Até ao dia 3 de junho, a Associação Psiquiátrica Alentejana vai estar reunida em congresso. A TSF conversou com Luiz Gamito, o psiquiatra que lidera esta associação, que nasceu em Portalegre para tentar levar mais profissionais de saúde mental para o Alentejo.
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Há décadas que o sul e, muito em particular, o Alentejo é a região de Portugal com maiores taxas de suicídio. Os anos passam, mas essa é uma realidade que não muda, como provam os mais recentes dados do INE. Em 2021, a taxa rondou, no Alentejo e no Algarve, os 16 suicídios por cada 100 mil residentes, quase o dobro da média nacional.
Luiz Gamito, presidente da Associação Psiquiátrica Alentejana, acredita que a estatística não reflete totalmente a realidade. E há diversas razões para isso.
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Antes de mais, é preciso que o médico que regista o óbito declare que foi suicídio, mas isso nem sempre acontece. "Falar na existência do suicídio é uma conversa daqueles que criticam o suicídio". E, no Alentejo, "não criticam o suicídio. Portanto, para não nos aborrecermos mais, morreu de morte súbita, de causa desconhecida, ou de outra coisa qualquer".
O psiquiatra explica, assim, que, no Alentejo, o suicídio é quase uma "questão cultural". E recorda que, quando a associação nasceu, há cerca de uma década, o único psiquiatra que existia no Baixo Alentejo, costumava ir a funerais de pessoas que tinham posto fim à própria vida.
O cortejo fúnebre era feito a pé, o que fazia com que fosse praticamente impossível não escutar os comentários que se faziam. Comentários que eram "sempre de apreço pelo ato suicidário: ainda bem que ele já se matou. Coitadinho! Se ele se matou, é porque estava a sofrer muito. Ainda bem que teve coragem! É uma atitude cultural" que não é considerada negativa.
E que dificulta que a busca de uma solução. Luiz Gamito sublinha que "é difícil questionar". Se o suicídio é uma forma de acabar com o sofrimento, e é de livre vontade, "agora vem alguém dizer que não faz sentido? Mas porquê? Cada um sabe de si!".
Quando foi criada, em Portalegre, a Associação Psiquiátrica Alentejana tinha como objetivo levar para o Alentejo mais psiquiatras.
10 anos passados, Luiz Gamito vê, apesar das dificuldades, um Alentejo muito diferente no que respeita à saúde mental. Há hoje mais médicos e outros profissionais da área, mas ainda estão longe de ser suficientes.
O psiquiatra explica que isso é determinante nas altas taxas de suicídio que a região mantém há décadas. "Onde há ratos, quer dizer que não há muitos gatos. Se existirem muitos gatos, há poucos ratos." E, se é certo que hoje "há mais gatos", também continua a "haver muitos ratos".
Na verdade, os profissionais que agora estão no Alentejo, "são gatos recentes. São internos, estão ainda em formação. Na realidade, só serão psiquiatras daqui a um, dois anos".
E depois, alerta, é preciso fixá-los no Serviço Nacional de Saúde. Senão, "mesmo que os tais gatos se formem, vão-se embora para outro lado".