Inspeção feita em 2009 já falava num "vazio grave". Curso de Comandos não tem aprovado documento que permite, por exemplo, responsabilizar alguém em "caso de acidentes graves".
Corpo do artigo
O 127º Curso de Comandos, que no início de setembro levou à morte de dois militares com um golpe de calor, foi antecipado quase um mês, começando ainda no verão, ao contrário do previsto inicialmente, por causa, alegadamente, da reposição dos feriados e de um conjunto de regras e normas que, afinal, nunca existiram.
A conclusão é retirada da Inspeção Técnica Extraordinária ao Curso de Comandos, feita pelo Exército, a que a TSF teve acesso. Um resumo dos resultados desta inspeção foi conhecido no final da semana passada e só agora foi possível ter acesso ao documento na íntegra.
Lendo o relatório da inspeção é possível perceber que os cursos de Comandos estavam a ser feitos sem um documento que desde 2013 devia definir, por exemplo, de forma clara, a estrutura do curso dado aos formandos.
O "Referencial de Curso", assim se chama o referido documento, é, na prática, aquilo que deve definir qualquer ação de formação. Por exemplo, o que se pretende ensinar e como.
É esse referencial, definido pelo Exército com uma nova metodologia desde 2013, que nunca foi aprovado para o Curso de Comandos. Apenas existia um "perfil de formação", aprovado em 2002, claramente desatualizado e sem a metodologia de 2013.
Uma Inspeção Geral Ordinária (da Inspeção Geral do Exército) feita ao curso em 2009 já "enfatizava" que a falta de referenciais de curso era um "vazio grave em termos de responsabilidades a atribuir no caso de acidentes graves".
O novo relatório agora concluído acrescenta, também, que sem esses referenciais aprovados "não se pode afirmar que os cursos estão testados".
Os argumentos para antecipar o curso
Curiosamente, é esse "Referencial de Curso" que o próprio relatório sublinha que "não está aprovado", que foi citado como razão pelo Regimento de Comandos quando em fevereiro pediu para antecipar em quatro semanas o 127º curso, que no Plano de Formação Anual estava previsto começar a 26 de setembro, sendo que os cursos dos Comandos se iniciam, por norma, apenas em outubro.
O curso acabou, no entanto, por ser mesmo antecipado e arrancou a 3 de setembro, com o treino mais exigente a ser feito no dia 4 (a chamada prova zero ou de choque), com temperaturas altíssimas, o que acabou por levar dois militares à morte e mais de 20 a procurarem ajuda médica.
O Regimento de Comandos pediu a antecipação com base no "Referencial de Curso" e na "decisão do Governo de repor os feriados" [em 2016].
As conclusões desta inspeção sublinham que "o 127º Curso de Comandos foi antecipado em cerca de quatro semanas, o que significa ter-se iniciado ainda no verão", com "justificações centradas em razões administrativas/logísticas que devem ser reavaliadas" quando afetam a calendarização dos cursos.