André Dias Pereira do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida prevê que existam "centenas" de casos, quando a lei for aplicada. Por objeção de consciência, a resposta médica pode ser insuficiente.
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Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e presidente do Centro de Direito Biomédico, André Dias Pereira é também membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, onde votou vencido no parecer desfavorável aos diplomas sobre a eutanásia.
Agora que estão aprovados, na generalidade, os cinco projetos de lei sobre a despenalização, e que vai começar todo o processo de discussão a nível da especialidade, que preocupações deve ter o legislador para evitar a tal "rampa deslizante" que muitos apontam em países como a Bélgica e a Holanda?
Em primeiro lugar agradeço muito o convite, em nome da Universidade de Coimbra e do Centro Biomédico da Universidade de Coimbra, ao DN, à TSF, e é um gosto e um prazer poder colaborar nesta discussão pública que aconteceu, até esta semana, mas que deve continuar a acontecer. A ideia do debate deve ser para manter, para que as pessoas se informem e compreendam exatamente aquilo que está em causa. E cada um ter a sua opinião e a sua conduta ética na sua família e na sua vida pessoal, de acordo com o seu sistema de valores. Efetivamente esta é uma porta que se abre. É uma porta importante e não devemos minimizar esse fato e todos temos de manter grande serenidade e um grande respeito pelos valores que aqui estavam em causa. Que era, por um lado, o respeito pela tolerância de uma outra forma de ver o fim de vida, que se baseia num espírito de compaixão e misericórdia, mas, sempre tutelados pela liberdade, que é inquestionável, da pessoa concreta. E, portanto, é nesse quadro que nos movemos, de liberdade para situações de fim de vida, de doenças incuráveis, irreversíveis, sem tratamento, muitas vezes mesmo em estado terminal. Permita-me, porque muitas vezes se fala na Bélgica e na Holanda, há efetivamente um ou outro caso que é trazido para o debate, mas, mais 90 a 99% dos casos são pacientes em estado terminal, grande parte doentes oncológicos. Temos também doentes do foro, portanto, respiratório, incapacidade de respirar, temos insuficiências cardíacas graves, temos degenerescências graves, mas, enfim, a grande parte, a esmagadora maioria são pessoas em estado terminal. E, por isso, todos os procedimentos que os vários projetos, cada um à sua maneira, apresentam são importantes para que a decisão seja uma decisão muito rigorosa. E todos temos de estar muito vigilantes. Portanto, caminhos para a lei que se vai aprimorar são os seguintes: garantir que o procedimento é correto; que há liberdade do doente, que é para situações de doença incurável ou lesão definitiva e que é um sofrimento insuportável e que não é por pressões sociais, por pressões familiares, por desespero, do ponto de vista social, que vamos recorrer a isto. E, de alguma forma, como é que evitamos essas pressões e esse desespero e essa miséria social? Exatamente tendo um sistema de saúde competente, capaz e aberto a todos. O pior que podíamos ter era continuar a promover sistemas em que, por vezes, não há capacidade de resposta até ao fim. Há aí algumas situações alternativas em que esgota o plafond e não há mais tratamento. Isso é, de facto, eticamente inaceitável. E temos de lutar contra isso ao nível, se calhar, da legislação de seguros de saúde. Mas, obviamente, nos termos da Constituição, é ao Estado que compete ter um SNS, portanto, um Serviço Nacional de Saúde, que dê resposta cabal, mas, também aberto a outras experiências, na área privada, onde também é preciso fazer melhorias, do ponto de vista do acesso. Portanto, que ninguém fique sem tratamento por razões económicas, por razões sociais e por razões geográficas. Sabemos que isso, infelizmente, está a acontecer. Acontecia antes, continua a acontecer. Temos que continuar muito empenhados em que ninguém fique sem os tratamentos que deseja, que tem direito, por razões económicas, sociais, geográficas. Seja no fim de vida seja noutras fases da doença, e da vida, naturalmente.
Tendo lido já estes cinco diplomas que agora vão ser transformados num texto único, acredita, do conhecimento que tem desses textos, que será uma tarefa fácil ou afigura-se complexa?
