Nesta freguesia do interior do concelho de Loulé na quinta-feira da Ascensão há desfile etnográfico e pedidos ao poder político
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Manda a tradição que no Dia da Espiga se vá ao campo logo pela manhã. Há que colher espigas de vários cereais, flores campestres e raminhos de oliveira para formar um ramo.
Cada planta tem um significado: amor, alegria, dinheiro... e o ramo deve colocar-se por detrás da porta até ao ano seguinte. Mas na freguesia rural de Salir, a maior freguesia do concelho de Loulé, este dia representa mais do que isso. Ali, a festa da espiga existe desde 1968, quando o então presidente da junta de freguesia, José Viegas Gregório, decidiu criar a iniciativa para reunir os montes locais e mostrar o que de melhor se fazia em cada sítio. Na festa, a população aproveitava para fazer reivindicações ao poder político para obras que necessitava ou agradecimentos por aquilo que já tinha sido feito. Tudo em verso ou não fosse o concelho de Loulé a terra onde viveu o poeta popular António Aleixo. E desde então, a tradição que faz acorrer aquela localidade centenas de pessoas, mantém-se com o mesmo espirito.
Cremilde é uma das pessoas que participou na festa da espiga desde a primeira hora e durante 50 anos. Conta à TSF que no seu início foi uma inovação, uma vez que apresentar reivindicações ao poder político da época estava fora de questão.
"Ninguém podia chegar ao pé de uma autoridade e pedir fosse o que fosse, porque o medo que existia era superior à falta que a gente tinha", recorda.
Mas talvez pelos pedidos virem em jeito de poesia, eram melhor acatados por quem mandava. E até hoje, o desfile etnográfico mantem-se, sempre com pedidos ou agradecimentos. Francisco Rodrigues, atual presidente de junta de freguesia conta que este ano vão ter 24 carros a desfilar.
"Cada carro apresenta uma atividade diferente e as pessoas vêm devidamente trajadas e apresentam o que estão a representar, antes mesmo de fazerem o pedido ao poder político", explica.
As viaturas, todas enfeitadas, desfilam perante os autarcas da câmara municipal de Loulé, com a representação das atividades agrícolas da região, como por exemplo o tirador de cortiça, o apicultor, a mulher que faz empreita ou ainda o produtor de aguardente de medronho. Embora a saúde já não a deixe participar, Cremilde, com quase 83 anos, continua a fazer os versos do seu sítio: o Monte de Palmeiros. E por vezes os seus versos têm funcionado. Tem tudo guardado num dossiê com os versos dos anos anteriores. Recorda os tempos em que ia buscar água ao poço num burro e aproveitou a festa da espiga para pedir ao presidente da câmara de então água para o sitio onde mora.
"Eu escrevi: Este burro é meu tesouro/ mas já está velho e cansado/ Com ir à água à fonte de ouro/ por não haver noutro lado". Mais tarde, lembra, foram construidos fontanários para a população.Estávamos já em 1996. A falta de água ou saneamento básico ligado à rede pública ainda é um problema nalguns locais do interior, embora os pedidos hoje passem também pela falta de rede de telemóvel e internet.
Este ano, na sua 56ª edição, na Festa da Espiga haverá agradecimentos, mas também não faltarão pedidos. Cremilde fez em tempos um verso, dirigido ao autarca, que está sempre atual.
"Tudo dito em poesia /ele pede ou agradece / a gente no senhor confia / veja lá se não se esquece", diz a rir.
O tradicional desfile etnográfico da Festa da Espiga percorrerá a principal artéria da vila de Salir a partir das 16h00.