Estudo realizado em Coimbra indica o possível uso de piercings faciais no Paleolítico Superior
John Charles Willman, investigador da Universidade de Coimbra, partiu do desgaste dentário dos seres humanos deste período. Para o antropólogo, esta possibilidade pode significar uma nova forma de identidade e pertença
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Uma nova investigação, liderada por John Charles Willman, da Universidade de Coimbra, sugere que os povos recoletores do Paleolítico Superior podem ter sido pioneiros na modificação corporal permanente, utilizando piercings faciais conhecidos como labrettes.
Estes povos, também conhecidos como pavlovianos, viveram há mais de 25 mil anos. Eram nómadas, mas viviam em comunidades quando se instalavam num lugar. A maioria dos corpos estudados provem de território onde hoje fica a Chéquia.
John Charles Willman, do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, estava a estudar dentes para a sua tese de doutoramento, nos Estados Unidos da América, quando viajou pela Europa para investigar durante três meses. Foi aí que, no contexto pavloviano, percebeu que havia um desgaste dentário “muito estranho”, disse à TSF.
“Se passarmos a língua pela superfície dos dentes ao longo da bochecha sentimos as bordas naturais arredondadas dos mesmos. No povo pavloviano, estas bordas eram quase completamente planas e isto não tem nada a ver apenas com um comportamento alimentar regular.” John Charles Willman admite também que ficou impressionado e curioso, inclusive porque encontrou este desgaste dentário na esmagadora maioria dos adultos e até nalgumas crianças: “A minha investigação foi para tentar descobrir por que é que isto aconteceu.”
“Eu tinha alguma experiência a trabalhar com restos humanos e a rever literatura clínica e etnográfica, e uma das coisas que era constantemente apontada era que, se usar piercings, joias à volta da boca, geralmente chamadas ‘labrettes’, especialmente quando são muito grandes, isto pode causar desgaste ou danos nas superfícies dos dentes", explicou o investigador, acrescentando: "Por isso, comecei a comparar este fenómeno e a olhar novamente para o passado profundo e para estes povos pavlovianos. Consegui reunir muitas provas que diziam: ‘Bem, parece que estamos a lidar com pessoas que perfuraram as suas caras e usaram grandes adornos através destes piercings ao longo das suas vidas’."
Para o antropólogo, esta pode representar uma nova interpretação e compreensão de como os povos se identificavam como parte de um grupo há mais de 30 mil anos.
“Isto é algo que marca permanentemente o corpo e diz que este comportamento único de possivelmente perfurar os seus rostos e usar estes ornamentos é uma forma de identidade pavloviana, sendo entendido como fazendo parte deste grupo e teria sido uma forma de as pessoas se identificarem como parte do mesmo. Estas são pessoas que mudavam muitas vezes de lugar e assim conseguiam ver neste tipo de coisas uma marcação simbólica do rosto, como forma de compreender uma identidade partilhada do grupo”, sublinhou ainda John Charles Willman.
O período Paleolítico Superior terminou há dez mil anos com a prática da agricultura.