É complexa porque há ali algumas diferenças. Podemos começar aqui por uma que penso que vai ser a mais fácil de limar, até em razão dos votos que teve. A do partido ecologista Os Verdes, que tem aspetos muito positivos, mas, há ali, realmente, um aspeto que não se coaduna com a nossa visão do mundo. É a ideia que tem de ser o SNS a assegurar este processo eutanásico. Não se coaduna porquê? Porque embora, nos termos da Constituição, o direito à proteção da saúde deva ser assegurado em primeiro lugar por um SNS, a Constituição está também aberta à iniciativa privada e ao setor social, que tem um papel fundamental. E, portanto, não podemos estatizar a vida nem estatizar a morte. Por aí, certamente, que esse componente vai ser afastado. Vai ser afastado, mas há ali um fundo de razão muito interessante. A ideia de que esta atuação eutanásica - que é sempre muito perturbadora, e será sempre e espero que continue a ser. As coisas não se vão banalizar nem devem banalizar. E faço até um apelo para que, respeitosamente, os defensores do não à eutanásia mantenham respeitosamente uma campanha pela vida, como sei que vão manter. Como têm mantido uma campanha pela vida, mesmo depois da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez. Com as suas associações, com as suas ações corretas, nos termos da lei. Portanto, não se pode banalizar o processo. Isso é fundamental. Mas, poderá ser feito fora do SNS. Mas há ali um ponto interessante. Será que deveríamos cobrar honorários pelo serviço? Não tenho lições a dar. Apenas dois exemplos. Na Alemanha, quando se abriu a porta à interrupção voluntária da gravidez, nos anos 90, porque havia que conciliar a tradição da Alemanha Ocidental com a Alemanha de Leste, e, portanto, acabou por se admitir a interrupção voluntária da gravidez nos termos da Alemanha de Leste. Mas o Tribunal Constitucional disse, "mas não se pode cobrar honorários". Reduzindo a complexidade. E assim acontece efetivamente. Por estranho que possa parecer a alguns, esse procedimento faz-se sem honorários médicos. Naturalmente que a pessoa paga os medicamentos e algum dispositivo médico, eventualmente se houver internamento. Podem dizer que isto é um pouco cínico. É simbólico. No caso, também, do suicídio assistido, que existe na Alemanha - ou seja, não é criminalizado o auxílio a um suicídio voluntário, designadamente a um doente em doença terminal. Recentemente, há poucos anos, houve uma alteração que veio dizer que a ajuda ao suicídio é criminalizada se for profissional. Ou seja, um médico, uma clínica, não se pode profissionalizar a fazer ajuda ao suicídio, com ou sem remuneração. Eu acho que essa lei foi longe de mais e aliás, o Tribunal Constitucional alemão tem estado a debater isso e tem havido, enfim, vários projetos jurídicos nessa área. Mas, há ali também um fundo de verdade. Ou seja, poderíamos equacioná-la em termos de ser gratuita. Sem remuneração dos médicos, dos centros e dos enfermeiros. Ponho de parte os medicamentos - que também não são muito caros - e dispositivos médicos, que também não são muito significativos. Pode acontecer. Ou então, também lemos que na Bélgica há de facto um preço que depois o seguro de saúde cobre - quase 25 euros pela consulta. São coisas muito comezinhas, mas vamos ter de nos confrontar com isto.
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E que foram questionadas. A questão da remuneração tem sido muito questionada pela classe médica. Se vão ser remunerados ou não e se é um ato médico, e se é um ato livre de impostos ou não.
Exatamente. Ora bem. Há aqui um caminho que deixo à decisão, naturalmente, a quem compete, que é o legislador. Mas, vão dizer-me "isso vai dificultar ainda mais as atuações, na medida em que, já haverá poucos médicos disponíveis, e relativamente poucos enfermeiros disponíveis, se começarmos aqui com estas exigências, ainda mais difícil será". Mas, parece-me a mim, também, que numa fase em que estamos aqui a fazer alguma descoberta do caminho, há aqui riscos sociais importantes. O caminho também não tem de ser muito fácil. Não tem que haver uma via verde da eutanásia. A via verde é para os AVC's, para os enfartes de miocárdio, para tratar as pessoas. Pode levar o seu caminho. Haver aqui associações humanitárias que se empenhem em dar este consolo, por compaixão a certas pessoas. Enfim, vamos ver o que é que acontece. Mas, realmente, que, pelo menos, isto seja, a haver alguma dimensão, que seja uma dimensão simbólica.
Eu introduzia aqui já uma questão que é a questão de a eutanásia, ou esta prática, poder ser feita em unidades privadas e sociais. O setor social já veio dizer que não faz, mas que está disponível para reencaminhar os doentes. Há unidades privadas que já vieram dizer, taxativamente, que não, que não o fariam. Portanto, estas unidades estarão a infringir a lei portuguesa. Como é que a poderão contornar? Trabalhando só com médicos objetores de consciência ou serão obrigados a aceitar a lei?
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Bom, primeiro gostaria de insistir na ideia da serenidade e de não estarmos já a radicalizar uns contra outros, porque, isto é, de facto, já suficientemente dramático tudo o que estamos a assistir. E, portanto, nos termos da Constituição aquilo que existe é um direito individual à objeção de consciência de cada médico, de cada enfermeiro, de cada farmacêutico, de cada profissional de saúde. E que, a meu ver, deve ser o mais simplificado possível. Também me parece que os projetos estão a burocratizar um pouco. Eu diria que não deve haver listas de médicos objetores. Isso é uma labelização, uma discriminação, digamos assim
Um rótulo...
