Europa sem "ideia nenhuma" sobre cenário de infertilidade. Portugal dá o exemplo com "base de dados consistente"
Notícia TSF. Desengane-se quem pensa que Portugal está sempre na cauda da Europa: o país está representado no projeto EuMAR como um dos Estados com bases de dados "mais consistentes e coerentes" no que à procriação medicamente assistida diz respeito
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Há casais inférteis em Portugal que procuram no estrangeiro tratamentos clínicos sem que haja, contudo, um registo comum na Europa. Tal significa que os médicos desconhecem o historial de tentativas destas pessoas para terem filhos. Esta é uma das razões que levou ao surgimento do projeto EuMAR, que quer promover a partilha de informações. Portugal participa pela "base de dados coerente" que possui, até porque é um dos "poucos países europeus" que a tem.
A Saúde "necessita de registos adequados do que faz: não só números de doentes, mas também implicações de atitudes" e a infertilidade, até pela "regulamentação legal muito apertada", não é exceção. Além disso, pensar globalmente exige a partilha de conhecimentos, num contexto em que "cada país tem as suas metodologias, formulações e amplitudes", explica à TSF Carlos Calhaz Jorge, vice-presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA).
Dado este mote, a Sociedade Europeia de Infertilidade e Reprodução Humana tem entre mãos o projeto EuMAR (European Medically Assisted Reproduction, Reprodução Europeia Medicamente Assistida, em português), no qual Portugal participa. O objetivo é criar, pela primeira vez, "um registo europeu coerente com as mesmas definições de indicadores" para todos os países que assim o queiram.
Três anos é o tempo que há para desenvolver este "primeiro passo" através do fundo ganho, com o valor de "um milhão e duzentos mil euros".
Neste momento, decorre um projeto-piloto que "não terá implicações terapêuticas", em quatro localizações: "Alemanha e Portugal, como representantes de países com registos nacionais consistentes, e a Eslovénia e a Estónia, que não têm nenhum."
O EuMAR "desejava ter" países com "heterogeneidade" entre si, complementa o professor. Portugal "disponibilizou-se" para participar como território que possui um sistema completo, "ao contrário de outros com registos consistentes que preferiram esperar para ver o que é que isto dava".
"Não está aqui em causa comparar nem clínicas, nem países, uns com os outros. Isso não faz nenhum sentido do ponto de vista médico, porque as populações são diferentes, as condições de vida são diferentes e as características dos apoios existentes são diferentes", nota.
Então, que informação procuram? "Dados de atuação terapêutica, características dos doentes, tratamentos que fazem, o que acontece às suas células no laboratório e os resultados depois da aplicação de transferência dos embriões, da criopreservação", detalha o especialista.
"Agora não se tem ideia nenhuma" do cenário da infertilidade na Europa, por isso, Calhaz Jorge alerta para a atual "mobilização muito fácil e muito frequente das populações", em que "muita gente vai para outro país fazer tratamentos".
Sem um registo adequado, não sabemos exatamente o que é que sucede nos tratamentos de cada casal. Os embriões originados de um tratamento são um ou dois transferidos [para o útero] de imediato, os outros congelados. Se não conseguirmos ter o registo do ciclo de origem, não sabemos depois se, embora não houvesse êxito na primeira transferência, houve na segunda ou na terceira. Ou seja, não temos um resultado cumulativo. Portanto, sem essa informação até tecnicamente estamos muito limitados.
O vice-presidente da CNPMA refere também que nos "indispensáveis" consentimentos informados "há um item que diz que os dados [dos pacientes] em regime de anonimato poderão ser utilizados para publicações, apresentações ou uso científico", acrescentando: "Este projeto não adiciona nem retira nada àquilo que já é a recolha dos dados para o registo nacional."
A infertilidade é considerada uma doença pela Organização Mundial de Saúde e, segundo os últimos dados da Associação Portuguesa de Fertilidade enviados à TSF, tem uma prevalência de 10% a 15% da população em idade reprodutiva. Estima-se que um em cada sete casais não consegue uma gravidez nos primeiros 12 meses.
Depois do projeto-piloto, qual é o futuro do EuMAR?
As ideias para o futuro baseiam-se em três eixos, conta Jorge Calhaz, nesta entrevista à TSF. Antes de mais, pretende-se "o desenvolvimento e o aperfeiçoamento dos aspetos técnicos e da razoabilidade do que foi possível obter em comparação com o que seria ideal obter".
Em segundo lugar, "a difusão a mais países, uma extensão que teoricamente é possível, mas será sempre muito lenta, porque há sempre resistências a novidades": há países "muito egocêntricos nas suas posições", o que dificulta a expansão do projeto "sem carácter de obrigatoriedade legal".
Por último, "a sustentabilidade, inclusive, em termos financeiros": mais investimento é uma possibilidade, já que "há um movimento de digitalização e de partilha de informações de saúde a ser previsto para os próximos dez anos na Europa".
