O Fórum TSF discutiu a transferência do Infarmed de Lisboa para o Porto. Manuel Acácio ouviu alguns funcionários, a comissão de trabalhadores e o ex-presidente da entidade Eurico Castro Alves.
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Alexandra Pimentel, funcionária do Infarmed
"Sou funcionaria desta casa há 12 anos. Gostaria de mostrar o meu perfeito lamento e desrespeito que houve por parte desta decisão face aos trabalhadores, que foram informados desta decisão que tanto impacto tem nas suas vidas e dia a dia pela comunicação social.
Há 12 anos que trabalho na área de investigação clínica, na qual esta casa muito investiu na minha formação e especialização ao longo destes anos para que o meu serviço seja uma mais-valia para a saúde pública. Esta informação foi-nos comunicada sem qualquer plano subjacente, sem qualquer plano fundamentado e, acima de tudo, sem qualquer objetivo ou fundamento de que isso seria uma mais-valia para a saúde pública.
Como funcionária do Infarmed não basta ler guidelines, não basta saber procedimentos, todos os dias nos deparamos com situações complicadas de saúde publica, em que é preciso reagir, ter uma decisão imediata.
O Infarmed é um todo, só funciona porque os departamentos se articulam. É inconcebível fracionar o Infarmed. A titulo pessoal, tenho três filhos, posso dizer que esta notícia caiu que nem uma bomba na minha família, nas 350 famílias do Infarmed, que neste momento se sentem perdidos, desmotivados e que não têm rumo. Não sabemos o dia de amanha. Não fomos informados.
Nós somos o Infarmed. O Infarmed não é uma estrutura vazia, é o que é hoje porque nós todos fazemos parte do Infarmed. Porque entramos todos de manha e sabemos que temos missões prioritárias porque representamos o Infarmed em grupos europeus. E porque vestimos a camisola. Neste momento, o que estão a fazer é arrancá-la. Arrancar a camisola de alguém que a veste com gosto e que gosta de trabalhar. Lamento o que está a acontecer e sobretudo a forma e desrespeito com os colaboradores desta casa."
Rui Spínola, coordenador da comissão dos trabalhadores do Infarmed
"97% dos trabalhadores que reuniram ontem no plenário no Infarmed não concordaram com a eventual transferência. Esperamos que o sr. ministro da Saúde seja consequente com o compromisso assumido nessa reunião [se grupo de trabalho der um parecer desfavorável, a decisão volta atrás].
A garantia que recebemos é que em nenhum momento pode colocar-se em causa a saúde pública dos portugueses. É uma garantia assumida por Governo e Infarmed.
O Governo fala em criar outros polos e dividir o Infarmed entre as duas cidades. Se isto fosse vantajoso, por que razão a Agência Europeia do Medicamento não ficou em dois países? No final, ficou Amesterdão e Milão. Porque não dividir? Foi feito um estudo grande, não ficou nada recomendado que isso acontecesse. Por isso, achamos que esse perigo é exatamente igual cá em Portugal.
Estamos num momento crítico a nível europeu, resultante do Brexit. Esta situação exige de imediato um aumento da participação das atividades da agência do medicamento. Com a saída da agência europeia de Londres, existem aproximadamente 20% dos processos que eram efetuados pela agencia inglesa que poderiam servir a Portugal. Isso foi o compromisso assumido pelas entidades portuguesas junto da agencia europeia. Na altura em que precisávamos do Estado cá, unidos, a criar sinergias para receber esses processos que trazia riqueza para Portugal, estamos focados numa mudança que não traz qualquer vantagem prática para Portugal e para os portugueses. A única vantagem que vejo aqui será politica, mas isso desconhecemos... Somos muito bons a fizer aquilo para o qual estamos cá todos os dias: zelar pela saúde dos portugueses.
Esta mudança pode criar real constrangimento à exportação dos medicamentos e à consequente perda do reconhecimento internacional que é feito no atual modelo."