Um rótulo. Deve-se evitar esse caminho. Até porque isto é muito diferente da interrupção voluntária da gravidez. Na interrupção voluntária da gravidez há um tempo dramático de decisão, que é muito curto - porque nós entendemos, e bem, que a partir das 10 semanas de gravidez a vida intrauterina é um valor muito importante e que não está na disponibilidade da mulher, e, portanto, o tempo é muito curto. A dramaticidade da decisão é tremenda, para a mulher. E, portanto, há que encontrar um caminho, rápido - embora com a meditação suficiente e com os três dias de reflexão - e que nenhuma mulher fica privada, no fundo, por razões geográficas, ou por razões ideológicas, de aceder a essa faculdade de interromper a gravidez. E, por isso, a objeção de consciência na IVG está muito regulamentada. E compreende-se. Aqui é diferente. Aliás, os próprios projetos têm um procedimento complicado, alguns chegam a pedir sete pedidos. Ou quatro pedidos. Uma Comissão Nacional de Avaliação. E, portanto, há tempo. É evidente que é um tempo de sofrimento, é um tempo de sofrimento atroz. Mas, apesar de tudo, temos de ir com alguma calma. E há tempo. E, portanto, é um direito individual, que cada médico deve poder exercer da forma mais livre possível, e casuística. Uma lesão incapacitante irreversível, com sofrimento atroz, se é verdadeiramente um sofrimento atroz, mas é diferente de um estado terminal. Há que respeitar, com tolerância, com serenidade, que o médico possa ajudar num caso e não ajudar noutro. Portanto, fica essa minha perspetiva. Quanto às instituições, de facto a Constituição não prevê, de forma clara, que haja um direito de objeção de consciência institucional. E as instituições têm de se sujeitar à lei. Mas, de qualquer modo, penso que não vale a pena entrar aqui numa guerra institucional. A seu tempo o Ministério da Saúde vai acompanhando os processos, vai vendo se as objeções de consciência são verdadeiramente livres ou se são por pressões externas, de foro ideológico ou laboral. E, portanto, dar tempo ao tempo. Mas também não vamos ter dúvidas. E basta ver o que ouvimos, lemos, que se passa na Bélgica e na Holanda. Uma grande parte dos médicos não vai estar disponível para estas práticas. E também não temos que dramatizar isso. É um caminho que se vai fazendo e que eu espero que se faça devagarinho. Ninguém anda a querer correr atrás de isso. Mas também não sou ingénuo, no sentido de pensar que vão ser casos excecionais. Não vão ser casos excecionais, do ponto de vista do número. Vai haver um número significativo de pedidos. A Holanda está um bocadinho com um patamar muito elevado, na casa dos 4 a 4,5% de mortos, o que dá cinco a seis mil mortos em eutanásia por ano. Mas a Holanda já tem uma experiência que já vai para 40/50 anos porque começou com uma despenalização social, no Ministério Público. Já são duas gerações. Há um conjunto de valores próprios da sociedade holandesa. Acho que nos devemos comparar, para já, com o que se passa na Bélgica, e sobretudo na parte francófona. Que também há uma diferença entre francófonos e os flamengos. São questões culturais muito complexas, que, outros melhor do que eu, poderiam explorar. E, portanto, podemos apontar para um número muito significativo. Eu não sou adivinho, mas diria sempre que são umas centenas, nos primeiros anos. O que já significa muito trabalho para muitos médicos e muitos enfermeiros. E, portanto, de facto, há que cuidar disto, e por todo o país. Mas, apesar de tudo, eu acho que se deve dar o máximo de liberdade de objeção de consciência, que está previsto na Constituição, aos médicos, aos enfermeiros, aos farmacêuticos, e fazer uma gestão sem guerrilhas, seja por parte das instituições privadas, que têm as suas políticas, também ideológicas, e que há que, serenamente, ir acompanhando. Também não gostava de ver aquilo que sei que acontece, designadamente na Bélgica, que é o Ministério da Saúde, efetivamente penalizar os estabelecimentos que têm políticas muito agressivas anti eutanásia. Mas temos de compreender também o que se passa na Bélgica, é que o sistema é um sistema de Bismarck, que é assente em seguros e em que há muito hospital privado e muito setor social - também obviamente os hospitais públicos e municipais - mas em que há uma dimensão diferente. Ou seja, não há um SNS com o peso forte que tem em Portugal. E, portanto, a realidade é um pouco diversa, pelo que também, espero que, a menos que haja uma atitude de guerrilha, por parte das instituições, que o Ministério da Saúde também não tenha uma atitude muito, digamos, sancionatória face às instituições que realmente se mostrem pouco disponíveis para colaborar. Embora, vivemos num estado de direito democrático. E o direito aplica-se a todo o território nacional. Isso é claro. Mas, com serenidade.
