
André Rolo (arquivo)
Tinha eu cinco anos. Lembro-me de o pai de um amigo me perguntar no corredor miniatura em que a gente adulta mal cabia, desproporcionada e forasteira, se aquela mulher para quem eu caminhava com o coração inteiro de criança, para quem eu olhava com olhar de colo, se aquela mulher sem idade era a minha avó.
Mas quem era a minha mãe senão a minha mãe?, pensei enquanto ela, desmascarada pela primeira vez, me levava pela mão de regresso a casa. Mas agora era uma outra minha mãe - quinze ou vinte anos mais velha do que as mães dos meus amigos. E para minha surpresa, para minha culpa, meu peso na consciência, passava-se o mesmo com o meu pai.
Para disfarçar a surpresa da descoberta, senti orgulho: os meus pais estavam mais à frente, sabiam mais da vida do que os outros - mas também já conheciam as doenças, o cansaço, a ideia de que só a eternidade é eterna, e não existe entre pais e filhos.
Mas que idade têm os filhos de pais velhos? Parece que entre eles se pôs a mão do tempo, impedindo-os, a partir desse momento, de continuar juntos. Irónica e amorosamente, assim ficam os filhos de pais velhos: para sempre crianças surpreendidas pela idade dos pais - e estes para sempre mais velhos, mais próximos de morrer.
Vivemos com saudades de pais vivos, ensinados pela experiência que não há amor sem amargura; mas também certos de que o tempo juntou ao afastar, e que nenhum filho o é mais completamente do que aquele que vê os pais envelhecer. E depois chegam os nossos próprios filhos, a minha filha, e a pequena orfandade também é para eles.
Isto a propósito da canção "Slipping through my fingers", dos ABBA, agora interpretada por Jude York, um cantor australiano de 26 anos cuja mãe, antiga cantora de ópera, é como a minha: mais velha, combalida e cheia de dons - entre os quais uma juventude de espírito impossível de reprimir. No vídeo, tremendo por causa do Parkinson, sentada numa cadeira, a mãe acompanha o filho em dueto.
Tomara eu saber mostrar, como naquele dueto, que idade têm os filhos dos pais velhos. Tomara que tudo fosse uma canção eterna, e que me voltassem a perguntar, ainda eu rapaz de cinco anos, se aquela mulher, afinal tão jovem, era a minha avó.