Margarida Ferreira, investigadora do Infarmed
"O processo europeu é extremamente complexo, envolve equipas multidisciplinares, envolve muita gente com capacidade de diálogo com os 27 Estados membros. O processo europeu implica uma especialização técnica, não só de atualização contínua, como também de capacidade perspetiva para adivinhar os problemas que podem vir no futuro. Todos os medicamentos de cancro e doenças autoimunes são de avaliação a nível central europeu. Tudo isto são interligações que demoraram muitos anos a construir, competência técnica desenhada com muitos anos de participação.
Há 20 anos que vou para Londres todos os meses, não são atividades fáceis de conduzir, transferir ou transmitir a outra pessoa qualquer. A participação e a visibilidade de Portugal, que tem tido a possibilidade de liderar a avaliação de alguns medicamentos que estão autorizados no espaço europeu, fica realmente limitada com a transferência, que vai desmembrar equipas que estão consolidadas. No meu entender, uma equipa vencedora nunca deve ser desfeita."
Eurico Castro Alves, ex-presidente Infarmed
"Não foi uma decisão tomada de um dia para o outro, foi pensado, foram ouvidas pessoas. Não foi tomada de animo leve. Compreendo que sempre que há uma mudança, e esta é significativa, isto causa algumas preocupações. Fui consultado, dei a minha opinião e foi a minha única participação no processo.
Mais importante é decidir se andamos aqui há anos a dizer uns aos outros que é importante a descentralização, que é importante que o nosso país cresça de uma forma ordenada, equilibrada... e depois no primeiro dia que se quer fazer alguma coisa, gera-se um movimento de contrariedade tremendo. Temos de ser sérios e solidários. Isto tem de se fazer com o maior respeito pelas pessoas afetadas pelo processo. Não acredito que alguém vá sair prejudicado. Isto foi preparado na sua devida dimensão. Acho bem que haja estas discussões, é o primeiro choque, mas pensemos no desenvolvimento equilibrado do nosso país, respeitando os que estão envolvidos no processo.
O processo foi ponderado e estudado. Outra coisa agora é o processo de implementação. Acho inteligente que uma comissão agora analise como se põe isto em pratica. São coisas distintas.
Estou em crer que uma boa parte do Infarmed vai continuar em Lisboa. (...) Não podemos resistir violentamente só porque vamos mudar alguma coisa, principalmente no sentido daquilo que os países mais desenvolvidos já fizeram: descentralizar serviços.
Entendo que há serviços de Infarmed que fazem sentido funcionarem em Lisboa, como outros que não fazem sentido que funcionem em Lisboa. Numa primeira avaliação, a mim faz-me sentido que o laboratório fique em Lisboa."
Mariana Teixeira, técnica superior do Infarmed
"Muita estranheza nos causa que tenham sido ouvidas pessoas, que seja uma mudança pensada e que se esteja a pensar no crescimento ordenado e equilibrado do país, e descentralização do mesmo. Uma vez que está em cima da mesa a mudança para a segunda maior área metropolitana do país, essa descentralização não se vislumbra onde esteja. A preocupação com as pessoas é inexistente, porque, reiterando o que foi dito e conhecido, as pessoas não foram ouvidas. Não nos parece que alguém tenha equacionado o impacto desta mudança. Todos temos famílias, todos temos uma vida organizada. É preciso acautelar o impacto para o país em termos económicos. Um instituto que está devidamente alocado em Lisboa há 25 anos, para de repente toda a logística ser mudada para outra cidade... isso implica um grande custo para o erário público.
Achamos que tudo isto causará impacto aos portugueses, à saúde publica e aos trabalhadores. É uma decisão completamente infundada, completamente descabida, para a qual nos moveremos com todas as nossas forças, no sentido de a travar. A saúde pública está em primeiro lugar, mas certamente estaremos a seguir. O sr. ministro é consequente e homem de palavra, com certeza terá isso em linha de conta."