro na mesa é não me recandidatar. E não me recandidato precisamente porque entendo que houve aqui um divórcio. Na minha forma de estar e de pensar, na minha consciência, ninguém manda e ninguém dá ordens. Portanto, eu disse que com este mal-estar provocado tenho dificuldade em voltar atrás com a minha palavra. Precisamente, porque entendi dar este murro na mesa e dizer que, se isto é assim, se a responsabilidade até é minha... Porque a UGT não fez mal ao governo, até tem estado ao lado do governo em momentos importantes da governação dos últimos quatro anos, quer nos acordos de concertação social subscritos, o último dos quais contra a precariedade e pela dinamização da negociação coletiva, pelo aumento do salário mínimo nacional, entre outras matérias. Estivemos ao lado de Vieira da Silva [ex-ministro do Trabalho] em várias questões que até tiveram grande mediatismo na sociedade portuguesa, como na greve do sindicato dos motoristas de matérias perigosas, entre outras áreas. Estivemos ao lado de rechaçar os coletes amarelos da sociedade portuguesa, formas inorgânicas de violência gratuita que queremos manter na área... Se é para conflitualidade está cá o movimento sindical tradicional (???). Portanto, estivemos ao lado do anterior governo em muitas matérias. Não estamos ao lado do governo, estamos contra o governo ou frente-a-frente com o governo, quando o governo não cumpre aquilo que tinha criado em termos de expetativas: dignificar o trabalho, valorizar os trabalhadores - sobretudo aqueles pelos quais tem responsabilidade no vínculo direto. São 720 mil trabalhadores da Administração Pública. Estão a ser maltratados. E contra isso ninguém nos pode calar.
Mas pretende levar o atual mandato até ao fim?
Claro, essa questão não se coloca. Não atiro a toalha ao chão. O meu mandato terminará no congresso de 16, 17 e 18 de abril de 2021. Até lá cá estarei, e quero espoletar - como já espoletei em termos informativos e internos - a necessidade de se preparar a sucessão. Terá lugar ainda este ano em termos de encontrarmos uma candidatura que reúna o maior consenso possível dentro da central, para lhe dar força, e depois preparar o congresso.
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Tem nomes que gostaria que avançassem?
Tenho vários nomes que são conhecidos da grande opinião pública ou daqueles que ligam mais à vida sindical. O Sérgio Monte, que é do meu executivo; o José Abraão, que é secretário-geral da Fesap; os presidentes dos sindicatos dos bancários, que são dos mais poderosos sindicatos do país em termos de sindicalização e em termos financeiros, Rui Riso e Mário Mourão. O Rui Riso foi muito mal-tratado, e foi muito maltratado sobretudo pelo presidente do grupo parlamentar, que criou um fator de divisão dentro da tendência socialista com o próprio governo e com o próprio PS ao afastar o Rui Riso das listas sem lhe dar uma palavra. Isso não aceitamos. Lembro as palavras do meu colega Marques Perestrelo, que era presidente da federação de Lisboa do PS em 2015, quando disse que finalmente a federação de Lisboa ia indicar um elemento indicado pela tendência sindical socialista. Foi o Rui Riso. Quatro anos depois não merece confiança porquê? Há aqui um conjunto de mal-estares que se têm vindo a gravar e que queremos ultrapassar. Não há aqui pedidos de desculpa, nem há volta atrás, não é isso que estamos a pedir. Mas, o fundamental é que a UGT enquanto central sindical seja tratada com respeito.
Mantém-se socialista? Esta situação poderá levar a que se desvincule do partido?
Não. Era só o que faltava. É lá dentro que temos de fazer as nossas lutas e dizermos aquilo que nos vai na alma. Mal de mim. Nunca o fiz cá fora do ponto de vista daquilo que diz estritamente respeito às questões com o PS. Se fosse só tendência socialista era uma coisa... O problema é que isto afeta a UGT enquanto central sindical, e essa tem um papel ativo na sociedade portuguesa.
