Estudo revela que se morreu mais em casa durante a pandemia. Portugal esteve em contraciclo
Para os investigadores, uma das razões possíveis para estes resultados pode estar no investimento insuficiente nos cuidados paliativos domiciliários.
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A percentagem de pessoas que morreu em casa aumentou em 23 países de um grupo de 32 analisados numa investigação que analisou tendências internacionais de local de morte. Portugal faz parte de uma "minoria de países" em "contraciclo", segundo Bárbara Gomes, investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
"É um dos países onde se morre menos em casa dos 32 que analisamos. O que registamos é uma diminuição, e não um aumento, da percentagem de mortes em casa, antes e durante a pandemia. Durante a pandemia cerca de 32% das pessoas faleceram em casa em todos os países. Em Portugal esta percentagem foi 23%, ou seja, quase 10% abaixo do geral dos países".
Estas são conclusões de um trabalho realizado pela Universidade de Coimbra em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública. O artigo científico "The rise of home death in the COVID-19 pandemic: a population-based study of death certificate data for adults from 32 countries, 2012-2021" é publicado na revista eClinicalMedicine, editada pela The Lancet.
Segundo a investigadora o local da morte é um indicador "bastante importante", no sentido de informar "onde se devem alocar os serviços e os recursos de forma a assegurar que os cuidados estão disponíveis onde as pessoas efetivamente estão".
Neste trabalho foram analisados dados relativos ao falecimento de 100,7 milhões de pessoas, tendo sido feita uma comparação entre os primeiros anos da pandemia (2020-21) e os oito anos anteriores à pandemia (2012-19).
Em Portugal, segundo Bárbara Gomes, a tendência de menos mortes no domicílio verifica-se desde 2012.
"Temos um sistema de saúde ainda bastante hospitalocêntrico e que pode estar no cerne ou ser uma das razões que explicam o facto de Portugal estar em contraciclo. Para além de outras como, por exemplo, o investimento nos cuidados paliativos domiciliários que pode não ser suficiente para chegar de forma expressiva a todos os que necessitam".
Ainda assim, no grupo de pessoas com doença oncológica, Portugal registou um aumento de mortes no domicílio, seguindo a tendência que é "transversal à maior parte dos países." "O que pode ser explicado por uma trajetória de doença mais previsível também pelo melhor acesso a cuidados paliativos de forma mais precoce e melhor integrada".
À TSF, Bárbara Gomes salienta que uma das recomendações "mais fortes" é que, com "uma maior tendência de morte em casa, o reforço do apoio domiciliário é fundamental".
"Com apoio limitado em casa, obviamente, o recurso a hospitais e outras instituições de saúde torna-se quase inevitável. É importante reforçar estes cuidados paliativos domiciliários que são no fundo cuidados especializados, por equipas multidisciplinares, mas também é importante pensar nos cuidados domiciliários mais generalistas e aqui as equipas de cuidados primários têm um papel fundamental."
Segundo os dados da investigação, há ainda uma percentagem de 10% de mortes em locais desconhecidos, com Portugal a registar uma percentagem "ligeiramente acima", com 12,1%.
"Há uma em cada 10 pessoas que não sabemos o local onde essa pessoa faleceu. É um aspeto que também salientamos que é importante melhorar este registo dos locais de morte. A nossa equipa está a trabalhar para desenvolver uma classificação internacional que se possa ser utilizada com categorias mais detalhadas e homogéneas que permitam melhorar ainda a qualidade destes dados".
A equipa de investigação contou ainda com a participação de investigadores da Vrije Universiteit Brussel e do Makerere College of Health Sciences. O estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto de investigação EOLinPLACE: Choice of where we die: a
classification reform to discern diversity in individual end of life pathways, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação.