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Mas neste primeiro patamar, como dizia, nesta porta que se abre, o essencial vai ser, de facto, a regulamentação e a forma como o Governo, depois de a Lei sair da Assembleia, vier a aplicar. Dizia há pouco que acredita que não sejam muitos os médicos que possam aderir. Isto também pergunto-lhe, eticamente parece um bocado um contrassenso o médico que é treinado para salvar vidas ajudar no momento da morte...
É verdade. A ética médica é predominantemente contra a eutanásia, mesmo que, como dizem as sondagens, muitos médicos tenham a compreensão para com o fenómeno. E a ética médica é baseada no benefício da beneficência, como grande marca, e compreende-se que isto é muito doloroso para tantas gerações de médicos que foram criados numa cultura em que isto era um tabu. Nem sequer era discutido. Que possam agora mudar rapidamente. E, portanto, isso é compreensível e temos que o compreender. Do ponto de vista dos processos disciplinares, na Ordem dos Médicos, que é uma pergunta que está implícita, não haverá grande problema. Também não temos de estar a exigir à Ordem dos Médicos que mude o regulamento deontológico. Porque a eutanásia continua a ser crime. Uma eutanásia livre, por pura compaixão, porque ele está a sofrer e eu, médico, decido, isso é crime. Portanto, o que se abriu aqui foi uma despenalização e uma regulamentação em termos muito pormenorizados de certas práticas...
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Que já ocorriam?
Bom, sobre isso há outras pessoas que pode entrevistar. Não trabalho em hospitais. Vou ouvindo o que todos ouvimos. Acho que não ocorriam tanto. Também aqui a situação não é paralela ao que acontecia na interrupção voluntária da gravidez. Aqui o debate também é diferente. De facto, vivemos sempre numa cultura anti eutanásica e se acontecia algo era realmente em casos limite. Penso eu. Ao passo que a interrupção voluntária da gravidez, até 2007, enfim...sabemos que, embora a legislação fosse contrária, havia comportamentos sociais, com diferenças geográficas, com diferenças religiosas, mas, em que enfim, era uma realidade. Aliás, em todas as sociedades. Portanto, é diferente o debate. Portanto quanto a ética médica a nível internacional e nacional ela vai abrir um pouco a porta para o princípio da autonomia, mesmo nesta decisão tão radical. Não acredito que haja processos disciplinares para quem cumpre a lei. E, se houver, serão, logicamente, nulos. Os tribunais administrativos são órgãos de soberania e anulariam tal sanção. E há que dar tempo ao tempo. Também não vejo que seja necessário mudar o Código Deontológico.
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Voltamos à questão da votação desta semana: da parte de todas as entidades, do próprio Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida - da qual o senhor doutor faz parte - todos os pareceres foram negativos. Considera que o Parlamento está legitimado para decidir se deve ou não haver o referendo?
Não tenho a certeza do que vou dizer, mas se bem me apercebo do que li, a Ordem dos Advogados remeteu para a Assembleia da República - dizendo que era matéria da Assembleia da República - o Conselho Superior de Magistratura, salvo erro, também disse "bom, é um assunto relevante, mas, não é da nossa competência". Depois temos pareceres da Ordem dos Enfermeiros e da Ordem dos Médicos. Vamos lá ver. Se nós temos um Código Deontológico e até internacional a dizer algo, estranho seria se a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros dessem um parecer positivo. É verdade que na Holanda, nos anos 70, 80 e 90 foram os médicos que lideraram o debate. Também é verdade que em Portugal foi o doutor Ribeiro Santos, o doutor João Semedo, foram médicos que também lideraram o debate. Mas foram médicos individuais. Não a corporação no seu todo. Diria, quanto a esses pareceres, estranho seria se fossem diferentes. Isso é que, realmente, poderia ser um pouco perturbador. O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida realmente teve uma maioria fortíssima contra, embora - e eu estive lá, e está escrito - muitos fizeram questão de dizer que não se estavam a pronunciar sobre o tema em abstrato. Por exemplo, a pergunta não era sobre o suicídio assistido. Se fizessem a pergunta sobre o suicídio assistido a votação seria muito diferente. Digo eu, não sei. Ou mesmo a eutanásia com outra lei. Há sempre uma lei ideal. Mas, pronto. Está lá escrito, no parecer, que foi sobre estes projetos concretos. Encontrou-se defeitos técnicos, éticos, designadamente valorizou-se muito a falta de estudos, digamos de impacto social, até de impacte de gestão dos sistemas de saúde. Legislar sem estudos prévios. É um argumento forte, muito nobre. Embora eu não tenha aderido a esse argumento. Ou seja, sem querer desvalorizar os pareceres com votações tão expressivas do Conselho Nacional de Ética contra os projetos, mas, eles próprios fazem questão de dizer "estávamos a responder à questão em abstrato". "Estávamos a dizer, neste momento histórico, concreto, neste país concreto, com estas dificuldades do SNS, ainda não".
