Estágios pagos e vigilância apertada. O que muda com a reforma das ordens profissionais?
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Estagiários remunerado (acima do salário mínimo), órgãos de supervisão às ordens profissionais e um provedor para avaliar as queixas sobre os serviços prestados. A reforma das ordens profissionais, que tem feito correr muita tinta, vai a debate e a votos esta quarta-feira, na Assembleia da República.
As críticas têm sido constantes, seja dos bastonários ou dos partidos da oposição, mas a alteração ao regime das ordens profissionais é uma recomendação da Comissão Europeia, já de há vários anos. É uma das principais reformas anunciadas pelo Governo socialista, e António Costa tem lembrado, várias vezes, que "nem a troika conseguiu fazer a reforma das ordens profissionais".
"Toda a gente quer fazer reformas. Mas quando chega o momento a sério para fazer essas reformas, há muito poucos que dão a cara e a determinação para as fazer", atirou o primeiro-ministro, num discurso nas jornadas parlamentares do PS, no final de junho.
A reforma das ordens profissionais esteve prevista para o final do ano passado, mas só agora, sete meses depois, vai ser votada no Parlamento. No conselho de ministros de 16 de junho, a proposta foi aprovada, antes do envio do diploma para os deputados.
Estágios remunerados com pelo menos 950 euros mensais
O documento que chegou ao Parlamento tem 703 páginas e abrange mais de vinte ordens profissionais, entre elas, a dos Advogados, a dos Médicos ou a dos Enfermeiros. Uma das medidas que salta à vista é o fim dos estágios profissionais gratuitos, para que os jovens acedam à profissão.
Os estágios profissionais passam a ter uma duração de 12 meses (em casos excecionais podem chegar aos 18 meses) e existe uma remuneração mínima: 950 euros. O valor é calculado de acordo com o salário mínimo nacional, mais 25 por cento desse valor.
O objetivo do Governo é evitar que um jovem licenciado receba apenas o salário mínimo nacional, garantindo que "os jovens concluem o curso e têm direito a aceder à profissão que escolheram", como tem afirmado António Costa.
As ordens profissionais, principalmente a bastonária dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, tem avisado que, com esta medida, os jovens vão ter acesso a uma oferta mais restrita. Muitas das empresas, alertam as ordens, não têm capacidade financeira para remunerar os estagiários de acordo com os valores legais.
Órgão de supervisão independente da ordem
Com os novos estatutos, cada ordem será supervisionada por um "órgão de supervisão", composto por uma maioria de membros independentes. Entre as várias tarefas, o órgão será responsável pela avaliação do exercício de funções e determinará a remuneração dos representantes de cada ordem.
O conselho de supervisão é composto por 40% de membros inscritos na ordem, 40% de não-inscritos e oriundos de estabelecimentos de ensino superior, e os restantes 20% cooptados (também independentes e "personalidades de reconhecido mérito").
A título de exemplo, no caso da Ordem dos Advogados, o conselho de supervisão vai contar com 15 membros: seis advogados inscritos na ordem, seis profissionais do ensino superior e três membros cooptados.
"Os membros do conselho de supervisão são eleitos por sufrágio universal, direto, secreto e periódico e por método de representação proporcional ao número de votos obtido pelas listas candidatas", lê-se na proposta do Governo.
Provedor para "defender os interesses" dos profissionais
O órgão de supervisão fica também responsável por indicar o novo "provedor dos destinatários dos serviços". Também independente da ordem, cabe-lhe analisar as queixas sobre os serviços prestados pelas ordens, desde logo, aos seus profissionais.
"Compete ao provedor analisar as queixas apresentadas pelos destinatários dos serviços e fazer recomendações para a sua resolução", lê-se no documento com mais de 700 páginas. Têm ainda direito a "participar factos suscetíveis de constituir infração disciplinar".
O provedor é nomeado pelo bastonário da respetiva ordem, depois de indicação do órgão de supervisão. O provedor dos destinatários dos serviços é também, por inerência, membro do órgão de supervisão, embora sem direito de voto.
Bastonários têm de entregar declaração de rendimentos
Os bastonários passam a ser obrigados a entregar no Tribunal Constitucional uma declaração com os rendimentos, património e incompatibilidades, tal como acontece com os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, como é o caso de deputados e governantes.
Na proposta do Governo lê-se que "o bastonário está sujeito ao cumprimento das obrigações declarativas previstas na Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, na sua redação atual".
Além disso, os associados das ordens que sejam sindicalizados, tenham funções de direção na administração pública ou em associações patronais não podem ser eleitos para os diferentes órgãos da ordem. Também o "exercício de quaisquer funções dirigentes superiores em estabelecimentos de ensino superior público e privado" é incompatível com cargos nas ordens.