A ministra da Administração Pública diz que a reunião marcada para dia 10, para a semana, vai trazer novidades em termos de aumentos salariais para os trabalhadores do Estado. O que é que espera desta reunião?
Espero exatamente que não desiluda os sindicatos. Os sindicatos da Administração Pública nos últimos quatro anos e alguns meses, desde que começou a anterior legislatura de António Costa, têm ido às reuniões da negociação só para fazer corpo presente. Não saem de lá respostas. "Estamos comprometidos, não temos dinheiro para gastar, se querem isto querem, se não querem saem"- isto não é negociação. A negociação é nós fazermos propostas e o governo fazer contra-propostas, tentar negociar um denominador comum. Não tem havido denominador comum. Tem sido uma imposição do governo, sempre sob a mesma égide: orçamento do Estado, não temos dinheiro, não podemos pagar. Diabolizou-se os funcionários públicos e diabolizou-se o movimento sindical.
O que está em cima da mesa são 0,3% de aumento. A ministra diz que poderá haver aqui margem para mais Seria razoável sair da reunião com que valor?
O valor que os nossos sindicatos discutirem com o governo. É preciso é que haja da parte do governo um sinal de boa-vontade para ir mais além. Efetivamente, 0,3% é uma anedota. É ridículo, chamem-lhe o que quiserem. O que importa aqui é que o governo dê um sinal. Esse sinal já tinha sido dado à UGT pelo grupo parlamentar do PS e pela sua presidente, Ana Catarina Mendes. Não se comprometeu com valores, mas comprometeu-se a junto do governo conseguir inverter aquele valor e ir um bocadinho mais além. É importante que no dia 10 efetivamente saiam novidades e garantias da parte do governo, garantias com os sindicatos. É com os sindicatos que se tem de negociar salários. Deixo esta nota para que o governo não se esqueça que está em negociações para o orçamento do Estado com os partidos políticos - PCP, Bloco de Esquerda e PEV - e tenha consciência que não deve ser com os partido que tem de discutir salários. Os salários são para discutir com o movimento sindical. Se não, às tantas estamos a esvaziar de todo a concertação social e a negociação coletiva, e estamos a parlamentarizar tudo aquilo onde a maior parte da sociedade civil organizada não tem assento. Os parceiros sociais têm assento no Conselho Permanente de Concertação Social, não têm assento no parlamento. São quem cria emprego e quem necessita dele.
A ministra mostrou disponibilidade para mudar alguns escalões na função pública. Essa alteração deve incidir em que escalões?
Os escalões de base mínima remuneratória. É aquilo que a [ministra] da Administração Pública tem colocado. Estamos a falar dos escalões mais baixos, que são frágeis. Só que os sindicatos da Administração Pública, depois de quase 11 anos sem aumentos salariais, têm vertido muito as suas preocupações em não deixar ninguém de fora. Já não vamos para o valor de 90 euros por trabalhador. Achamos que não há condições financeiras para os atingir. É justo? É. Era importante? Era. Mas não há sinais nesse sentido, nem da parte do governo nem da parte de ninguém que tenha consciência e que tenha a governação de um país à sua responsabilidade. Mas achamos que todos devem ser aumentados, eventualmente, de forma gradual. Quem ganha menos poder receber um aumento mais substancial e quem ganha mais não deixar de ser aumentado. Uma coisa o governo já fez: prometeu 0,3% para toda a gente. Portanto, ninguém pode ficar abaixo dos 0,3%. Se, agora, os escalões mais baixos vão ter uma melhoria substancial, não sei. O que espero é que o governo não desiluda os sindicatos, é com eles que vai ter de negociar. Da parte da UGT estarão a Fesap e o STE. Folgo em perceber que dia 10 haverá reunião. Devia ter sido antes, mas enfim... Se não é antes, é depois. Então que essas garantias que a ministra colocou se possam transformar numa satisfação para o movimento sindical.
O governo quer também chegar a um acordo sobre rendimentos na Concertação Social. Na última semana avançou a intenção de haver uma discussão sector a sector para estabelecer eventuais referenciais. Faz sentido?
