"Feira da Foda" atrai milhares à aldeia de Pias, mas registo da marca foi recusado
O autarca de Pias afirma que “não vai desistir do registo”, em prol da proteção e valorização de uma tradição centenária
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A aldeia de Pias, em Monção, vai receber, entre esta sexta-feira e domingo, a sexta edição da “Feira da Foda”, um evento gastronómico dedicado ao cordeiro assado no forno a pingar num alguidar de arroz de açafrão. O prato com nome popular “Foda”, nasceu do linguajar povo e, para preservar a marca, que todos os anos leva milhares de pessoas àquela freguesia, a junta local quis registar o nome “Feira da Foda”, mas o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) recusou por considerar que envolve “calão”.
O autarca de Pias, Gaspar de Castro, afirma que “não vai desistir do registo”, em prol da proteção e valorização de uma tradição centenária.
“Tem havido alguma dificuldade realmente em registar o nome por parte das instituições que fazem o registo. Ainda consideram que tem um enquadramento pejorativo e não refletem aquilo que é a nossa realidade. Focam-se só na palavra e pensam que é calão”, afirma Gaspar de Castro, defendendo que, a “Feira da Foda tem uma parte cultural e de história, já bastante longínqua”. E tem atravessado várias gerações.
“Nós aqui dizemos “Feira da Foda”, com muito orgulho”, afirma Diana Pereira, de 28 anos, que faz parte da equipa da junta de freguesia que organiza o certame. A jovem conta que em vésperas da feira “chovem” chamadas “de todo o país” a perguntar pelo evento.
Este fim de semana, em Pias, está instalada uma tenda com capacidade para cinco mil pessoas. Estão preparados “300 animais” de criadores da região para satisfazer os desejos dos visitantes.
A “Foda” será preparada pelas gentes locais, em cinco casas da aldeia que possuem forno de lenha.
No recinto, estarão cerca de uma centena de expositores, entre eles, oito marcas de vinho Alvarinho da Sub-região Monção Melgaço. Haverá diversão para as famílias e animação musical. E, este sábado, Prazeres Domingues, de 63 anos, vai à feira ensinar como se faz o prato. Habituada a ver “a avó e depois a mãe” a cozinhar o cordeiro, conta que “uma boa Foda” precisa de “um bom carneirinho”, que depois de ser “bem esfregado”, com água e limão, “para tirar as impurezas”, vai para um alguidar “com cebola alho, sal, vinho branco e vinagre”. É ali que o animal anda às voltas, no que a população chama de “banhos (na marinhada para impregnar os temperos), três vezes ao dia, durante 48 horas”.
Depois vai a assar em forno de lenha (de preferência), enquanto à parte se prepara “uma calda para o arroz, com presunto, chouriço e carne de vaca”. Finalmente, numa terrina coloca-se a calda das carnes com arroz e açafrão e, por cima, numa grelha, o cordeiro.
“O segredo da Foda é ser bem esfregada. Se não for bem esfregada, não presta”, afirma Prazeres, que costuma cozinhar a dita em casa para a família e que até já conquistou pela barriga a sua “neta postiça”, Lara Nombela, de 20 anos, natural de Ponteareas (Galiza), que namora um dos seus netos. E a jovem confirma o gosto pela iguaria de Pias: “Há que fazer parte disto. Gosto mesmo do prato. Adoro. Ir ao domingo a casa da Prazeres comer ‘Foda’ é normal. É bom. Sempre que há ‘Foda’ vou.”
Em Monção, conta-se oficialmente que este certame gastronómico, assim como o próprio prato, nasceu de uma antiga feira de rês, onde criadores e contratadores levavam o seu gado ovino, por vezes, engordado à pressa, com sal na forragem para o obrigar a beber água.
De barriga cheia de água e pesados, os animais eram bem vendidos aos mais incautos, que só mais tarde, depois os ver mingar, se apercebiam do engano e exclamavam à boa maneira minhota: “Que grande Foda!”
Gaspar de Castro afirma que a feira de Pias atrai cada vez mais pessoas de todo o país e do estrangeiro, principalmente da vizinha Espanha, Brasil e comunidades de emigrantes. E teme, por isso, que se a marca “Feira da Foda” não for registada, “possa haver alguma situação que “possa lesar” a freguesia.
“Devíamos zelar, proteger e valorizar este nome, que a população deu a esta feira””, insiste, recordando que, face ao sucesso do evento, a junta foi contactada e está “em negociações” com uma associação ligada à comunidade portuguesa no Brasil, que organiza “um grande festival no estado de São Paulo” e pretende “fazer lá uma edição temática, com o nome e com a marca, com o apoio das instituições estatais brasileiras”.