E neste país concreto e neste momento histórico existia um clamor na sociedade que levasse a que Portugal se junte aos poucos casos que existem na Europa de legalização da eutanásia?
Isso, confesso, que também a mim me surpreendeu, mas, aqui também há a dinâmica, muito interessante, política, ideológica, social, que vivemos nessa dinâmica. De facto, Portugal tem votações, do ponto de vista comparado, extraordinariamente fortes à esquerda e de partidos, como lhe chamam os espanhóis, progressistas. São votos livres. De facto, se olharmos para os parlamentos dos outros países europeus, para já não falarmos de outras partes do mundo, são votações extraordinárias, em que temos, já bem a virada à direita, lá estão deputados de partidos, supostamente, progressistas, enfim, o PAN, o Partido Socialista. E, portanto, é a realidade que temos. Estamos, de facto, a ir à frente de outros. Mas a Espanha também está igual. A nova Zelândia também. A Austrália voltou a introduzir. O Canadá há cinco anos. A França, de facto, não aprovou, em decisão livre das suas instituições aqui há uns anos atrás - foi para a sedação terminal. É verdade. Mas também aqui há um paralelo que podemos fazer: o casamento de pessoas do mesmo sexo também houve uns países que foram à frente, outros depois vieram a meio caminho, outros ainda lá estão a chegar. Enfim, resulta dos condicionamentos da estrutura política da sociedade portuguesa.
Falou há pouco da questão da eutanásia e do suicídio assistido. São de facto situações diferentes. A maioria dos países aprovou o suicídio assistido. Considera que se essa discussão tivesse sido mais clara, na sociedade portuguesa, a votação e até, digamos, todos os pareceres das entidades na área das ciências e da vida, seriam diferentes?
Vou, aqui, desnudar-me um pouco. Eu sou quem sou e tenho a minha história de vida e eu parti para a discussão com perspetivas liberais. Claramente. Mas abri-me mesmo, sinceramente, à discussão. Fiz um esforço tremendo de me abrir à discussão. E durante anos, meses e anos, de leituras, de debates, de pensamento, achei que nunca se explorou a distinção de suicídio assistido e eutanásia. Nunca se explorou a diferença entre lesão definitiva, que causa sofrimento cruel, insuportável, e doença terminal com sofrimento cruel. E os meus colegas, no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, interpelados por mim também não quiseram explorar isso. Não quiseram explorar esses caminhos, dizendo sempre "nós estamos aqui a avaliar projetos concretos e, portanto, não temos de entrar nesses detalhes". A verdade é que perdemos uma boa oportunidade de analisar. Porque, obviamente, haveria muito maior consenso, na diferença entre suicídio assistido e eutanásia. Porque, obviamente, eu compreendo que é muito doloroso para a profissão médica e de enfermagem, o ato de violar o mandamento de "não matarás". Compreendo, há uma diferença filosófica muito grande entre o suicídio assistido e a eutanásia. Mas, porque é que então eu acabei por abandonar essas distinções? Porque percebi que há uma distinção filosófica essencial importante, mas também é um pouco instrumental. E verdadeiramente até um pouco cruel. Porque as pessoas que já nem têm força para deglutir um cocktail eutanásico, ingerir medicamentos, estariam desprotegidas desse cuidado - e eu daqui a pouco vou explicar a expressão "cuidado". E, portanto, acabei também por me rever nestes projetos e também já em 2018, embora me tenha aberto de facto às perspetivas contrárias. E porquê "cuidado"? Cuidado é uma expressão que vem do professor Faria Costa, que há quase 20 anos, 20 anos, teve a coragem de apresentar a sua agregação, que é a prova mais elevada que existe na Academia e no Direito, e numa escola livre que é a Faculdade de Direito de Coimbra, mas, apesar de tudo o Direito é sempre bastante conservador. Embora, na escola de liberdade. E que apresentou algo muito em linha com estes projetos. Também seguindo a linha holandesa. E foi aprovado com distinção, academicamente. E o que é que eu queria dizer com isto? Queria dizer que ele explica que há aqui ainda um ato médico. E podemos entrar nessa discussão. Porque o que é que é a medicina? Medicina é cuidar. A medicina é carinho. O grande dever do médico não é curar, não é salvar vidas. É cuidar. E perante um concidadão, que está em desespero, num sofrimento atroz e sem esperança, podemos ver que há aqui ainda cuidado. Misericórdia. E ainda hoje ouvia, precisamente na rádio, ouvia uma experiência de cuidados paliativos que, como dizia o ouvinte, no fundo aquilo era uma situação de eutanásia passiva. E isso já está, de facto, na lei de 2018, apresentada pelo CDS. Da sedação terminal, da ausência da hidratação, de ausência de alimentação podem levar dias...