Pode fazer sentido ao governo para justificar porque é que colocou 0,3% para a Administração Pública. Uma das questões que as centrais sindicais todos os anos colocam é a de se indicar um referencial que tenha a ver com índices macroeconómicos como produtividade, necessidades dos trabalhadores, questões da competitividade, inflação. Para este ano, a UGT encontrou em setembro um referencial entre os 3% e os 4% para a negociação coletiva. Mas sempre com uma nuance: os sectores mais frágeis podem naturalmente ter aumentos salariais mais baixos. Há hoje sectores que estão a negociar em 1%. Tomáramos nós que todos tivessem 1,5% ou 2%. Quando o governo coloca 0,3% esquece uma coisa. Ao longo de 40 anos de democracia foram sempre os aumentos da Administração Pública que influenciaram o sector privado, e agora esta influência é negativa, é perniciosa. Na semana passada, a EDP apresentou uma proposta de 0,2% e a Brisa apresentou de 0,3%. Se o governo apresenta 0,3%, o que é que as empresas do sector privado vão dizer? Naturalmente que se refugiam no referencial da própria Administração Pública para aumentarem menos os seus trabalhadores. É este perigo que entendemos que a proposta do governo contém. Significa que o governo também tem de fazer um esforço para perceber que, se a valorização dos salários está nas suas prioridades, se fazia parte da agenda da Concertação Social, se o início da discussão foi para haver um acordo sobre rendimentos e salários, e depois em dezembro o ministro Siza Vieira inverteu a lógica e veio discutir competitividade... Então o que é competitividade? É discutir a questão das empresas, a sua sustentabilidade, significa que a valorização dos salários está adiada. Nunca mais conseguimos sair deste fosso que nos coloca na cauda da Europa em termos salariais.
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A discussão começou com uma proposta mínima de 2,7%, que foi entendida como um possível referencial. Neste momento não há número algum sobre o qual discutir.
É verdade. Portanto, nós acompanhamos aqueles parceiros sociais, entre os quais a própria UGT, que já disse que era importante que os referenciais servissem para a negociação coletiva, sector a sector. É o que nós já fazemos, o governo não nos veio ensinar nada. Aquilo que o governo queria inicialmente e transmitiu era que os salários melhorassem e crescessem acima daquilo que tem crescido a economia na Europa. Se a Europa cresce a 2% nós temos de crescer a 2,5%. Estamos a verificar é que a negociação coletiva está estrangulada. Inclusivamente, está-se a discutir em termos europeus uma proposta da presidente da Comissão Europeia para um eventual salário mínimo europeu que tem de assentar num determinado patamar. Esse patamar discute-se em 60% do salário médio. Bem, e qual é o salário médio em Portugal? Os 971 euros de que falam? Então, o salário mínimo ficava abaixo. Não queremos continuar a ser os pobrezinhos. Gostaríamos de alavancar as nossas negociações em salários mais fortalecidos. O governo é que criou a expetativa, não fomos nós. Foi o primeiro-ministro que assumiu como uma das prioridades para esta nova legislatura a valorização dos salários. A pergunta que fazemos é: se isto é uma prioridade, 0,3% é que são valorização de salários? É colocar a economia à frente do social? É a Concertação Social estar a ser liderado pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e a ministra do Trabalho estar num plano secundário? São perguntas que colocamos para perceber se o económico abocanhou o social. Social já temos pouco. Então, quem é que discute as questões de trabalho?
O jornal Expresso escreveu que a metodologia para fixar referências por sector no acordo de rendimentos irá contra metade dos ganhos de produtividade em cada sector. Que comentário é que vos merece esta solução?
