Na zona da Trafaria, há mulheres ligadas à vila piscatória que ensinam turistas a cozinhar. Contam histórias do mar e das suas gentes, enquanto fazem arroz de polvo, num projeto que também contribui para o envelhecimento ativo.
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Esta visita turística começa na estação fluvial da Trafaria e termina à mesa, em torno de um tacho de arroz de polvo. Pelo meio, há uma passagem pelo mercado e uma visita à biblioteca onde Capitão, um antigo pescador galã, recorda aventuras marítimas.
Depois de apresentada a vila e as gentes da Trafaria, o grupo de canadianos encaminha-se para o bairro Madame Faber.
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"Não é muito longe até ao centro", explica Joana Paula. A guia da Varina, uma empresa de turismo de base comunitária, refere-se ao Centro Social da Trafaria da Misericórdia de Almada. Lá, Joana encontrou as melhores anfitriãs e convidou-as para ensinarem turistas a cozinhar. Chamou-as de avós do mar.
A guia turística explica que a empresa percebeu "que havia muitas necessidades aqui e uma delas tinha a ver com o facto da população ser tão envelhecida". Queriam criar um percurso ligado à gastronomia do mar mas "tinha de ser uma experiência 100% autêntica e com valor social acrescido", explica Joana Paula à TSF.
"As melhores cozinheiras do mundo são as avós", garante Joana que as escolheu a dedo. "Elas foram varinas. Elas tiveram maridos pescadores. Sempre cozinharam peixe. O peixe é uma coisa que existe muito aqui".
O menu vai variando: caldeirada, arroz de choco, pataniscas com arroz de feijão, arroz de polvo. "São pratos muito bons", afirma Libânia Anjos, 95 anos.
Libânia é uma das avós do mar. Não fala inglês ou francês mas isso não é um problema. "Uma pessoa não se entende mas temos logo quem nos vá traduzir as coisas. A gente dá-se bem, faz de conta que falamos na mesma língua".
A tradução em simultâneo é uma das principais funções do guia que acompanha os grupos. "Tentamos manter a comunicação entre o turista e as avós. Isto promove o envelhecimento ativo", garante Joana Paula.
A ementa do dia já está decidida: arroz de polvo e aletria para sobremesa. Os turistas recebem um avental e utensílios de cozinha e começam logo a trabalhar. Uns descascam alhos, outros mexem o tacho e há sempre quem fique com a função de desenhar com canela na aletria.
Vão ensinando mas Joana Paula avisa de imediato. "Estas avós são mandonas. Elas é que mandam na cozinha. Não vamos nunca ensinar uma avó de 80 anos a deixar o cliente cozinhar se o que a avó quer é cozinhar para eles".
Muitos turistas sabem já várias técnicas de cozinha mas outros precisam de uma ajuda extra. "Já tivemos pessoas novas que nem sequer sabiam descascar nada, nem batatas, nem cebolas", conta Libânia.
Stephanie Yim, umas das turistas, percebeu logo que a aula de cozinha seria diferente. "Acho que as avós gostam mais de cozinhar do que nós mas creio que o que levamos daqui é perceber que esta comunidade é autossustentável e como as pessoas são felizes. Envelhecer não tem de ser negativo, há uma forma de aproveitar a vida na velhice e aqui está um bom exemplo disso."
Para Sofia Valério, Centro Social da Trafaria da Misericórdia de Almada, o projeto vem estimular a autoestima dos idosos e o sentimento de pertença. "Haver pessoas que procuram histórias interessantes e que acham que essas histórias são interessantes, tem um valor imenso."