Eventual revisão constitucional pode ser a chave para resolver impasse na regionalização
Um estudo realizado pelo Iscte revela que 71% dos inquiridos defendem que a regionalização “deve ser discutida de novo”
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Uma eventual revisão constitucional seria uma "boa oportunidade" para que a regionalização pudesse, "finalmente", avançar. O "falhanço" da descentralização reforçou a necessidade de "modelos de envolvimento territorial" que aproximem as populações à política pública e evitem "riscos sérios para a democracia portuguesa".
O estudo realizado pelo Iscte “O que pensam os portugueses 2025 – Descentralização, Desconcentração e Regionalização” revela que 71% dos inquiridos defendem que a regionalização “deve ser discutida de novo”, cerca de 28 anos depois de um referendo que recusou as regiões, com 19% a dizer que a questão não deve voltar a ser discutida (10% respondeu não saber). Entre os inquiridos que defendem que a regionalização deve ser novamente discutida, são 84% os que querem a realização de um novo referendo.
O tema subiu a debate no Fórum TSF desta quarta-feira, com a presidente da Associação Nacional de Municípios, Luísa Salgueiro, a defender que o país tem de enfrentar "seriamente" a necessidade de promover um novo referendo. E, uma vez que a possibilidade de uma revisão constitucional foi levantada pela IL, seria pertinente questionar os políticos se "querem ou não retirar o referendo da Constituição e avançar, finalmente, com a regionalização".
"O país está a atrasar o processo de reforma da sua administração mais próxima das pessoas porque a regionalização ainda não avançou. Nos dois últimos congressos, a Associação Nacional de Municípios foi esmagadoramente favorável ao avanço do processo da regionalização. Portanto, falta a vontade política central", aponta.
Luísa Salgueiro, que também é presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, considera que o estudo dá também mais força aos autarcas para reivindicarem mais competências junto do próximo Governo. Garante, aliás, que esta posição "está respaldada por um largo apoio da generalidade da população". Este era um trabalho que já estava a ser feito junto dos anteriores Governos, sobretudo o de António Costa, em que foi registado um avanço "significativo e decisivo na descentralização" em áreas "fulcrais" para a população — a saúde, a educação e a ação social.
"Mas precisamos de reforçar as competências, quer nessas áreas, quer evoluindo para áreas que já estavam previstas na lei e que ainda não estão suficientemente aprofundadas. Isto estimula-nos e anima-nos ainda mais e, sobretudo, demonstra que as pessoas estão atentas e que compreendem o que para nós é evidente", reforça.
Quem partilha da mesma crença é o presidente da Associação Nacional de Assembleias Municipais, que também entende que uma eventual revisão da Constituição "seria uma boa oportunidade" para aproveitar o trabalho "bom que já se fez", mas que falhou em transformar-se em lei.
"A regionalização é um desses [bons trabalhos], mas também as reformas do poder local, das assembleias municipais, das assembleias de freguesia. Agora já estamos a falar — e bem — do poder de assembleias para as áreas metropolitanas. Mas vamos construindo umas coisas em cima das outras. Precisávamos de nos coordenarmos melhor", afirma Albino Almeida.
O presidente da Associação Nacional de Freguesias (Anafre) reconhece que já foram dados "alguns passos" positivos, nomeadamente com a transferência de várias direções-gerais de serviços para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Ainda assim, Jorge Veloso vinca que "o passo principal não foi dado". O estudo promovido pelo Iscte é, por isso, um bom indicador desse caminho.
"Agora há que dar o passo seguinte: eu sou um defensor da regionalização — estou a falar em meu nome, não da Anafre. É um passo importante. Gostaria que o tema da regionalização voltasse a estar em debate e desta vez não se correria o risco de chumbar, como da última vez", confessa.
A população entende que a regionalização é a resposta certa, diz Helena Freitas, professora da Universidade de Coimbra, que também foi coordenadora da Unidade de Missão para a Valorizar do Interior, argumentando que a maioria das regiões continua esquecida pelo poder central.
Helena Freitas adianta ainda que é possível concluir que, com interlocutores mais próximos, os cidadãos sentem "maior segurança" e confiam "mais" na aplicação das políticas públicas. Esta é uma mudança que é "global" e com a qual Portugal se deve "alinhar", caso contrário, há implicações "sérias" para a democracia.
"A descentralização não funcionou, não está a funcionar, não é suficientemente eficaz. Precisamos de modelos de envolvimento territorial que, de facto, envolvam mais as populações e que as aproximem à política pública. De outro modo, hoje corremos o risco de afastar o cidadão e isso tem riscos sérios para a democracia portuguesa", alerta.
