A atitude europeia tem desiludido e tem criado a perceção de que a Europa está a receber a totalidade dos refugiados. É esta a convicção da PAR - Plataforma de Apoio aos Refugiados, que ontem à noite se apresentou no auditório da reitoria da Universidade de Coimbra.
Corpo do artigo
A PAR é uma plataforma civil, que não pretende substituir o Estado no apoio aos refugiados, mas que quer criar uma rede de instituições capacitadas para o acolhimento.
A Plataforma de Apoio aos Refugiados quer combater o estigma que se tem gerado de que todos os refugiados que chegam à Europa são terroristas. "Vão suceder-se as imagens, os argumentos, os temas, que nos vão manipular e fazer acreditar que estamos perante uma guerra de civilizações, ou que estamos a ser invadidos por terroristas. Façam por breves segundos o exercício de se colocarem na pele destas pessoas", apela Rui Marques, membro da Plataforma.
80% dos refugiados estão a ser acolhidos por países mais pobres do que a Europa, como por exemplo a Líbia e Rui Marques afirma que se "estão a confundir as vítimas com os carrascos", adiantando que "permitir a entrada dos refugiados não é uma invasão islâmica". Este responsável critica ainda o sistema de asilo europeu, que diz estar "feito para não funcionar". "Com tantas competências e capacidades de resolver problemas complexos tenho muitas dúvidas que seja por incapacidade técnica que o sistema de asilo não funciona. Na verdade, creio que durante muito tempo, os nossos países europeus fingiram não perceber o que se estava a passar", argumenta.
E o exemplo que dá para mostrar ao auditório de que o sistema de asilo europeu não funciona é Portugal, que está há ano e meio à espera de receber 45 refugiados, que continuam no Egito.
A PAR é constituída por várias instituições nacionais e internacionais, entre elas a Amnistia Internacional, a Cáritas Portuguesa, a UNICEF, a Comunidade Islâmica, entre outras. Desta Plataforma fazem ainda parte vários órgãos de comunicação social portugueses, entre os quais está também a TSF.
Ontem, em Coimbra, a PAR pretendeu mostrar aos portugueses que o acolhimento de refugiados deve passar sempre pelo envolvimento de instituições locais, como as misericórdias, as paróquias ou as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social). Este acolhimento deve ser encetado pela própria comunidade, sem esperar receber nada em troca, nem mesmo os fundos comunitários.
"Disponibilizar a própria casa não é uma solução", diz. As famílias interessadas em ajudar podem referenciar-se junto da PAR como famílias GPS, que apoiam a integração dos refugiados nas comunidades, ao nível da língua, educação, saúde e habitação.
Para além do PAR FAMÍLIAS, que visa o acolhimento de famílias de refugiados em Portugal, a PAR tem ainda o PAR LINHA DA FRENTE, que consiste na ajuda a refugiados nos países de origem. Para estes, na próxima segunda-feira, inicia-se uma campanha de recolha de fundos a entregar a duas ONG no terreno: a Cáritas Médio Oriente e o Serviço de Apoio a Refugiados do Médio Oriente. A campanha irá decorrer até dezembro.
No final da sessão, Rui Marques respondeu a questões que nascem do medo da sociedade civil e que estão a "minar" a opinião pública, diz o responsável. O membro da PAR lembrou que o número esperado de refugiados que Portugal irá receber anda entre os 1500 e os 5000, o que representa 0,005% da população portuguesa. "Invasão? Não têm noção do ridículo do que se está a falar", argumenta.
Rui Marques considera que Portugal deverá receber os primeiros refugiados para finais de outubro, devido ao agravamento das condições meteorológicas no norte da Europa.
Reconhece que o acolhimento tem riscos, "mas o risco de não ajudar é ainda mais grave" , considera. Vai mais longe dizendo que "a questão islâmica é uma falsa questão", uma vez que "usa-se o argumento religioso para fundamentar uma opinião política", e deu o exemplo da Hungria, "um dos países que mais refugiados produziu no século XX" e que pegou no argumento da religião para "camuflar" uma posição política.
A história de Sabina, uma refugiada bósnia
Em Coimbra, Rui Marques quis mostrar como os portugueses conseguem apoiar a chegada de refugiados e trouxe consigo Sabina. É bósnia e chegou a Portugal como refugiada em 1992.
"A primeira recordação que tenho da guerra é de ser acordada por um barulho estranho, que não sabia o que era, mas que era desconfortável. E lembro-me de termos fugido para casa do meu avô, na Croácia, e do desconforto em partilhar a carruagem com dezenas de pessoas que não conhecia e sem o meu pai", conta.
Para trás ficou tudo o que tinha em Derventa, na Bósnia, mas também a guerra. "Apesar de termos uma família pequena, vivíamos todos na mesma cidade pequena talvez do tamanho de Pombal, a guerra serviu para separar toda a gente".
Foi acolhida com a mãe e a irmã, anos depois também o pai, por uma família de Soure. Em Portugal tornou-se arquiteta e hoje com marido português espera, em breve, ter uma filha bósnio-portuguesa.