Até que os órgãos entrem em falência...
Dias ou semanas em que está o corpo, de facto, sem sofrimento cerebral, porque está cortado as conexões, mas, isso vai continuar a ser o dominante. E ainda bem, se calhar. Mas há pessoas diferentes. Há pessoas que são bizarras, são estranhas. Mas que não querem isso e esta lei basicamente disse "temos de ter tolerância para com aqueles que não querem isto".
Mas a invocação da liberdade individual para tomar essa decisão, nestes casos, e tendo em conta estes cinco diplomas, não acaba também por estar muito dependente da autorização e do que o Estado decidir?
Esse é um dos argumentos permanentes, quer em 2018, quer agora, quer de muitos pareceres contra. É de que "afinal não há autonomia, depois quem decide é uma comissão de médicos". Eu já respondi a 2018. Estão a criticar autonomia em nome da autonomia. Esta é uma falácia argumentativa. Isso era acabar com o artigo 134 do Código Penal. Ninguém quer isso. Eu não sabia que essas pessoas queriam acabar com o Código Penal, com o crime de homicídio por compaixão. Ninguém quer acabar com o homicídio por compaixão. Portanto, é evidente, tem de haver um procedimento muito exigente, muito rigoroso, muito cauteloso, para destrinçar o trigo do joio, digamos assim. Daquela pessoa que está em desespero - porque toda a doença tem uma fase de desespero. Os psicólogos explicam isso. Uma fase de negação. Uma fase de desespero. Há que dar tempo ao tempo e ter um procedimento.
Depois destes anos de debate sobre a eutanásia e sobre todas as formas de obstinação terapêutica, considera que a sociedade portuguesa já estará preparada para começar a discutir outras situações, ainda nesta área, como chegar a uma unidade de saúde, chegar ao seu médico, e conseguir falar sobre a questão da distanásia, sobre a questão de não querer continuar os procedimentos médicos?
É um processo. A medicina também foi evoluindo, no sentido de nos oferecer anos, meses, semanas de vida à medida que o tempo passa. Ou seja, muitos destes casos também resultam da evolução da medicina. E aqui também um alerta. Assim como não queremos famílias eutanasiantes, e, portanto, há que manter a vigilância e um bom sistema, um bom Serviço Nacional de Saúde, e o acesso gratuito ou acessível a cuidados continuados e a cuidados paliativos, também não queremos aquilo que já existe muito na sociedade moderna que são famílias distanásicas. São muitos relatos que todos ouvimos de médicos que querem começar uma abstenção terapêutica e as famílias insistem e insistem e insistem. E isso, de facto, também é cruel. E, portanto, todos temos de ir aprendendo a lidar com a medicina e com as suas fragilidades.
Passemos agora da morte para a questão da vida. Outros dos temas que marcou muito esta semana foi o caso da Ângela Ferreira. É uma mulher que fez entrar no Parlamento uma iniciativa legislativa de cidadãos porque pretende ser inseminada. O marido morreu antes que pudessem cumprir o sonho que tinham de ser pais. O Partido Socialista já disse que também vai reapresentar um projeto que tem sobre esta matéria. No plano ético considera que esta é uma alteração a fazer na lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA)?
Primeiro só muito rapidamente demonstrar que a lei em 2004, a lei de procriação assistida que foi aprovada em 2004, sobre a liderança da doutora Maria de Belém Roseira, e que visou unir, num acordo possível, muitas divergências, e que é de louvar, tinha coerência. E tinha coerência porquê? Porque só se podia aceder à procriação medicamente assistida em caso de esterilidade, e só se podia aceder o casal. Portanto, o doente era o casal. E, portanto, quando se vem dizer não se faz criação de embriões, seja por inseminação seja por fertilização in vitro após a morte, neste caso, do marido ou companheiro, é coerente. Porquê? Porque se não havia casal não havia PMA.
Mas a lei foi mudada, entretanto...