Quando são os próprios patrões a dizer na Concertação Social que é difícil mensurar a produtividade nos sectores e nas empresas - ou numa parte delas - quem é que vai aferir a produtividade na maior parte de sectores e empresas em Portugal? É o turismo? É a agricultura? Todos pagam baixos salários e todos querem continuar a pagar. Nenhum quer referenciais. Foram os primeiros a dizer que nem pensar nisso. Querem continuar a promover os baixos salários para a competitividade dos seus sectores, mas, naturalmente, os grandes acionistas e os grandes grupos continuam a ganhar muito. Na agenda das reuniões da Concertação Social para até final de março não há nenhuma proposta de acordo exclusivo sobre uma ou duas matérias. O que o governo nos vem propor é que em sede de Concertação Social, para se obter no final de março um acordo sobre competitividade e rendimentos, é discutir 11 matérias em três reuniões. Não é possível. É estar a fazer de conta que vai ser possível obter um acordo. Se era para dizer que não querem acordo nenhum já deviam ter dito. Fiscalidade, salários, rendimentos, formação profissional, coesão territorial... O que é que sobra para um acordo quando destas matérias algumas davam para fazer as três reuniões. Diria mais uma coisa. Não é curial perceber que a ministra do Trabalho vai a Bragança e dá conhecimento ao país de uma decisão do governo de apoiar os mais jovens trabalhadores para se radicarem no interior do país. Não seria mais importante que a ministra colocasse esta questão aos parceiros e fizesse parte de um acordo de Concertação? No fundo, as medidas vão sendo colocadas de forma avulsa, e o que é avulso esvazia um eventual acordo. Vamos aguardar para ver, até porque foram pedidos contributos aos parceiros sociais. O governo responderá com uma proposta de documento e a UGT irá analisar o que o documento contém. Se nos agradar, subscrevemos. Se não nos agradar, não subscrevemos.
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A intenção inicial do governo também apontava no sentido de haver uma valorização salarial maior para maiores qualificações. A UGT concorda?
Claro que sim. Estamos de acordo. Os trabalhadores qualificados devem ser valorizados para se manterem no seu país. Não é para emigrarem. O governo tem falado muito do programa Regressar, na melhoria para os jovens trabalhadores qualificados para se manterem em Portugal. A grande questão aqui é quem é que paga essa valorização salarial. É o Estado com estes miseráveis 0,3%? É o Estado nos seus programas de recrutamento de jovens trabalhadores qualificados? Ou é o privado? Até o próprio IEFP já teve no seu site, não sei se continua a ter, ofertas de emprego para trabalhadores qualificados com salários de 600 ou 700 euros. É isso que mantém um trabalhador qualificado no seu país? Tem de haver um grande investimento do governo e não é com programas de imposição. Tem de ser feita uma certa pedagogia, não tem de ir tudo pela lei. É importante um acordo de Concertação Social que efetivamente aumentasse o salário mínimo até aos 750 euros, como está previsto, mas, simultaneamente, o crescimento do salário mínimo devia ser acompanhado por um crescimento dos restantes salários para aumentar o salário médio em Portugal. Não é com salários médios de 971 euros que conseguimos manter os jovens qualificados em Portugal. Eu preciso é de perceber como é que o governo quer cumprir este seu desiderato. A proposta, em termos filosóficos, é interessante. É boa. Agora precisamos de perceber como vai ser aplicada na prática.
O mercado de trabalho nos últimos meses tem dado sinais de alguma perda de fulgor. Isso pode tornar estas negociações de acordo de rendimentos mais difíceis?
Estou convencido que vai tornar mais difíceis, sobretudo, na área de valorização de salários. Há sinais de abrandamento da economia. Há sinais preocupantes sobre como nos vamos acomodar em termos dos 27 na União Europeia com a saída do Reino Unido. Há o problema dos fundos de coesão a ser negociados, com a Finlândia a impor uma perda de de 12%. Há as eleição nos Estados Unidos no final do ano. Se nos disserem que todos podem espirrar e que não nos constipamos ninguém acredita. Se vamos discutir um acordo onde a questão dos salários é fundamental - e rendimentos não são só salários, também podem vir pela forma fiscal... Ouvimos dizer a secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que para 2021, até ao final do ano, poderíamos visualizar a hipótese de introdução de mais um escalão no IRS, a melhoria das taxas para aumentar a progressividade e dar mais rendimentos às pessoas. Os trabalhadores precisam é de ter mais rendimentos ao final do mês. É isso que vai acontecer? É este acordo que o vai potenciar? Como o devido respeito, tenho as minhas dúvidas. Mas vou esperar para ver.