Exatamente, em 2016 é que há uma grande mudança que não foi discutida pela sociedade portuguesa. Esse é dos grandes mistérios da bioética. Como é que, para mim, uma das maiores e mais radicais mudanças na legislação da PMA, que é o acesso às mulheres solteiras ou viúvas ou divorciadas à produção independente, passou com uma tranquilidade extraordinária, pelo Conselho Nacional de Ética, enfim, se forem ler as atas eu não protestei mas expliquei que era uma transformação tremenda. Tremenda em quê? Em 100 anos de lutas progressistas de direito da filiação em que se quis o quê? Se quis dar um pai às crianças. A Humanidade está cheia de crianças sem pai. E até ao republicanos isso era normal. Só havia uma maneira de uma criança ter um pai. Era nascer de um ventre de uma mulher casada. Se não nascesse de um ventre de uma mulher casada praticamente não havia perfilhação. Era um ilegítimo, um bastardo. A criança tem direito à sua história pessoal, a ter um pai, a ter direito a alimentos, a ter direito a visitas, eventualmente. Foram 100 anos de grande evolução, sobretudo em 77. O professor Pereira Coelho que liderou a reforma do Direito da Família. E, depois, em 2008, a reforma do Direito do Divórcio. As responsabilidades partilhadas, também lideradas pelo professor Guilherme de Oliveira, e agora até se fala da residência alternada. Pelo menos haver um casal. Podem ser duas mulheres. Mas haver um casal. Ora bem, em 2016 com grande tranquilidade disse-se "não, isso é tudo muito ultrapassado, é preciso é o direito à procriação". Curiosamente só para mulheres. Porque hoje um homem que queira procriar, como por exemplo, o Cristiano Ronaldo, não consegue. Enfim, em Portugal. Pelo menos, de acordo com a lei. Bom, o que é que eu quero dizer com isto? Esta foi a grande transformação. Foi em 2016. A partir de 2016 uma mulher pode recorrer à PMA e pedir a um banco material biológico e proceder à inseminação ou fertilização in vitro. E é neste contexto que chegamos a 2020 e somos surpreendidos com esta história, muito emocionante, muito emocional, que nos sensibiliza a todos, em que temos um casal, em que havia um consentimento, e que, a meio das intervenções - se bem percebi a história - ele acaba por falecer. Se já houvesse embrião podia-se implantar no útero em nome, também, da proteção dos embriões. Por acaso não havia embrião. Tem de se fazer in vitro ou uma inseminação artificial. Portanto, não vejo aqui grande diferença face ao acesso por parte de uma mulher viúva que fosse, efetivamente, recorrer a gâmetas, que já não serão anónimas, porque o Tribunal Constitucional proibiu o anonimato, mas enfim... de alguém que não tem nenhuma história, nenhum passado de vida, não há nenhuma ligação existencial ou espiritual com aquela criança. Portanto, não me perturba que haja uma mudança da lei. Porque ela vai ao encontro dessa ansiedade que eu também senti, na sociedade portuguesa, que as mulheres sozinhas possam procriar. Tem razões sociológicas, profundas, que nos levam muito longe, de facto, a entrada das mulheres no mercado de trabalho, enfim, leva a adiar à procriação e, às vezes, enfim, querem procriar sozinhas. Portanto, não me perturba essa mudança de lei. Eu sei que é diferente. Uma mulher solteira recorrer a gâmetas em que nunca haverá um pai. A linha da paternidade estará sempre vazia, mesmo que a criança aos 18 anos tenha o direito a conhecer a identidade do dador é apenas a identidade civil do dador. Não vai ter nenhuma relação jurídica com ele, não vai poder pedir alimentos. Vai-se discutir o direito de contacto. Por exemplo, há legislações na Austrália, que proíbem a criança de contactar o dador. Vai-se discutir isso. É diferente de ter a sua linha de paternidade ocupada pelo ex-marido, pelo falecido marido, pelo falecido companheiro. Isso tem consequências de Direito das Sucessões. Que é um ramo de direito muito importante. Porque há interesses a salvaguardar. De outros filhos, de outras famílias. E que é muito relevante na nossa vida. O Direito das Sucessões. E então o que há que assegurar, como existe no Brasil e, portanto em Espanha e outros países, é que esta procriação post mortem tenha por base uma vontade claríssima do falecido pai. Designadamente que tenha assinado um consentimento de acesso às técnicas de PMA, do Conselho Nacional de PMA. Ou, por exemplo, no Brasil exige-se que ele tenha feito um testamento. Que tenha ido ao notário fazer um testamento. É algo que também se pode estudar:se é exigível o testamento ou se basta o consentimento. Porque ele normalmente morre de surpresa, não é? Aquilo que não podemos aceitar é que, perante um cadáver, a viúva queira extrair o sémen para, depois mais tarde, procriar. Porque aí, no fundo, é um desejo egoístico dela. Não há uma manifestação de vontade parental por parte do falecido, vai criar muitos problemas no direito das sucessões... portanto, isso não é correto.
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Desse ponto de vista, relativamente à história da Ângela Ferreira e do Hugo, a lei teria de ser alterada. A ética é exatamente isto. É a alteração constante da lei perante o inesperado e perante a evolução da vida. Até onde é que isto nos vai levar? Já os chineses já estão a tentar uma situação de edição genética, não é? Tentar criar crianças, fetos, que estejam imunes a determinadas doenças. Isto vai-nos levar ao final do homo sapiens?