Há uma outra questão, sobre a eficácia que este acordo poderá ter, que se prende com o facto de haver um baixo peso de renovações na contratação coletiva que efetivamente produzem valorização salarial. Este bloqueio pode ser resolvido e como?
Só pode ser resolvido por intervenção dos patrões. Há quem discuta que essa matéria tem que ver com as questões da caducidade e do tratamento mais favorável. São questões ideológicas que estão em cima da mesa. Foram discutidas naquele caminho até à assinatura do acordo de Concertação Social [para alterações às leis laborais]. Ficaram de fora por vontade do governo, por vontade dos patrões e por vontade da UGT, porque entendemos que para a questão da caducidade se verificar o que importa é que haja vontade das partes. É preciso haver vontade das partes. E quem também nunca quer negociar da parte sindical também cá fica toda a vida amarrado a princípios doutrinários que não acompanham a modernização e a atualização do mercado de trabalho. Achamos que, efetivamente, a negociação coletiva tem de ter um sobressalto. É preciso dar um sobressalto à negociação coletiva. E é preciso que o governo, quer através das portarias de extensão, quer mesmo ao nível dos apoios às empresas, melhore a capacidade. Gostávamos que houvesse uma obrigação de que os salários fossem valorizados de uma forma mais acentuada mais rápida. As empresas portuguesas retraem-se e esse é um princípio que já norteia o sector empresarial desde sempre. É sempre difícil, não há condições de dar mais aumentos salariais aos trabalhadores. A questão do salário mínimo foi um problema quase radical em Portugal porque iria provocar enorme desemprego. Foi uma situação muito aprofundada, divulgada e apoiada pela troika - a troika que quase destruiu a negociação coletiva. Estamos a falar de 2014. Quantos anos vão ser necessários para retomarmos os tais dois milhões de trabalhadores abrangidos pela negociação coletiva? Só assim é que ela pode melhorar os seus índices salariais. Há aumentos salariais que têm sido produzidos. Em 2019, andam na média dos 3%. Mas é uma média. Para haver uma média de 3% há uns que são aumentados em muito e outros que são aumentados em pouco. Normalmente, quem é mais aumentado são aqueles que ganham mais. Entre os que ganham menos são precisos às vezes 100 salários mínimos para terem às vezes dois salários máximos. A média que se verifica é da orla dos 3%. Nós gostaríamos de continuar a apostar. Mas, mesmo assim, em termos salariais não chega para acompanhar a média europeia. A Espanha ultrapassou os mil euros de salário mínimo nacional. Quando atingirmos os 750 euros em 2023, a quanto é que estará o salário mínimo espanhol?. Como é que queremos atingir a média europeia quando olhamos para o nosso vizinho, que é o nosso grande cliente comercial por excelência? Como é que aumentamos os salários para acompanhar a média dos espanhóis?
Este Orçamento do Estado é bom ou é mau para os trabalhadores?
Bom não é de certeza. Se fosse bom, não tínhamos feito com a Administração Pública uma greve. Não tinha havido concentrações. E a UGT não tinha tomado posições públicas, inclusivamente por unanimidade, do seu Secretariado Nacional, rejeitando em absoluto e de forma liminar este orçamento. Tem coisas boas? Todos os orçamentos têm coisas boas. Mas para os trabalhadores é um orçamento profundamente injusto e desequilibrado. Portanto, não somos favoráveis.
Será também por essa posição da UGT sobre o Orçamento que as relações com o governo estão tão crispadas?
Se calhar não estavam habituados a que a UGT tivesse esta posição de dar um murro na mesa. Mas é melhor irem-se habituando.
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