Eu confesso que, quando em 2016, vi a mudança da legislação ao permitir que qualquer mulher tivesse acesso às técnicas de procriação medicamente assistida, mesmo que não seja infértil, e aliás, nos termos da própria lei, nem é preciso estar solteira. Numa interpretação arrojada uma mulher casada, isto é um pouco chocante, mas na letra da lei, se formos agarrados à letra da lei, uma mulher casada pode dizer ao marido (ou nem dizer) "tu és bom marido, mas não dás bom pai. Eu para pai quero ir ali à clínica e fazer, escolher, até, com catálogo, o tipo físico do pai e ter um filho autónomo". Isso pode fazer, por exemplo, na adoção, com consentimento do outro conjugue. Bom, ou seja, realmente, a lei, se for interpretada à risca, pode-nos trazer estes absurdos. Que acho que não se estão a fazer. Que a própria deontologia médica não iria fazer a uma mulher casada. Portanto, no caso da lei de 2016, até se poderia defender que aquele artigo que impede a inseminação post mortem até deveria ser objeto daquilo que chamamos uma interpretação abrogatória [contra a norma] Porque é incoerente, paradoxal. Com a outra norma. É evidente que é diferente porque vai haver aqui uma linha da paternidade e de efeitos sucessórios. Portanto, a lei, respondendo à sua pergunta, sim, a lei acorre às necessidades da sociedade. Podíamos é criticar é que, em 2016, não se tenha logo revisto isto ou não se tenha pensado nisto. Mas acontece. Não vejo aí que seja dramático.
Onde é que as discussões e os dilemas da ética nos vão levar?
Vão estar sempre presentes porque os avanços da medicina e da biomedicina, da genética, da biogenética, da inteligência artificial, da robótica, estão, de facto, a transformar muito aquilo que é e que poderá vir a ser a nossa vida. E, portanto, nunca foi tão atual, como hoje, e será, se calhar, daqui a cinco anos ainda mais atual, o debate em torno da bioética e do bio direito. E, portanto, de facto, a transformação de embriões humanos para eliminar doenças é algo que já se está a discutir bastante. Eliminar doenças monogénicas terríveis já se está a discutir. Ainda não é lícito, mas já se está a discutir. Mesmo o Conselho de Ética alemão, que é bastante conservador já diz "bom, não está em causa a identidade genética, no sentido que não se pode tocar no genoma humano, está em causa, digamos, os riscos", já é mais uma postura de cautela e precaução. E, portanto, eu acho que as famílias que têm a infelicidade de ter uma doença genética terrível, incapacitante, sei lá, Machado Joseph, Huntington, Coreia Poliquiistica, etc. Portanto, doenças terríveis, que não vão querer passar isso à descendência e o debate está aí, com grande força, na ciência e no direito.
Como é que tem acompanhado o debate sobre as crianças transgénero, sabendo que, por exemplo, há um debate sobre a utilização dos medicamentos bloqueadores que, no fundo, retardam a entrada na puberdade, destas crianças que ainda não sabem bem aquilo que são. Como é que eticamente se traça aqui esta linha a partir da qual a criança pode, ou não, decidir sobre a sua vida?
É uma área que também é preciso manter muita serenidade. E não discriminar crianças que já estão em grande sofrimento, famílias que já estão em grande sofrimento. Tudo o que pudermos fazer para que tenham uma vida mais humana, menos discriminada e mais inseridos na sociedade, melhor. Obviamente as responsabilidades parentais estão ao serviço do melhor interesse da criança. E essas intervenções devem ser acompanhadas por médicos. Baseados em ciência, Baseados no saber. E, portanto...
Mas os estudos ainda não muito incipientes, nesta matéria...
Bom, mas isso é típico da medicina. Mas o que eu diria, não posso dizer que sim ou que não a tomar os medicamentos. A fazê-lo acompanhado por médicos, devidamente baseado em ciência. E que o importante é que as escolas, toda a nossa sociedade, estejam preparadas para lidar com estas pessoas, que já sofrem, pela indefinição em que estão. Que estão fora dos padrões normais, são binários. Normal no sentido de dominante na sociedade, é isso que eu quero dizer. Portanto, o menos discriminatório possível.
Sendo autor de várias obras sobre a ligação entre o médico e o paciente, perguntava-lhe, neste século XXI em que estamos, como é que se pode caracterizar essa ligação? Ainda é muito de dependência e de quase uma superioridade do médico em relação ao paciente, por exemplo, no acesso à informação que é dispensado do médico para o paciente?
Sim, isso há que ir mudando mentalidades, reforçar o dever de informar, que o doente acompanhe o tratamento. Os doentes também vão tendo cada vez mais cultura. Gerações mais novas têm mais escolaridade, compreenderão melhor a informação. Isso é fundamental que não sejam escondidos os riscos graves, os efeitos adversos da cirurgia, da medicação. Os próprios tribunais portugueses têm dados passos importantes para castigar, punir, com responsabilidade civil, concedendo indemnizações às vítimas da violação do consentimento informado.